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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Oficinas de Teatro - Ler o Teatro - Programação

Programação das oficinas:


Dias 28 e 29 de agosto – Dramaturgias do Corpo – com Vavá Schön Paulino

Dias 04 e 05 de setembro – Faces de um Teatro Marginal – com Marcondes Lima

Dias 11 e 12 de setembro – E o Teatro Pernambucano no século XXI? Olhares e retrospecto – com Leidson Ferraz

Dias 25 e 26 de setembro – Performance e Sexualidade – com Rodrigo Dourado.

Local das Oficinas:
Teatro Hermilo Borba Filho
Das 09 às 12 horas.
Informações 4141 4726

Abaixo fotos da Oficina de Dramaturgia Contemporânea (Wellington Júnior)
(Fotos Gustavo Túlio)

domingo, 22 de agosto de 2010

Programação de Hoje


Palestra Por um Teatro das Encruzilhadas - de A máquina até Encruzilhada Hamlet
Com Wellington Júnior
Auditório do bloco J da Unicap (Rua Nunes Machado, 42)


O meu trabalho como crítico teatral surgiu com grande força nesta primeira década do século XXI, e isso me possibilitou assistir a uma infinidade de espetáculos recifenses: a cada três dias estava dentro de um espaço teatral. Gosto de me definir como um espectador apaixonado pela cena teatral. E foi a partir dessa paixão crítica, que pude identificar uma série de cruzamentos e tensões na cena teatral do Recife. Com esta palestra espero realizar uma cartografia da produção teatral da primeira década do século XXI no Recife, traçando seus princípios estéticos a partir dos conceitos de teatralidades híbridas e teatralidades não dramáticas. Esses pensamentos norteadores possibilitarão o entendimento dos cruzamentos e tensões na criação e na realização teatral recifense.


Wellington Júnior - Participou das curadorias do VIII Festival Recife do Teatro Nacional (2005); Seminário de Crítica Teatral: Pensamento e Cena (2005 e 2006); Ciclo de Leituras Dramáticas Norberto Cardoso (2005); I e II Ler o Teatro A Escola do Espectador (2007 e 2008). Foi professor do Curso Regular de Teatro do Sesc-Santo Amaro das disciplinas: Laboratório de Interpretação I, Literatura Dramática, Cenografia, Iluminação, Montagem e História do Teatro (2001-2005); Circuito Pernambucano de Artes Cênicas de Interpretação e Arte-Educação (2001-2005); Professor de Direção, Cenografia e Análise de Texto dos Cursos Livres do Sesc-Piedade (2001-2005); Orientador artístico dos núcleos de pesquisa de teatro do Sesc-Piedade (2001-2005); Orientador artístico do Projeto Intimidades do Sesc-Piedade (2002-2005); Coordenador Pedagógico do Festival Todos Verão Teatro, realizado pela Federação de Teatro de Pernambuco nas edições de 2006 e 2007.

Painel Crítico / Chat



On


Kil Abreu

No debate sobre o espetáculo o dilema instaurado no entorno de Chat tem no seu centro o problema do modo ideal de comunicação com a platéia e dramatiza algo curioso e não pontual, como pode parecer. Àquele decreto de que a sociedade não existe, o que existe são os indivíduos – máxima tatcherista que demarcou a evolução da política neoliberal – o teatro dos últimos anos vai responder, informado por uma conjuntura nova, que a sociedade não apenas existe, sim, como a sobrevivência do teatro depende fundamentalmente de uma retomada urgente do diálogo com ela.

É assim que toda uma ordem estética abre veredas que resultam em muito do que temos na cena brasileira hoje. Em contraponto ao esmerado e virtuoso acabamento formal de experiências herméticas e estilosas, como a dos oitentistas Gerald Thomas e Bia Lessa, o teatro de grupo vai retomar um modo de produção que, por ser naturalmente tumultuado, arredonda-se muitas vezes em resultados cênicos deliberadamente mais precários segundo certo padrão de visualidade, mas compensados por este movimento decidido na direção da cidade e dos cidadãos. Não serão poucos os exemplos, em coordenadas e propostas das mais diferentes, que indicam esta disposição de “descer à platéia” e estabelecer o confronto mais direto com o meio. Pensemos em toda a importante obra do Teatro da Vertigem invadindo presídios, rios, hospitais, igrejas; no Núcleo Bartolomeu de Depoimentos e o projeto com a cultura hip-hop. Pensemos na Cia. do Latão, dialogando com o MST nos terrenos do Círculo de giz caucasiano, nas intervenções urbanas do Ói nós aqui traveiz, ao sul, e o chamado às prostitutas da zona no trabalho do Cuíra, ao Norte. Todas estas e dezenas de outras são manifestações determinantes destes caminhos atuais da teatralidade, que se fizeram necessários para este deslocamento do eixo de criação, da obra representada para a obra quase que compartilhada com o público e a cidade.

Parece que há esta tentativa de estender novas pontes entre os espaços da vida privada e os espaços da convivência social, de estabelecer a comunicação com a platéia em um modelo mais flexível e mais direto quando da relação obra/público, o que institui, em alguma medida, uma maneira de resistir a mediações que impeçam a efetividade deste esquema. São políticas de uma presença direta que retomam aquela fé no sujeito como membro da engrenagem social (e neste ponto estariam alinhadas tanto as estéticas propriamente engajadas quanto os teatros da subjetividade, quando postos neste esquema relacional).

Mas, tenhamos calma. Este argumento não está aqui, claro, para enquadrar o espetáculo Chat nos espaços que ele não pretende visitar. Mas, talvez sirva para uma aproximação, pelas bordas, daquele tema que mobilizou a todos no debate. O interessante é que nele a questão de fundo indica justo o sujeito neste entremeio, o lugar complexo em que as mídias digitais nos colocam quando criam um espaço de sociabilidade que herda para si tanto aquele individualismo ilhado quanto uma mais que generosa possibilidade de compartilhamento e de socialização, com todas as variações sobre o desejo e o comportamento que as práticas mapeadas na montagem apresentam. E é isto o que determina as questões políticas e de forma que o texto coloca na mesa para serem exploradas ou revistas.

Pois, quando o encenador Rodrigo Dourado expõe detalhes do processo e nos relata aquelas tentativas de aproximação com a platéia, é também de dentro desta problemática que ele fala. Se o ponto de vista for o das soluções teatrais a dificuldade está em presentificar com objetividade (mas não em chave realista, segundo a vontade do grupo) a relação entre vida e virtualidade em todas aquelas variações que o texto sugere e em que o virtual (enfim, uma forma de construção da realidade) e o real, ambos conduzidos aos lugares da tensão dramática, têm fronteiras borradas, ainda que a ação se encaminhe para um afunilamento. O tema da presença penetra, então, todos os sistemas de relações da montagem: aqueles que acontecem no palco e que são desenhados na ação física, na determinação dos espaços de ficção e na tradução cênica das situações e personagens; e aqueles que dizem respeito à atenção da platéia e à maneira como ela é convocada a acompanhar a encenação.

Disto podemos partir para algumas considerações sobre o alcance e as dificuldades do espetáculo. Primeiro salta, talvez em contraste e já em resposta crítica ao universo da peça, uma posição ética do grupo que não se traduz em discurso paralelo à montagem. Está no próprio ato, na maneira dedicada com que o elenco empresta sua energia às cenas, em vontade de intervenção que é muito visível. Está também em uma concepção de espetáculo que não se conforma nem com o nihilismo (ainda que a tonalidade geral seja sombria), nem com o cinismo (porque não se põe apenas a descrever, sem compromisso, a dramaturgia). Há, muito a favor do trabalho, um empenho sincero em encontrar saídas criativas que amplifiquem a plenos pulmões problemas comuns que, pela novidade, nos parecem estranhos.

Por outro lado, como dizia Brecht, tornar estranho o familiar e familiar o estranho é atitude fundamental para a aderência e o reconhecimento crítico do espectador em relação à cena que ele vê. E, salvo engano, é este elemento de familiaridade que o espetáculo ainda não consegue convocar, de dentro da sua estranheza. Por isso será produtivo perguntar no momento em que a platéia responde na negativa se isto se deve apenas ao rol de temas da peça – que, de resto, não deixam de anunciar a violência que a vida ordinária já tem. Provavelmente os momentos de não aderência pode ser debitado na conta de um desconforto que antes passa pela dificuldade de acompanhar as proposições formais do espetáculo que, como observou bem o encenador, exige mesmo um compromisso de quem assiste. Entretanto, para além da preguiça mental que é mesmo disseminada, sugiro colocar em perspectiva também as dificuldades que o espetáculo tem na potencialização das atenções.

Uma parte do desafio que o texto de Gustavo Ott propõe está na concretização daquelas zonas “suspensas” da fantasia, até que ela se desdobre em ação real ou, por vezes, o inverso disto. De todo modo há este duplo fundamental. No espetáculo, porém, os diferentes campos pelos quais as ações avançam e recuam tendem a ser totalizados sempre como projeções de atos concretos, o que esteriliza o elemento de virtualidade e na prática coloca no mesmo plano cênico instâncias do imaginário da peça que, vistas assim, perdem parte do seu elemento dialético essencial. Mas, a perda não é apenas quanto ao pensamento. Alcança, a rebote, aquele efeito de comunicação do espetáculo que fica, paradoxalmente, desreferencializado por conta de uma excessiva materialização das imagens. Por isso, por exemplo, a violência que é informada e é assunto importante na dramaturgia não se intensifica a ponto de se transformar em ambiência, em estado cênico. Permanece como informação.

Como se vê, a encomenda inicial era mesmo das mais difíceis. Não apenas porque a representação teatral de modos novos de interação são, em si, difíceis. Mas porque a dramatização destes modos são a dramatização de aspectos novos da sociabilidade, muitas vezes estes sim, difíceis de visualizar e traduzir esteticamente com precisão. Voltando ao princípio, sem que se peça para que a montagem seja “social” e que interaja com a platéia (o que muitas vezes é apenas artifício de fachada que não ajuda em nada o caráter propriamente social do encontro), há de se pensar com atenção neste lugar comum entre cena e audiência, primeiro na perspectiva das soluções formais e depois na do alcance e do compartilhamento das idéias do espetáculo, que virão por extensão.

Sem prejuízo do argumento usado até aqui, estas dificuldades em certa medida também qualificam o trabalho de Rodrigo Dourado com o seu grupo. Se por um lado ele não é perfeito, por outro se dedica a articular tarefas artísticas e de pensamento de grande monta, que ganharam o espaço de uma especulação criativa inquieta, o que por fim acaba sendo a parte mais valorosa da experiência. Isto não é tudo, mas faz diferença no panorama recifense. Então, também já não é pouco.


CHAT



Paulo Bio Toledo

(Obs.: Edição coletiva do texto com Juliene Codognotto em operação semelhante aos processos de colaboração e edição de textos na revista Bacante – www.bacante.com.br)

Fronteiras

No debate final, após a apresentação de Chat, discutiu-se sobre a ‘resistência’ do público diante da peça. Seria uma obra que pediria um público ‘disposto’ a receber, ler e ‘compor com’. Mas, segundo o diretor, muitos – especialmente os mais jovens – não vem tendo tal disposição. O lugar é escorregadio: seria o público que não responde, porque anestesiado e passivo? Ou deveria ser objetivo da própria arte encontrar a linha cirúrgica de diálogo com seu tempo?

A primeira resposta normalmente recai no pedantismo dos auto-proclamados gênios contemporâneos. Como se o objeto em si fosse um importante exemplar cultural, porém não compreendido pela maioria dos espectadores. Todavia, a segunda resposta também não basta. Dialogar, pura, irrestrita e simplesmente com seu público não é mérito por si só: os pilares da cultura de massa – como as telenovelas – o fazem muito bem, contudo contribuem maciçamente com a alienação e a ideologia dominante.

Talvez intuindo essa contradição intrínseca à arte, o espetáculo Chat parece ter escolhido a fronteira “híbrida” como seu lugar. Entretanto, o risco a que comumente nos submetemos ao nos posicionar em fronteiras é o de esvaziar qualitativamente todos os lados da linha e, assim, constituir um Frankstein ou mesmo tornar-se substrato hermético do nada.

Chat não é um espetáculo de ruptura formal nem tampouco de ‘estranhamento’ na representação. Como evidenciou Paulo Michelotto no debate, a peça é toda no formato ‘dramático’ e ilusionista do palco à italiana e a fragmentação não se constitui como linguagem cênica, apenas como característica dramatúrgica; ademais, a interpretação é ‘demonstrativa’ e não estranhada (como se propuseram), isto é, os atores parecem estar sempre isentos das situações, como se nada daquilo dissesse respeito a eles, apenas como se fossem os emissores, ‘demonstradores’ de um discurso alheio. Então, a impressão é que nada acontece na cena, que fica planificada e, por isso, bastante difícil de ser acompanhada com interesse; pelos atores nada perpassa, nada toca e muito menos transforma... Parecem máquinas a cumprir suas marcações, repetir seus textos e demonstrar os duplo sentidos sexuais de cada passagem.

Em Chat não há norma nem ruptura. Não há radicalismo poético tampouco compressão das concepções estéticas que o grupo busca fraturar, ou melhor, “hibridizar”.

Fragmentos

O texto do venezuelano Gustavo Ott é um acúmulo de referências a situações e comportamentos típicos da contemporaneidade, em que se empilham uma multiplicidade inimaginável de comportamentos, transformações tecnológicas, esperanças de ascensão, migrações inconstantes e dinâmicas, fundamentalismos etc. permeada por uma intensa hiper-ligação entre tudo e todos.

Gustavo Ott imobiliza um instante contemporâneo que simboliza um ainda estranho desenvolvimento histórico, que teóricos como Frédic Jameson ou Ernest Mandel observam e vêem como mutação das configurações econômicas do capital (Mandel cria o termo capitalismo tardio). Para eles, o capitalismo contemporâneo “hibridizou” suas forças produtivas e iniciou um processo de auto-fragmentação. Em outras palavras, a fragmentação seria característica atual do capital e da sociedade. O texto de Gustavo Ott é a imagem disso...

No entanto, o pós-modernismo (e suas variantes pós-estruturalistas e pós-dramática) apontam, por vezes, a fragmentação política, estética e artística como instrumento de resistência. Mas, pelo ponto de vista de Jameson ou Mandel, a fragmentação é, por definição, característica do que está dado sistemicamente, ou seja, acaba sendo, na verdade, reprodução mimética (!) da realidade. O próprio texto do venezuelano se vale da forma estilhaçada para, justamente, reproduzir o estilhaçamento da realidade. A operação é, de novo, passivamente mimética – tal qual o naturalismo do final do séc. XIX.

Por esse ponto de vista, a dita ruptura contemporânea apenas criou formas de representar (de maneira realista) a realidade em transformação dinâmica. Ou seja, o procedimento volta a ser passivo em relação à realidade (a histórica limitação do naturalismo, por exemplo).

O espetáculo Chat não consegue atingir a fragmentação na linguagem que daria conta de representar a realidade escancarada pelo texto de Gustavo Ott. Todavia, ao cometer esse “erro” (entre todas as aspas do mundo), ao retroceder a linguagens poéticas anteriores, o espetáculo torna visível justamente esta contradição recorrente nas estéticas contemporâneas: sua pura representação da realidade. A sincera disposição do grupo e do diretor, nesta peça, para lidar com alguns temas da atualidade e para ser o mais incisivo possível na questão (no entanto, sem assumir ponto de vista) os obrigou a ter que trabalhar na fronteira estética e denunciou, assim, que a poética pós-moderna é um retrocesso histórico no lidar com a realidade. Pois, novamente, somos passivos em relação a ela.


Duda Martins


Pouca gente sabe que no Recife está em cartaz um espetáculo sobre temas urgentes. Pelo menos é o que Chat anunciava no seu release: “uma provocação sobre temas urgentes.” E é. Ou a violência não é um assunto que deve ser lembrado todos os dias? Ou os conflitos religiosos e suas consequências em todo o mundo não se refletem totalmente na forma como os seres humanos se relacionam? Quem sabe se a pornografia exposta em todos os muros da cidade, em todos os programas de TV, nos sites frequentados por crianças e adolescentes, nas conversas em mesas de bar, nas peças de teatro da cidade do Recife, nas políticas de “reducão de danos” do Governo, é um assunto que merece tanta atencão? A Internet é a maior invenção do homem até ser a única responsável pela criação de uma lei exclusiva para Crimes Virtuais. Ela somente deve ser discutida quando meninas de 17 anos são violentadas e mortas por desconhecidos que conheceram num simples Chat?

Levante a mão quem se disponibiliza a sair num sábado ou domingo à noite para assitir a um espetáculo que fala sobre temas urgentes. O diretor do Grupo Teatro de Fronteira, Rodrigo Dourado, lançou mão de dois grandes dramaturgos e questionadores sociais: o espanhol Gustavo Ott e o poeta e encenador alemão Bertolt Brecht. Nesta montagem um é responsável pelo conteúdo e o outro pela forma. Chat conta a histórias de Dylan17, Pilasur, Boris22, 80min, e tantos outros nicknames que protagonizam personagens de um mundo contemporâneo, urbano, globalizado, virtualizado e muito real. Rodrigo Dourado acertou em cheio em usar a arte a serviço da vida, em usar o teatro para instigar reflexões sociais tão importantes e esquecidas. Não que o teatro não sirva também ao puro e simples entretenimento, longe disso. Mas o teatro agente-transformador não pode inexistir. E se discutir violência no Recife é clichê, vamos praticar todos os clichês possíveis.

Rodrigo, infelizmente, não acertou na forma. Brecht é brilhante em seu estramento e suas rupturas, mas deve ser usado a serviço de quem vê. Se o intuito é motivar reflexão na plateia, que as fontes e recursos existam em favor dela. Em Chat há um turbilhão de informacões despejadas de forma truncada para o público. Bate-papos onlines que se cruzam, gêneros que se misturam, linguagens totalmente distintas que não funcionam no ritmo frenético em que são expostas no palco. Se a temática é difícil de ser digerida o formato é quase impossível de ser tragado. Por outro lado, o diretor foi feliz em fugir de certos lugares comuns. Aborda-se a Internet sem ser necessário um computador no palco; o tema não foi direcionado exclusivamente às questões da adolescência; em nenhum momento a encenação fechou questão sobre vilões e vítimas, pelo contrário, abriu-se um espaço para as mais diversas interpretações, sem que fosse imposto um olhar maniqueísta sobre as situações. Isso foi possível também pela composição teatralizada do espetáculo, causando o tal distanciamento brecthiano.

Chat vale mais por sua intencão do que pela forma. É bom que o Grupo Teatro de Fronteira comece sendo um dos poucos a lançar um olhar atento sobre assuntos tão pertinentes. Mas levante a mão quem se disponibiliza a sair num sábado ou domingo à noite para assitir a um espetáculo que fala sobre temas urgentes.

Chat. Teatro Joaquim Cardozo. Sábados e domingos, às 20h. R. Benfica, 157, Madalena. Informacões: 3227-0657.




ADEUS, RODRIGO!

miCHElotto, paulo

Adeus, sim,Rodrigo! Adeus Kil! Adeus Paulo! Adeus Duda! Adeus Tabares! Adeus Ian!
Kil vamos fugir para S.Paulo, pô! Xará, por favor, me tira daqui! Duda sei que você me daria seu lugar, mas Ivanildo- o grande editor geral de meu tempo, aquele admirável contador de casos- me disse uma vez que não iria tirar um jornalista para colocar outro, que ele tinha um acordo com o Sindicato etc. Sabia o esperto editor que eu havia sido fundador de cursos e sindicatos e que assim a conversa terminava ali.
Francisco Alves atrapalhou a Cerimônia de Adeus e o choro público, que Getúlio se preparou, solicitando que algum assessor seu o suicidasse em 1950. Xico, o Alves, morreu na mesma semana e o Rio o pranteou e o Rio de meu tempo se suicidou. Cantava ele;
          “Adeus, adeus, adeus... cinco letras que choram etc.”.

Vou parar por aqui. A letra é de fazer chorar uma estátua eqüestre do General Bolívar. Choraria o Bolívar, choraria o cavalo. O que, dada a proximidade dos dois, não causa nenhum espanto. A cavalaria, no exército, sempre foi cavalar e cheia de patriótico orgulho. “Prefiro o cheiro de meu cavalo ao cheiro do povo!”. Vou nem citar o miserável nome do General Figueiredo!
Minha primeira Cerimônia do Adeus foi, com este título, publicada no Diário de 19 de junho de 2003. Não resisto em re-editar aqui as cinco primeiras letras desse texto tão antigo, escrito logo depois ou logo antes de um outro em que eu chamava Rodrigo Dourado, então Diretor & figurinista com uma simples: genial. Attonishing, ou algo assim. Foi assim:
          Iniciar como, se não há indícios.
          Ver o quê, se o horizonte se estreita.
          Admirar como, se a barca naufraga.
          Navegar o quê se o rio nunca é o mesmo.
          Afundar como, se o universo se faz raso.

Escrevi minhas cinco letras que choram com uma tristeza gigantesca, enorme, avassaladora. Ou como dizia meu antigo amigo Jommard (Jommard, cadê você???Vi você num vídeo sobre o Vivencial, dentro do carro que nos leva ao restaurante após os espetáculos, vi Rodrigo Dourado ainda menino, Bartô, ainda menino, enfim, ah que saudades que tenho da Aurora (a rua) de nossa vida): a menor solidão é sempre do tamanho da maior.


Ou algo profundamente assim, como você, nosso mestre, sempre escridura.

Sim, senhores, porque o texto é prazer, dizia nosso amigo comum Roland Barthes (não é o goleiro da França). E é dureza, teorizou Jommard, e eu nunca mais esqueci a lição.

De lekton, recolher. Então me recolhi.

Fazem, sete anos que sai do jornal e como sete anos de pastor serviu Labão, eu sei que não sou um cara nada Jacó.

A gente só pensa que é. Deixei de pensar que o pão nosso de cada dia é a base, é a base, é base-já dizia meu bom e aqui totalmente esquecido por mim Karl Marx. E assim esqueci-me de perdoar.Ou de me perdoar.

Polly me diz sempre- e acabou de me sussurrar ao ouvido:Você é um Lord!. Assim mesmo, sem e final. “Então, comporte-se como um, caralho!”.
 
Eis a questão: como manter essas vírgulas aí?

Eis a questão: como me comportar, se não há indícios?
(T)
Há indícios de inteligência no Planeta Terra, sim.
Chat é um desses.

TEXTO
Apesar de ser primo, sou ignorante em Ott. Juro que tentei acompanhar a dramaturgia mais recente. No mesmo Diário em que eu escrevia, coloquei resenhas de várias peças.
Minha posição hoje é mais ou menos essa: respeito, tento entender, mas se é para serem escolhidos pelos motivos que se dão( atualidade etc.) ainda fico- sem segundo lugar, com Beckett, Ionesco, Durematt e quejandos. Podem dizer à vontade que estou ultrapassado.
Como diz o nosso Dourado, os jovens não dão a mínima para esse texto. Sou jovem, meu deus, sou jovem!

DIREÇÃO
É do jovem que disse essa coisa aí e graças a deus está gravada. Se é que a technologia vai realmente funcionar um dia aqui no Recife! Continuo achando que aquele fio saindo da cabeça de Dourado, ligando-o a uma caixa preta de avião em rota de mares nunca dantes navegados vai apenas registrar, como toda boa Memória (menos a de Brás Cubas), apenas e solamente o que quiser. Memórias são seletivas, hehehe.
Rodrigo, como não vem de nenhuma escola de teatro, mas de jornalismo, pensa demais pra um diretor. Viram o que ele falou? Putz, se colocar tudo aquilo no papel, já está com sua tese de doutorado pronta. Eu, em sua banca, daria “DEZ, NOTA DEZ!”. Aliás, está com dez teses de doutorado prontas! Rodrigo, tou te falando isso, pois foi o que um gêniozinho velhinho professor de História em Louvain disse de mim em meu mestrado em Sociologia. Ele tentou conter minha pulsão pelo texto. No meu caso uma pulsão pela fala. Sem blagues de Jommard aqui.
Quando vejo jovens autores, diretores, atores que tem força divina- “dînâmis”, diriam os gregos, “fogo no rabo” traduzimos nós-fico ensandecido, acabo às vezes falando um monte de divagações, viagens psicodélicas. Por que estou mesmo é falando comigo mesmo.
E para quem mais falamos?- pergunta insistentemente Samuel Beckett, em Berceuse.
Então, desculpe-me Rodrigo e outros brothers de caminhada- queiramos ou não ser brothers- às vezes vou com sede demais ao pote. E o entorno. Desculpem-me.
Disse há sete anos: esse menino é um gênio. Continuo te olhando assim. É um geniozinho meio acanhado que não olha direto pra platéia quando fala, fala, fala bem bem bem mais que eu, mas diabos, se diretores olhassem para a platéia e não fossem todos uns acanhados enrustidos- eu NÂO disse enrustidos acanhados, pleeeeease galera!- qual deles não daria todosospersonagenssozinho em cima de um palco, hein, hein, hein?!

O teatro precisa de diretores, para poder ser democrático e permitir que até acanhados tenham seus 15 minutos de glória.
É piada, caramba! Sei que ninguém aqui em Recife entende minhas piadas, mas não consigo parar de fazê-las. Desculpem.
Rodrigo é um já memorável pensador e o digo de todo coração, com a autoridade que me concedem 34 anos de ensino superior e uma carreira em que enfileirei de Barthes a Lacan, de Eurípides a Koltès em meu coração.
Como diretor, ainda é, graçasadeusssss, jovem. E essa minha palavra comporta aqui todos os excessos, belos e assustadores que a juventude comporta: a fúria, o colorido, o dinamismo, o olhar espantado e não sei o que mais, pois fui jovem há um muito longo tempo atrás.Mas me alimento e só me alimento deles.
Tenho – e creio que comigo todo o século XXI- indigestão com diretores, não com jovens.

ELENCO

Arthur, Kiko e Patrícia, como vocês cresceram!
Sei que talvez a recíproca não seja verdadeira (e que importa essa verdade?) mas, hoje, eu escolheria tranquilamente vocês para trabalhar comigo. Em Chat, penso que estão ainda no início de temporada, se aquecendo, ainda um pouco duros com aquilo que se chama “atuação”, não errados, eu nunca diria essa palavra, apenas duros. Quando Arthur apontou para mim e disse “você, etc. etc.” ainda me olhou como se através de uma quarta parede pessoal, interna a que chamo normalmente de “atuação”. Conheço toda teoria dessas coisas, mas no século XXI elas só estão engessando o dedo em riste do ator. Deus, o ator não é um dedoduro. Larguem Brecht, criem suas próprias teorias. Podem sim. Rodrigo já é um quase-doutor. E é para isso que a Universidade nos concede esse tão pesado título.
Para que depois, finalmente possamos sair por ai saltitando. Lembram do maior gênio do século XIX/XX? Aquela foto de Einstein botando a língua pra fora, foi tirada na Universidade. E não só é ele quem pode.
Rodrigo comece a fazer treinos com a boca. Arthur, Kiko, Patrícia, estirem a língua para Stanislaviski, Brecht & o século XIX.
Bobagem dizer que ele é do século XX, que eu errei a datação. Eu não erro nunca nisso. Pode-se errar em julgamentos, não em fatos. Quando os saudamos em centenários, sempre comemoramos o nascimento. O século XIX, portanto.
Brecht pode ser um veneno, creio.Prefiro de longe beber em seu bar, em Baal, que em suas fontes russas do Ostranye. Bobagem tudo aquilo. Minha tese de Sociologia foi uma aplicação do materialismo histórico. Então, não me digam que não posso estirar minha língua para ele, eles e tudo o que, jovem, venerei.
É uma homenagem a eles, aos que nos precederam, entenderam?
Ninguém, definitivamente, entende meu humor e minhas piadas.
Eles abandonaram os gurus da juventude deles e criaram assim um mundo novo melhor para nós. Eles eram, por natureza da ciência, rebeldes, pôrra!
E isso que digo não é nenhuma teoria, é apenas uma frase, mas certamente NÃO devedora do século XIX. Foram grandes, lindos, brilhantes, mas usavam pince-nez. Não viam o mundo tão bem assim, eram míopes, pois criaram também afirmações que torraram ou torrariam nosso planeta: exploração devastadora da natureza. (Como “ela serve ao homem” diria Goethe, Hegel, meu jovem Marx e tantas, sob esse aspecto, bestas ferozes). Como “energia= mc2” que nos levou ao uso indiscriminado das pequenas forças, isso é: montes de bombas atômicas e de hidrogênio etc.
Paulo, outro Paulo de nosso Quarteto de Alexandria, se cansa em cada crítica a nos lembrar, graçasadeus, do político, da polis, da polis. Tão cara à nascença do Teatro Ocidental.Benjamim. Meu Walter predileto, dizia que há barbárie por detrás de todo monumento à cultura. Ou ao Saber, acrescento. Mas que os do XIX foram longe demais nessa barbaridade, eu não tenho a menor dúvida disso!

Então, meninos - e aqui acrescento o Danilo, que ainda não citei no elenco por não ter acompanhado sua carreira tão de perto quanto a dos outros três - então meninos, repito por que o início da frase ficou longe demais, como todo início sempre está centenariamente longe de mais de todos nós, então meus meninos: arregacem as mangas e mandem brasa:

o foco do Universo está em vocês e em mais ninguém.
Quem deu esse conselho sábio? Roberto e Erasmo, claro! Eu estarei na primeira fila do, mais uma vez, último show do Rei aqui em Recife, no Chevrolet Hall, plim plim plim.
Está na hora de falar do foco e outros coadjuvantes nessa busca, diria Argyris Greimas, outro amigo meu do peito dos bons tempos da Sorbonne. Não meus. Da Sorbonne mesmo.
A pobre se perdeu, cremos nós os que lá babaram Barthes, Lacan et caterva.

ILUMINAÇÃO, FIGURINO etc.

Estão adequadas ao palco, aquelas lanternas e tal. Mas creio Dado & Rodrigo e equipe, que esses auxiliares, como luz, maquiagem, figurino, cenário, poderiam ser um forte auxiliar para tentar responder àqueles desafios que Rodrigo bela e looooon-ga-men-te elencou na fala final.
Talvez seja a luz e o figurino que botem os jovens com medo de vocês!
O problema não é meu. É de vocês. Só estou preocupado também porque penso que devemos cada vez mais fazer teatro para os jovens- senão iremos perder uma geração inteira para a internet. Deixem-me ser também um pouco, como Ott, catastrófico em relação a esse mídia maravilhoso!
E penso que esse material está todo aí para gerar o espetáculo. Então, creio, eles podem uma vez ou outra resolver problemas dos espetáculos. Não tenho a menor idéia de COMO isso poderia ser feito em Chat. Mas tenho certeza e posso dizer isso aqui sem tom professoral - por que sei que vocês sabem tanto ou melhor que eu, vocês é que estão sobre o palco - que esse é um dos caminhos que o tradicional palco italiano nos oferece. Já que não desceram dele.Muitas vezes pensamos que o problema é do público, e é apenas de figurino.
Soluções mais simples para respostas mais complexas, pode ser um bom caminho para trabalharem juntos, aproveitando ao máximo a complexidade desta complexidade quase-demoníaca do pensamento de nosso diretor Dourado.
Esqueci alguém?
Sim. Acho o cenário e os objetos de cena do caralho. Ou da Vagina. Ou, sei lá o que diria em queer. Só sei que tudo muito bom e funcional. Funcionam.
Com uma ressalva, pois não falo de pegar em um objeto mas de um gestus: as armas.
Usei-as muito, as reais. Não penso que seja legal apontar uma arma se você não vai atirar. Acho que podemos limpar um pouco essa imagens –sei que o Ott queria assim- mas que se dane o autor: experimentem, ao menos uma vez na vida, apontar a arma para a cabeça dele também! É tão bom, tão bom, tão bom!
Lembram do que falei de Arthur quando me apontou o dedo e me indicou na sala e me incluiu assim entre os personagens - a mim e a outros? Isso: se o dedo vai em riste, que seja duro, que não indique sua vaidade de ator com seus excelente treinos de contato com o público, mas que indique aquela pessoa ali, real. Não é para que seu dedo, ou seu apontar, sejam vistos, mas para que o outro seja visto, e só assim incluído.
É um conselho dado pelos samurais quando se tira uma espada para o inimigo.
Olhe para ele e não para a espada. A isso se nomeia inimigo. Está no Yakusha Rongo, do século dezesseis, na origem do Kabuki. Que traduzi há séculos e há séculos já disponibilizei na Internet. Ô maquininha legal para pesquisadores e democratas.
É só visitarem nosso blog, http://www.dimprovizzogang.blogspot.com/ . Plim!
O pai de Polly é um grande contador de piadas e me passou essa que repasso, já que estamos em plena problemática queer:
O pai preocupado com o filho ser um bichinha-gay, pediu,ordenou, esguelou:
“Seje Homem!Quando for à padaria comprar pão, seje homem, não afine essa droga de voz!”
A bichinha-gay, então, com o máximo de amor paterno que podia, virou para o padeiro, lembrou de suas aulas de impostação com Mary, engrossou tudo o que podia e, tonitruante, forte e virilmente, largou:
“eu quero seis pães e...”- ai cansei!
Ai, cansei-vos!
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Hoje eu queria, me despedindo de vocês, fazer um texto à l´ancienne com cada um dos pequenos elementos de Chat, só para mostrar que prestei atenção. E mais que isso: gostei. Eles não sabem, mas quem disse que Chat vai estourar foi a diretora do teatro. E olha que ela não é passadinha como eu, mas já tem aquela madurez que encantava Zola .

Pode ser uma pedida também, mandar os jovens à merda e simplesmente fazer Chat para esse, incognoscível, estranho, invisível público. A cabeça de vocês pode ligar-se muito bem aí através dos fios da internet. Talvez sejam os mesmos dos de Caio: os do desejo.Quem sabe? Não abandonem os velhinhos só porque vocês desejam falar aos jovens. A linha teatral cruza sempre e sai para caminhos que nunca suspeitamos. Nunca sabemos ao certo com quem estamos falando. E isso é teatro.
Mas se nada der certo, tenho uns textos ótimos de Samuel, à disposição.
E não cobro nada para os amigos.

de quem muito vos ama

mickey-nada-mausssssssssss
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PERGUNTEM À MAQUINA: APONTAMENTOS DE UM CYBER COFFEE


Por Jorge Bandeira*

Uma peça importante a qual não se dá(ainda!) muita importância. Um jovem elenco ligado aos emoticons e emoções de um teatro do século XXI, sem muita parafernália, mas com uma intensão digna de colocar neste universo da informática, de forma grotesca e direta, elementos que nos fazem pensar quando, onde e porquê chegamos nesta situação de virtualidade visceral, espécie de matrix que corroe nosso pensar, pois este mundo já nos diz respeito, e, se não temos um nickname, tratemos de encontrar um, ou faça a opção de perder contatos “humanos” e outras benécies abalizadas pelo modelo capitalista vitorioso. Caso não esteja satisfeito, basta desligar a máquina PC, e quem me lê agora já está, involuntariamente, neste sequencial binário de acomodações, dúvidas e inquietações, e lembre-se sempre dos hackers e vírus ocasionais que pululam nesta rede, que balança ao sabor dos ventos cibernéticos.

CHAT, numa tacada só, condensa estas preocupações universais, pois para quem não recorda as células terroristas da Al-Qaeda estiveram(ou estão ainda?) no cone Sul tempos atrás. Violência é um tema real que abarcou o virtual e hoje temos uma confusão mental onde começa e termina um ou outro. CHAT, dramaturgia venezuelana de Gustavo Ott é a prova de fogo que precisamos ver para entender o que já sabemos, o mundo está globalizado, e o Teatro de soluções ligeiras ficou no século passado. Aqui a cena se compõe de dúvidas, misturas certas de que após o muro caído a segurança de uma rotulação política está completamente fragmentada, ou pelo menos dissossiadas de antigos chavões, e as retóricas cabem numa palma de mão.

Glauber Rocha já profetizou: existem ricos e pobres, e só. A classe média pensa sobre isso, sobre estas diferenças que flutuam carregando seus mártires, seus líderes, seus fantasmas permanentes. CHAT é um exercício que escapa desta rotulação fácil, na verdade o pós-dramático também se afirma, e nisso já é também um outro rótulo do sistema das bolsas de valores do pensar institucionalizado, onde não custa recordar que conhecimento também é PODER.

CHAT é uma peça de teatro encenada para este futuro que já está na porta da imigração, e sair em busca de algo, mesmo que desconhecido, é uma tarefa de Hércules, onde o território da informática já encontrou sua janela de deslumbre e desbunde: WINDOWS.

A encenação de Rodrigo Dourado dialoga com as situações-limites que se impuseram na era da internet, e que nem as legislações conseguem suplantar. A informação desencadeada pela internet é expandida quase sem controle, e isso tem sido a causa de embaraços aos estados controladores. Podemos dizer que o big brother de Orwell, na versão do cyber-espaço e do hipertexto foi contaminado por um poderoso vírus chamado liberdade de expressão, e nisso quebra-se a variante que antes demonstrava-se segura: o dono de minha mensagem/foto/ sou eu mesmo, eu controlo meus dados. Cabe ao Estado, coibir excessos.

O Estado, em seu sentido político de reparação, virou réfem de uma conjectura de liberar TUDO ou quase tudo, se desejar manter o conceito um tanto quanto desgastado de democracia dentro de suas fileiras eleitorais e de seu marketing. Porém, este ser humano não respeita normas impostas dessa forma, e seres humanos às vezes são éticos e “normais”, porém a ficha criminal e as patologias infestam também a rede mundial de computadores, embaçando, destarte, o olhar do velho big brother de George Orwell.

CHAT demonstra que vivemos neste mundo de farsa, mas que sai de seu entorno para o plano do real com extrema facilidade, tentando as taras e as manias e os crimes, mundo calcado nas perigosas combinações binárias de bytes e k-bytes. A serpente da perdiçãoe do pecado hoje aparece nas telas dos computadores espalhados por todo o mundo, da mais emergente cidade industrial e tecnológica até os confins esquecidos e neglicenciados da floresta amazônica. Não há, hoje, tribo que não tenha pelo menos um cacique cibernético.

O índio romantizado ficou no século XVIII com Rousseua ou os apologistas de um índio transcendental, feito de sonhos e utopias. O índio de hoje não está mais NU, portanto, sujeito está a estes cataclismas do mundo informatizado. Agora vamos nos conectar na encenação de CHAT pelo Grupo Teatro de Fronteira, sob a direção geral de Rodrigo Dourado.

As luzes apagam e lanternas acendem, perfilando rostos de uma webcam direcionada ao chat caótico deste circo de atrocidades. Tudo se encontra neste bate-papo virtual, e as cenas se intercalam como se páginas da net fossem modificadas instantaneamente, sem o controle do internauta.

Os nicknames-coringas também é um ponto que preciso destacar. Um texto veloz onde os jovens atores(e uma ótima atriz!) preenchem o palco e as cenas de passagem e trocas “coringais” capacitam as cenas novas e novas surpresas aparecem ao espectador. Talvez a crueza mais contundente do texto de Ott/Dourado/Wellington fique um tanto tímida(momentos de felação e as partes anuais, referências ao ânus, no início do espetáculo), mas o elenco jovem é seguro, apesar disso, e não se deixa intimidar e leva a encenação ao propósito primordial do desagradável, tema recorrente aos que ficaram para o debate após a peça.

A violência e a violação dos direitos individuais ganha força no decorrer deste CHAT, conversa em espiral, que gira em círculos e que sai da máquina para o homem e vice-versa. Islamismo, fundamentalismo, burcas ideológicas de uma “guerra santa” que foi levada à loucura pela era desastrosa de Bush(pai e filho, cruzes!), e nisso a atualidade do texto é referendada, pois ainda temos, em 2010, Guantánamo, uma cortina que talvez se descerre deste enredo de degeneração da espécie humana. CHAT, novamente, nos coloca nesta atualidade, e se não há interesse por ela, como presentificação de nossa realidade, a culpa não cabe ao Gustavo Ott e ao Teatro de Fronteira, mas ao esquecimento histórico recente perpetrado com ajuda da mídia e de certos setores que insistem em pular a página da História que ainda encontra-se na metade da leitura.

A ridicularização do american way of life, através da glamourosa sequência de LOS ANGELES, cidade do espetáculo e da falsidade, onde o homem/mulher de cartola vomita suas aleivosias ao ingênuo deuteragonista que pergunta futilidades, e as claques ecoam ao longo do diálogo insano.

Linda é a sequência dos bonecos da “empanada”, emoticons-fantoches que lembram o que temos de pior nesta tradição dos bonecos, modelos fartamente utilizados pelos teatros cristãos de circunstância, especialmente da sua vertente pentecostal, mas que aqui ganham um charme todo especial, “ smiles” numa cena onde os atores demonstram perícia em sair deste motivo alegórico e adentrar no plano da atuação sem os bonecos, em perfeita sincronia com o ambiente sonoro, sem atropelos. Os atores retornam naturalmente às suas interpretações.

As marcas de movimentação das personagens deixam as cenas compreensíveis, em geral numa triangulação, onde o exemplo mais vísivel é a captura do internauta pela “boneca voodoo”, e que cena de impacto, aos sons de uma percussão engendrada feito um ponto de candomblé.

CHAT também pulsa este transgredir, sons de um tambor acelerando o coração e a sequência traumática de aprisionamento do infeliz neste cyber-espaço teatral, e uma respiração com ares de suspense, fechando a moldura desta parte de primor estético de CHAT. “Vamos morrer todos!”, e o próprio Teatro e a audiência torna-se réfem deste circo de horrores, arma em punho, circulando num palco, e a cena é interrompida, feito uma conexão que cai, inadverdidamente , e nova trama começa, ou recomeça.

É a emergência da internet, é a proliferaão de imagens, de textos, onde a única finitude que temos é a de seres humanos condenados ao sorriso eterno de suas caveiras . Vender uma criança ou atravessar uma fronteira perigosa é exatamente a mesma coisa, uma situação-limite, ilegal, e que acarreta, muitas da vezes, em catástrofes existenciais.

Por isso CHAT me pegou de jeito, talvez pelo fato de me fazer lembrar de um amigo que partiu, Orleilson Monteiro(veja no Orkut!), jovem que também, de uma forma ou de outra, representa o antí-clímax proposto por CHAT, CHATeando, por isso, aos que querem um Teatro de fórmula fácil, de apelos emocionais e de respostas acabadas para o limiar de uma loucura que é este século de contrastes.

*Historiador, ator e diretor de teatro, organizador do cine-clube LIPPOMUSIC, dramaturgo, poeta, escritor, membro do Conselho de Cultura de Manaus, naturista, fundador do Graúna(Grupo Amazônico União Naturista: http://www.graunaam.com.br)

Manaus, 23 de agosto de 2010.

Programação de Hoje

Chat
Teatro Joaquim Cardozo
Às 20 horas


CHAT é uma provocação sobre temas urgentes para o nosso tempo: Islã, terrorismo, conflitos religiosos, Oriente versus Ocidente, Internet, violência juvenil, fluxos migratórios e tantas questões da ordem do dia. São seis narrativas-mestras imbricadas como um hipertexto, numa articulação fragmentária e livre que pretende, do ponto de vista formal, traduzir a sensação de deriva e de instabilidade do ato de “navegar”, em sua acepção contemporânea. Chat mergulha nas narrativas que ocupam diariamente o noticiário - e que também por isso já se banalizaram - sem, no entanto, torná-las redundantes. Aos Tipos que são cotidianamente condenados, massacrados e execrados pela falsa moral contemporânea; àqueles que permanecem invisíveis, tornando-se apenas peças dentro do quebra-cabeça político-econômico do mundo pós-11 de Setembro, Chat procura dar voz, num procedimento dramatúrgico altamente ousado, que hibridiza as formas lírica, épica e dramática, com o objetivo de oferecer múltiplas perspectivas e abordagens a essas narrativas aparentemente banais, despertando o olhar da plateia para o que permanece invisível e oculto.


Ficha Técnica: Autor: Gustavo Ott
Tradução: Rodrigo Dourado e Wellington Júnior
Direção Geral: Rodrigo Dourado
Elenco: Arthur Canavarro, Danilo Tácito, Kiko Gouveia, Patrícia Fernandes
Dramaturgismo: Wellington Júnior
Preparação de Elenco: Carlos Ferrera e Wellington Júnior
Direção de Arte: Java Araújo, Rodrigo Dourado e Patrícia Fernandes
Desenho de Luz: Dado Sodi
Sonoplastia: André George
Execução de Luz: Bruno Britto
Execução de Som: Nelson Lafayette
Fotografias: Juan Guimarães
Produção: Grupo Teatro de Fronteira
Duração: 1h