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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

sábado, 3 de setembro de 2011

Leitura Crítica - (06 cenas curtas RecifastTeatro)

Mostra de Curtas


Paulo Vieira

No primeiro dia de setembro o Seminário Internacional de Crítica Teatral promoveu uma mostra de espetáculos curtos bastante interessante no seu contorno geral, por ter proporcionado a chance do público assistir a espetáculos de no máximo quinze minutos e todos contendo algo de experimental, o que é motivador, sem dúvida alguma, enquanto ensaio de possibilidades para a cena. Embora mostra com esse formato de tempo seja comum em festivais de cinema, espetáculos com quinze minutos não são – em geral - apresentáveis em festivais ou outro encontro qualquer de teatro.

O primeiro espetáculo da noite foi Sobre-viver, vi-ver, ver, com texto de Caio Fernando de Abreu. O texto é uma ficção científica, cujo tema é o day after de uma avassaladora catástrofe, no qual duas personagens, Carmem e Vera, vivem nos escombros de uma loja funerária, perseguidas pelo Poder Central, que as procura. O texto é uma alegoria ao poder que destrói vidas. Tudo nele é feio, é sujo, é contaminado pelo medo, pela impotência, pela solidão, pelo desespero, pela morte.

Este é um trabalho desenvolvido no âmbito do Curso Avançado de Teatro do Sesc de Casa Amarela, com a direção de Adriana Madasil, que procurou reproduzir a imagem do caos pós-catástrofe na cenografia que se mostra igualmente suja em seu aspecto visual e caótica em sua distribuição pelo palco, mas isso apenas no primeiro instante. Com o desenvolvimento da ação, o que se percebe é que há ordem naquele caos, e isto justifica a beleza do teatro, pois que essa é uma arte que frequentemente inverte o sentido da beleza, o sentido clássico, no qual as formas perfeitas revelam o belo, enquanto as não perfeitas revelam o grotesco. O teatro elege o grotesco à categoria estética superior, e isso depende exclusivamente da ação. O belo é aquilo que é, que está presente na ação, marcando a ação com os seus signos verbais e visuais, e, evidentemente, em se tratando de teatro, com a condição do ator que representa, e esse é, forçoso dizer, o ponto frágil do espetáculo, justamente por se ter em cena atores-estudantes ainda em estágios iniciais de sua formação, ao menos foi isso o que eu pude perceber. Mas se não tinham técnica suficiente para levar com profunda verdade o inquietante mundo proposto por Caio de Abreu, não faltava – por outro lado – entusiasmo e vontade de estar no palco, por parte do elenco.

O segundo espetáculo da noite, A outro, tem como tema um travesti e o seu mundo de preconceito, sexo, amores, ódios e vergonha, com texto de Saulo Máximo e a produção do grupo Berlinda – Tribo de Atuadores, de Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, e a direção de Zoraide Carneiro.

O texto é muito bom, embora em seu contorno geral não pude deixar de lembrar de um sucesso de boates gay, a música cantada pela Vanusa, que tem como tema a frase “hoje eu vou mudar”, quando, então, um ator vestido de homem aos poucos vai se transformando em mulher. Não é a mesma coisa. Não é o que se vê em cena, mas essa é uma ação que corre paralela a ação que se vê, como um subtexto que dá suporte ao texto principal: “alguém prisioneiro de si mesmo e condenado a viver de mentiras”, conforme está escrito no programa, e que, ao fim, resolve mudar essa relação com o mundo que o cerca. O cenário representa um quarto feminino, e neste sentido, o espetáculo se mostra bastante simples, sem grandes pretensões, a não ser a de mostrar a performance de um ator que apresenta uma boa condição de interpretação, embora lhe falte certa sutileza de gestos, de intenções, e que precisa trabalhar e estar atento ao ritmo do espetáculo, até porque este é um assunto de inteira esponsabilidade do ator, uma vez que ele é o elemento dinâmico da cena.

Giorgia foi o terceiro espetáculo da noite. Texto de Igor Beltrão Castro de Assis, baseado em dois contos de Álvares de Azevedo, Johann e O último beijo de amor, com a direção de Jorge Féo e a atuação de Hermínia Mendes, chama a atenção pela excelente presença da atriz, concentrada num palco sem cenário, cujo espaço e ambiente ficam marcados pela iluminação de Cleison Ramos, condensando dessa forma o drama de família vivido pela personagem.

Sendo a adaptação de textos narrativos, Igor Beltrão preferiu manter o caráter narrativo da trama, e para isso introduziu uma personagem Voz que em play back vai cobrindo os espaços vazios entre a voz narrativa da personagem e a voz narrativa do autor, e isso gerou um quase diálogo em que algumas vezes o que diz a Voz é completada pela personagem ou vice-versa.

Hermínia Mendes é uma atriz de amplos recursos técnicos, e isto significa igualmente recursos poéticos, se se considerar que a técnica está a serviço da beleza e esta só se revela quando há o justo domínio daquela. Demonstrou segurança e ritmo, inclusive com variações rítmicas que chegaram muito próximas do seu limite em controlar a energia, quando, em determinado instante da ação, ela acrescenta um andamento intenso, musicalmente um presto, que me fez temer que ela não conseguisse sustentar a evolução ascendente do ritmo, porque ela chega a quase não articular as palavras, e isto fatalmente teria acontecido se não estivesse a respiração sob o seu absoluto controle.

Entretanto, e apesar de tantas virtudes, a atriz precisa prestar atenção ao final das frases, pois que ela apresenta certa tendência de perder projeção de voz, e isto afeta de forma sensível a sua performance.

Dois pra lá, dois pra cá foi a quarta apresentação da noite. Com texto de Mário Viana e direção de Antônio Rodrigues, o espetáculo é uma comédia ligeira na qual se vê um casal de colegas de trabalho que se encontra num motel em horário de almoço, ambos casados, ela prestes a trair o marido pela primeira vez, quando ouve no rádio a notícia da morte de Elis Regina, e aí o que seria aventura sexual passa a ser desencontro total, porque a moça, antes de qualquer desejo apimentado gosta mesmo é da pimentinha da MPB.

Tempo de comédia. Não se sabe exatamente o que seja isso, mas é um misterioso elemento que faz com que um ator seja engraçado naturalmente, sem que aparente fazer qualquer esforço para que isso aconteça. É um técnica, mas é um dom.

Em arte há muita coisa que se aprende, mas não se ensina. O tempo de comédia é exatamente essa coisa fugaz que ou está no corpo – como tudo no ator – ou não está em lugar nenhum, nem mesmo no texto, que nesse caso propõe uma situação dramática um tanto simplória. Entendam que não é necessário que a situação dramática seja complexa, nada disso. Qualquer situação dramática em princípio é boa,

mas toda situação dramática depende exclusivamente do ator, que, nesse caso, se esforça para parecer engraçado, e quando isto acontece a graça desaparece.

Desaparece em sua essência, embora fique preservada na forma, nos gestos, na caracterização, na movimentação dos atores, enfim, em tudo aquilo que a direção acrescenta para tornar engraçado aquilo que nem tanto o é.

A personagem masculino é um sedutor, e o ator se esmera para que isto chegue ao público, mas por falta de consistência a sua representação não convence enquanto macho conquistador. Não se vê em cena o homem que gosta verdadeiramente de mulher, com tesão e vontade, e em teatro palavras apenas não bastam. Há que haver o gesto, a ação.

O misterioso tempo cômico vai ser encontrado na atriz, que vai apresentar boa consistência na representação, embora tenha ficado em mim a sensação de que poderia ter sido melhor, não fosse a fragilidade evidente da direção, que não me parece que tenha sido cuidadosa nem com os atores, nem com os elementos cenográficos, considerando-se aí, inclusive, o ator que faz o rádio, todo o tempo presente na ação sem que ele tenha função outra que não seja apenas ser o rádio. A evidência de que o diretor foi pouco cuidadoso com a cena se revela na cena final, quando a plateia entendeu claramente que a peça havia acabado e aplaudiu, mas para a nossa surpresa o espetáculo continuou, com uma breve performance do ator-cenário rádio, que em absoluto acrescentou qualquer coisa ao que ele já fazia, e à cena mesma nada acrescentou ao que havia.

O quinto espetáculo da noite, Mancha de sangue, trás de volta a atriz Hermínia Mendes, sob a mesma direção de Jorge Féo, que assina também o texto. São quatro atores em cena, quatro personagens enclausurados numa prisão, aguardando o amanhecer do dia para serem executados numa fogueira. Em que tempo isto acontece, em que país, em que cidade, e a causa das execuções o texto não diz, não explica, nada. Embora essas respostas não sejam absolutamente necessárias para situar a ação, porque, enfim, texto não é formulário a ser preenchido, cada dado no seu quadrado.

Mas à falta desses elementos dramatúrgicos algo precisa substituí-los, e esse algo é a presença cênica dos atores, e, neste caso, chama a atenção a atriz Hermínia Mendes, que se viu com tamanha consistência no espetáculo solo, agora irreconhecível pelo justo inverso do que foi. Não apenas ela, porque a mesma atitude se vê também nos outros três atores.

É preciso entender que maquilagem ou figurino (ou cenário, ou iluminação, ou qualquer outra coisa), por si só não basta para compor uma cena, se não houver dentro do ator a pulsante verdade, a tão comentada fé cênica de Stanislavski, que não é um teórico do passado, a despeito da crescente onda de seguidores do Barba que termina por privilegiar espetáculos de caráter físico, nos quais os atores se esforçam para serem os mais atléticos possíveis. É preciso entender que seja qual seja a técnica, a fé cênica (atualmente subentendida por ‘estar presente’) é uma condição fundamental do ator e da representação. Se o ator não acredita no que faz o público não acreditará no que vê, e por aí a cena perde consistência.

O que se ver em cena são personagens feridos, não é dito, mas certamente teriam sido torturados, com os figurinos manchados de sangue (daí talvez advenha o título do espetáculo). Entretanto, essa informação visual não encontra correspondência na representação dos atores. Um deles usa a respiração para provocar um barulho que quer sugerir tensão, mas em verdade o uso desse recurso indica que o ator não tem controle técnico do seu corpo, não sabe como usar a sua respiração nem como controlar e conduzir a sua energia. Uma atriz grita, e quando grita estrangula a voz que não é projetada porque para isto é necessário o mesmo controle de energia, e essa falta de domínio técnico põe em risco as suas pregas vocais. Enfim, os quatro atores em cena estão unidos pela mesma inconsistência na interpretação, e isto chama a atenção quando se considera que o diretor se mostrou o contrário em espetáculo anterior.

Mas o diretor é também o autor do texto, onde, aí sim, ele tem algumas pretensões, tais como pensar em se a morte autopraticada é um ato de coragem ou covardia, qual o valor da vida quando se está em uma situação limite. Em teatro não bastam essas questões estarem no texto. É necessário que estejam nos corpos dos atores. Talvez seja mais importante que estejam nos corpos dos atores.

E se fosse você... Aqui, exatamente agora? Foi o sexto e último espetáculo da noite.

Com a direção de Bruna Campello, texto e representação de Léo Castro, numa produção do grupo Clã de Nós, do Rio de Janeiro, o espetáculo fez brilhantemente o encerramento de uma noite que foi por tudo muito agradável.

Léo Castro tem exatamente tudo aquilo que se espera de um ator. Surpreende quando está em cena, se transforma com alucinante rapidez em tantas situações quantas forem necessárias, conduz o espetáculo com muita precisão, jogando com a plateia, tendo nas mãos o controle da plateia, pausa, respiração, projeção de voz e de energia, representa um ator embaraçado com o ato da representação, que não sabe o que fazer, e o grande truque é fazer umas tantas coisas em pouco tempo, em ritmo que ele cadencia, em imagens que constrói corporalmente, saindo de uma situação de muita simplicidade quando se apresenta ao público, e fazendo ao fim com que o público vá às raias da delícia com as situações absurdas que ele representa.

A situação proposta por Léo Castro no texto é um tanto curiosa e de alguma maneira me faz parecer algo pirandelliano, um ator que procura uma personagem que procura um ator. Não é exatamente nesta ordem, mas há no fundo uma intertextualidade, quando o ator deseja dizer ao público que não sabe o que fazer e esse não saber significa fazer muito. Parece que são, sutilmente, dois níveis de discursos diferentes, que terminam por se somar no mesmo movimento.

Léo Castro surpreendeu a quem como eu não o conhecia por encontrar nele um ator de muitos recursos, tais como tempo de comédia, ritmo, jogo corporal, presença cênica, domínio de palco, controle da plateia, e a sedução de um espetáculo no estilo stand up comedy, que fez o Wellington Júnior, um dos organizadores deste Seminário Internacional de Crítica Teatral, sugerir que há também algo de Dario Fo na interpretação de Léo Castro. Não sei se há, esta é uma resposta que somente ele poderá dizer, mas que, qualquer que seja a influência, salta, sobretudo, aos meus olhos, o quanto é agradável ver em cena um ator que tem completo domínio técnico.

A direção de Bruna Campello também é algo para ser ressaltada. O que há para dirigir numa cena em que o ator está só e não há cenário? O próprio ator. E esta não é uma tarefa fácil. A redução dos elementos da cena ao invés de simplificá-la muito mais a complica, porque tudo aquilo que falta precisa estar concentrado no ator.

Se falta o cenário, o ator precisa construí-lo com o seu corpo. Se falta a sonoplastia, o ator precisa transformar em música, em sons incidentais, em ambiente sonoro a sua própria voz. Se falta luz que esmoreça e ressignifique o momento em que o ator pausa lentamente a sua voz para informar ao público que ele está numa situação sem saída, e por esse recurso provocar uma parada no riso para um breve momento de reflexão, então é preciso que esta luz esmoreça no semblante do próprio ator.

E se fosse você é, enfim, um espetáculo simples e complexo. Simples quando nós, o público, o assistimos, mas que ninguém se engane, essa ‘simplicidade’ é falsa.

Por trás de tudo isso há um treinamento exaustivo e um domínio técnico que não se revela facilmente, até porque, a técnica, em arte, serve exatamente para isso, para se esconder naturalmente, e naturalmente revelar a beleza, a sua dimensão poética.



Leitura Crítica - Sobre-viver, viver, ver

I´M SURVIVOR


Dyego Albuck
É com uma encenação confusa que acontece a esquete Sobre-viver, viver, ver do Curso Avançado do Sesc de Casa Amarela dirigido por Adriana Madasil. Geralmente em cursos de formação continuada prioriza aqueles que desejam mergulhar no universo teatral numa forma de desenvolver suas habilidades, suas criatividades e sua expressividade. Em cursos de iniciação teatral, do qual já participei, veem-se em perspectiva panorâmica os diversos elementos que compõe a obra teatral. Ao me deparar com a apresentação do curso do SESC me atemorizei e sobreveio logo esta pergunta: O que é ensinado nos cursos avançados? A resposta deveria ser simples: A ARTE DO ATOR.

É batata quando entramos em um curso sempre somos ensinados que: “TEATRO É A ARTE EM QUE UM ATOR INTERPRETA UMA HISTÓRIA PARA UM PÚBLICO E O ATOR É AQUELE QUE CRIA, INTERPRETA E REPRESENTA UMA AÇÃO DRAMÁTICA BASEANDO-SE EM TEXTOS PREVIAMENTE CONCEBIDOS POR UM AUTOR.” Me desculpem as voltas, mas não é no trabalho do ator a que quero me deter, mas sim no trabalho de outra figura, não mais importante, mas essencial para um bom trabalho de representação, o encenador.

Quando entramos no teatro Capiba nos deparamos com um caixão, em que se encontra uma mulher vestida de branco no lado esquerdo do palco. Ao centro temos um casal dormindo, aqui já ressalvo o figurino confuso, visto que o homem estava de cueca samba-canção e a mulher estava de macacão e tênis. Ao lado direito do palco vemos um portal sem porta, em que se encontra um homem vestido socialmente com um buquê de rosas na mão.

A tentativa de montar um dos maiores autores brasileiros se mostra equívoca já que, segundo a sinopse, temos duas irmãs que sobreviveram a uma grande catástrofe e que são perseguidas pelo Poder Central. Uma se chama Carmem que vive trancada em casa em seu mundo paralelo com um amigo imaginário, a outra Vera que busca suprimentos em supermercados abandonados que reencontra um homem que lhe fala de um lugar além da Zona Contaminada. Essas duas irmãs representam a única possibilidade de redenção da Humanidade. NOTEM A COMPLEXIDADE DO TEXTO DE ABREU!

Ao estudarmos a vida e obra de Caio Fernando Abreu, adianto que sou um grande fã de suas obras, percebemos que em sua jornada como escritor já se podia notar alguns enfrentamentos como, a busca de uma identidade, suas inquietudes, seus comportamentos alternativos, suas vivências, em meio às drogas, entre outros. Suas obras falam, geralmente, de sexo, de morte, de medo e principalmente da solidão. Ele é apontado como um fotógrafo da fragmentação contemporânea. Caro leitor, veja a dificuldade de se montar um autor como este e volto a perguntar: Será que tudo isso foi levado em consideração na escolha desse autor? Voltemos ao papel do encenador.

Quero frisar, antes de tudo, que não quero aqui ofender o trabalho da arte-educadora, mas apontar caminhos, já que coube a ela às tomadas de decisões para chegar ao resultado visto na quinta-feira. O que vejo como ponto de partida para uma boa encenação seriam mesmo os princípios da arte do ator. Recordo-me de uma oficina que fiz com Samuel Santos em que estávamos praticando um exercício de interpretação, e no desenvolver da dinâmica, ele percebeu que não sentíamos o que representávamos mediante a isto ele disse uma frase que jamais me esqueci: NÃO FINJA QUE FAÇA, FAÇA! O trabalho do ator na concepção de Madasil era repleto de erros primários, tal qual exacerbação na interpretação, ultrapassando todos os limites dos clichês, palavras como orações verborrágicas sem sentido algum. Onde está o sentimento de que tanto se vê nas obras de Abreu? Por isso, ressalto a importância do encenador, visto que a falta de preparo tende a criar fracos resultados. O papel discutido aqui também é o de pedagogo do teatro, já que se faz necessária a segurança no tema que será abordado para que possa conduzir os alunos a processos de descobertas permitindo uma interpretação pessoal e do grupo a fim de auxiliar o fluxo da aprendizagem, pois que é o encenador se não um ator mais experiente ou melhor o autor de um espetáculo?





Leitura Crítica - A Outro

DIVA


Dyego Albuck

Se formos ao dicionário e procurarmos pela palavra, Diva é uma mulher excepcional do mundo da ópera e por extensão no teatro e no cinema. Entretanto, afirmo que: Saulo Máximo é um Divo e sua Luísa uma Diva na vida (risos). Deixando os exageros para lá, vamos comentar um pouco de “A outra” esquete apresentada no teatro Capiba. A história narrada é a de Luísa, um travesti que vive em sua vida ódios, amores, sexo e vergonha em uma prisão de si mesma encurralada por mentiras.

O cenário nos remete a um camarim das grandes divas do teatro e do cinema, um cabideiro com várias roupas e perucas penduradas, uma cadeira, um pufe , uma penteadeira e dois focos de luz vermelha, em Luísa totalmente maquiada e trajada e meia-calça, blusa de paetês brilhantes, peruca loira e sapato alto. Ih! Cadê o espelho? O espelho era a alma dolorida de Luísa, que desde criança já sofria as dores, preconceitos e repulsas de seu próprio pai e as molestações do próprio tio.

A proposta de Saulo vem aclarar e debater um dos assuntos mais comentados dos séculos XX e XXI - a homossexualidade. Não é de hoje que o homossexual é retratado como um ser de forma atrofiada, anormal, ou vulgarmente, conhecido como aberração da natureza. Alguns estudiosos tratam como uma formal alternativa da sexualidade, outros como doença e até mesmo uma síndrome neurótica. Não quero aqui discutir e levantar reflexões sobre tais assuntos, visto que muito já se tem debatido sobre isto, no entanto quero me deter a Luísa, que como tantos outros, são atingidos por esses malefícios.

A interpretação do ator mostra-se muito perspicaz, visto que aborda de maneira bem profunda os devaneios e as feridas dessa mulher, que sofre com esse ser que a faz tanto mal e até mesmo a sufoca. Luísa nos relata a sua vida, suas loucuras, confessando até sua renúncia a Deus e a essa sociedade hipócrita que a marginaliza. Será que existe algum santo para proteger gente como eu? Declara Luísa.

A vida de Luísa, assim como diz Tom Jobim, explode em sete cores revelando os setes mil amores que embaixo de toda a neve se encontra nela um coração. E é nesse coração em multicor e com a alma pintada que vemos a mulher que veio ao mundo para encantar e transformar as desventuras da vida em um delicado rosto sem gloss. Porque qual a graça de uma estrela que não brilha? Mas Luísa brilha... E brilha como um esplendor, um raio de sol que anuncia a esperança, que até mesmo em suas profundas loucuras, a Luísa sabe o que faz.

Termino com o poema que retrata bem a poesia encenada de Saulo, o texto é de Cecília Meirelles e se chama “A mulher ao espelho”:

 
Hoje que seja esta ou aquela,

pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.


Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.


Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?


Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.


Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.


Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.




Leitura Crítica - E se fosse você... aqui, exatamente agora?

QUE CLÃ É ESSE?


Dyego Albuck

O grupo Clã de Nós do Rio de Janeiro tem por filosofia um compromisso sério com a arte e o dever de deixar gargalhadas por onde passar. Nesse mês armam sua barraca em Recife no Seminário Internacional de Crítica Teatral com duas esquetes: a premiada esquete “Mais um”, que tive o prazer de criticar, e com “E se fosse você... aqui, exatamente agora?” que encerra o RECIFEFAZTTEATRO 2011.

A história é simples, um ator que se vê uma situação embaraçosa sem saber o que fazer em pleno palco e compartilha algumas histórias ocorridas em seu dia-a-dia. A fórmula é a mesma que “Mais um”, mas com uma leitura bem diferente e os papéis na encenação trocados. Lúcia Loser, ops! Bruna Campello assina a direção e Léo Castro se mostra em cena.

O figurino também é simples uma blusa branca, sapato e calça preta, gravata, mas será que tudo o que eles fazem é simples? Engana-se quem pensar isso. Já deu para perceber que os temas desenvolvidos pelo grupo comporta uma reflexão sobre a condição humana do ator e da sua relação com o palco. Não há divagações sobre psicologia ou moralidade, mas através do humor apresentam questionamentos dos conflitos vividos por um artista, ou melhor, por qualquer ser humano.

O recurso que eles utilizam para tecer a sua dramaturgia é o “teatro dentro do teatro”, mais conhecido como metateatro que na narrativa de Léo não se torna como um simples recurso narrativo, mas busca ampliar, através do bom humor, os diversos personagens encarnados na vida real de um ator em crise.

Quando ele entra no palco e faz a pergunta-título do espetáculo para o público presente, há um profundo silêncio. Aqui não sentimos mais quem é ator e quem é a plateia, todos se encontram em pé de igualdade ao não saber responder essa pergunta tão complexa. A não reposta alivia o ator que aproveita o ensejo para contar suas peripécias.

É no método “autorreferente” que o ator parece que retoma as origens teatrais, pois ao frequentar a um Encontro de Culturas Alternativas, de cara fazemos um link com os rituais gregos em homenagem a Dioniso, visto que nesse encontro havia danças, músicas e até bebidas de procedência duvidosa. Assim, de forma engraçada o ator nos leva a um universo de personagens como: Uma madrilena, uma galera insistente do hip hop, uma cobra com traços da crítica Barbara Heliodora, Inri Cristo, entre outros. A cada narração se ouviam risos constantes da plateia, vale ressaltar aqui uma menina que em nenhum momento conseguia parar de rir, fazendo o ator parar e dizer: “Você vai morrer, viu?”

O ator estava ali sem lenço, sem documento, sem dinheiro, nu num palco onde reinava tal qual um sacerdote do riso, um encenador da vida enfadado pela sua própria existência. Ali se encontrava o retrato metafísico do artista, em que um fio dava continuidade a outro e nichos de histórias se construíam embebedando aqueles que prestigiavam aquele bloco do eu sozinho do ator representado por Léo Castro. A concretude da presença marcante daquele personagem trouxe ao final de sua apresentação um coro de aplausos em que todos se faziam de pé extasiados. Ali se concretizava a filosofia do clã, já que partem sempre da premissa “ O que faz um ator se não provocar?” Petrificado fiquei com todo o ritual e ao parabenizar a diretora e atriz Bruna Campello perguntei no final do espetáculo: QUE CLÃ É ESSE? E ela na hora me respondeu: ELE É DE TODOS NÓS!

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Leitura Crítica - Dois pra lá, Dois pra cá

DOIS PRA LÁ, DOIS PRA CÁ
PIMENTINHA VIVA

*Jorge Bandeira

O locutor anônimo conduz as emoções e sensações deste DOIS PRA LÁ, DOIS PRA CÁ, da Cênicas Cia de Repertório, texto de Mário Viana com direção de Antonio Rodrigues. A música de Elis Regina é o pulsar desta cena curta, onde Manu Costa, Rogério Vanderley e Manoel Francisco interpretam um trio ternura, pero no mucho, com humor e desenvoltura, para alegria dos ouvintes, desculpem, espectadores do RECIFASTTEATRO.

A ação se inicia com o encontro do casal de amantes, que estão prestes a chegar à consumação desta relação proibida quando o rádio anuncia a fatídica notícia da morte da cantora Elis Regina. O intervalo deste promissor almoço transforma-se num embate entre o poder da canção e a pulsão da excitação. Murilo e Carolina encontram-se na encruzilhada, e com muito humor as cenas se realizam, sempre com o locutor anônimo como fio condutor da trama.

Carolina vive suas emoções pela voz de Elis, que a fazem pensar e agir, e o fim trágico da cantora pode, nesta inusitada situação, representar o fim também desta relação com Murilo. Murilo é aquele que quer ir direto ao ponto, sem canções de Elis para atrapalhar sua vontade de ter Carolina neste intervalo, curto, de sua atividade no escritório. A música e a morte de Elis são permanências mais vibrantes para Carolina, e este almoço que poderia resultar no algo mais se transforma numa refeição de humor e de tentativas de mudar uma idolatria, no caso, a de Carolina, dominada pela notícia da morte e com o suporte teatral deste locutor, que é um dos pontos máximos desta breve cena. Hilariante são as intervenções do locutor, que mantém uma classe e imparcialidade frente às duas personagens enamoradas.

O locutor anuncia as canções em efeméride para Elis Regina e a cada canção a situação de Murilo e Carolina se condiciona por uma intenção guiada pela letra das canções, seja “dois pra lá, dois pra cá” ou “o bêbado e a equilibrista”. A ação se faz pela música. Murilo tentará em vão fazer Carolina se desvencilhar da emoção e comoção pela morte de sua querida Elis, sua preferida cantora. Murilo, com seis meses de paquera é refém desta hilária situação.

O intérprete tem a empatia com sua parceira de cena, e o casal realiza suas ações de maneira instigante, com graduações de emoções e com movimentação firme de seus personagens. O momento da suposta cama, e suas interferências neste confuso amor, são pontos altos da interpretação do trio, numa união perfeita da triangulação cênica que estabelecem. “Os sonhos mais lindos, sonhei...”, e tudo acontece, quase. A música interrompe, cessando o ápice, causando risos aos ouvintes, desculpe, na plateia. “Alô, alô, Marciano, aqui quem fala é da terra”, e dá-lhe risada do público, e Murilo transforma-se em alienígena da relação. A Fascinação de Elis domina por completo a vida de Carolina, e este domínio torna-se maior com a morte anunciada pelo locutor, este “louco-ator”. Carolina, em meio a tantas confusões perpetradas, fica com uma chave na mão para nada fazer, e Murilo sai de cena, antes anunciando que de agora em diante vai paquerar uma surda. E neste momento o locutor sai de seu “estúdio”, triunfando pelo palco com sua saia de Elis Regina, em mais uma dublagem contagiante da pimentinha. Quanto mais se morre, mais se vive, os mortos dominam os vivos, e assim, neste bom programa de rádio, o Teatro triunfa de qualquer forma.

Leitura Crítica - Mancha de Sangue

MANCHA DE DÚVIDA


Vinícius Vieira

Apagam-se as luzes. A penúltima apresentação do festival de cenas curtas, o RECIFASTTEATRO, está para começar. A esquete Mancha de Sangue do grupo teatral Anjos de Teatro inicia com a entrada eletrizante da música heavy metal. Os atores aparecem no palco e a expectativa cresce, mas logo é desiludida com a tentativa frustrada de um trabalho que pretendia impactar a platéia em um final surpreendente.

A história perpassa o período da inquisição, momento em que a Igreja detinha grande poder na sociedade. Quatro personagens encontram-se encarcerados e estão prestes a queimar na fogueira pelas práticas subversivas que cometeram, são valores de um período que soam como absurdo para os nossos dias, embora ainda encontremos “alguns” preconceitos alicerçados na fé cristã ou na ignorância de algumas pessoas. Em meio a aflição de aguardar a morte os prisioneiros desafiam o poder supremo com o suicídio, ato-manifesto que traz a tona o misto de coragem e covardia. Porém nesse grupo há um bruxo, o único sobrevivente, que usa a persuasão para ludibriar os demais convencendo a todos que se matem. Em seu triunfo o feiticeiro revela que tudo não passou de uma aposta com o inquisidor.

Esse era o final surpreendente.

A encenação revela fragilidade, a dramaturgia e a interpretação são inconsistentes e a platéia, ao término da apresentação, fica com uma mancha questionadora na cabeça além da sensação de vazio e incompletude. A luz geral ilumina o espaço e ficamos a perguntar: o que aconteceu?

Leitura Crítica - Dois Pra Lá, Dois pra Cá, Mancha de Sangue e E Se Fosse Você... Aqui, Exatamente Agora?

Márcio Bastos

Este ano, o Seminário Internacional de Crítica Teatral recebeu pela primeira vez o ReciFastTeatro. Com a proposta de apresentar trabalhos de cenas curtas dentro da programação do evento, o projeto teve suas últimas montagens na última quinta-feira (1). Falaremos a seguir de três das seis cenas apresentadas, “Dois Pra Lá, Dois pra Cá”, “Mancha de Sangue” e “E Se Fosse Você... Aqui, Exatamente Agora?”.

Reunir vários textos bastante diferentes entre si, sem um aparente critério específico além da duração, é uma opção arriscada. Dentre os problemas que podem ocorrer está a mistura de obras excelentes e outras regulares, claramente separadas por propostas artísticas díspares. É o que aconteceu no I ReciFastTeatro.

Falemos primeiro de “Dois pra Lá, Dois Pra Cá”, da Cia. Cênicas de Repertório (PE). Na cena, um casal de colegas de trabalho resolve trair seus respectivos cônjuges. Estão eles em um apartamento emprestado por um amigo do rapaz, quando a moça, insegura e se sentindo um pouco culpada por estar ali, ouve a canção “Dois pra cá, dois pra lá”, interpretada por Elis Regina. Após o término da música, o locutor avisa que a “Pimentinha” havia morrido. A moça, que já tinha dúvidas se deveria estar ali, começa a colocar vários empecilhos para a consumação do adultério, deixando o rapaz enfurecido.

Contando com três atores (além do casal, o rádio é interpretado por um ator que dubla Elis), a cena acerta ao apostar em sacadas cômicas que chegam a parecer surreais, mas que, no fundo, são extremamente plausíveis. Afinal, quem nunca soube de alguém que, prestes a “fazer algo errado”, arranja todo tipo de desculpas para não ir até o fim? Não seria Elis, o rádio e a indecisão da fã apenas artifícios que a mulher – insatisfeita com sua vida sexual no matrimônio, mas que tem remorso de trair – usa para fingir para si mesma que talvez o melhor seja concentrar suas atenções em outro assunto ao invés de ir em frente? Em resumo, o texto possui agilidade e é sagaz. O entrosamento entre os atores também é um ponto positivo, e as piadas divertiram o público.

“Mancha de Sangue”, da Anjos de Teatro (PE) entra no rol das obras irregulares, quase que destoando das outras cenas apresentadas. A companhia, que pouco antes apresentara o bom “Giorgia” conta aqui a história de quatro pessoas condenadas pela Inquisição Católica - uma prostituta, um homem acusado pelo pecado da usura, uma judia e um feiticeiro. Em poucas horas, eles serão julgados e condenados à morte na fogueira. Os personagens entram em cena ao som de uma canção de heavy metal. Aliás, esse foi um grande acerto do grupo, pois esse estilo musical reflete bem a confusão que se passava naquela época. Um certo espírito raivoso, perdido, ansioso e, acima de tudo, amedrontado. No entanto, a história do suicídio coletivo e o final com pretensões de ser surpreendente mostram-se muito rasos.

Ponto alto da noite
Fechando a noite, foi apresentado “E Se Fosse Você... Aqui, Exatamente Agora?”, da carioca Clã de Nós. Protagonizada e escrita por Léo Castro, a cena é um monólogo magnífico que brinca, sobretudo, com a ideia do ser ator". No primeiro contato com o público, inseguro e sem saber o que falar, o personagem cria, de cara, uma empatia enorme. Vestido socialmente ("para causar uma boa impressão"), ele logo diz que não tem nada para contar, e que sua vida não tem nada de interessante. No entanto, começa a narrar algumas histórias que aconteceram com ele no Encontro Nacional de Comunidades Alternativas (ENCA). A partir de então, o público se entrega a minutos (que poderiam, literalmente, ser horas) de risos, todos genuinamente provocados pelo (tímido?) narrador.

Não tem como negar: a força maior da cena está na atuação de Léo Castro. O texto, obviamente, é maravilhoso, mas não seria nada sem a interpretação no ponto do rapaz. Se um monólogo já é difícil de sustentar, com um texto curto essa tarefa se torna ainda mais árdua, pois o artista precisa abrir e fechar a história e envolver o público em cerca de quinze minutos.

As sacadas da cena são maravilhosas. O nosso narrador, que se diz um não-especialista em nada ("nem platéia eu sei ser") é na verdade uma grande representação de nós, o público. Quem nunca se perguntou se deveria responder na hora que o ator indaga alguma coisa aos espectadores? Além disso, as indagações que ele levanta são muito pertinentes. O que é o ator se não consegue provocar, causar? Como julgar um ator? No final, é impossível não querer ficar de pé e aplaudir o magnífico trabalho do ator, dramaturgo e de sua diretora. Maravilhoso.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Leitura Crítica - A Inconveniência de Ter Coragem

Márcio Braz

A viagem de Recife até a cidade pernambucana de Limoeiro foi permeada de muitas expectativas. Um delas diz respeito à encenação de “A Inconveniência de ter Coragem” do Pontinho de Cultura Galpão das Artes. A peça trata do empenho do protagonista em ganhar o amor da mulher amada criando um punhado de quiprocós de forma a afastar seus adversários. A peça do autor pernambucano Ariano Suassuna guarda muitas semelhanças com outras peças de sua mesma autoria como “Torturas de um coração” onde situações, personagens e expressões regionais compõem o enunciado narrativo.

Com a encenação de Fábio André, o espetáculo é permeado de figuras e elementos do folclore local, como o painel de fundo expressando em perspectiva uma rua rodeada por casas e a música que acentua ritmos regionais. Os figurinos de Ruy Arruda, Sandra Fragoso e Maria de Lourdes são sinuosos, competentes e bem acabados respeitando a característica física de cada personagem bem como a linha adotada pela direção na condução do espetáculo. Os adereços de Fábio Santana e a maquiagem de Jadenilson Gomes compõem o colorido da peça e se coaduna perfeitamente a iluminação e aos figurinos projetados.

A peça apresenta um elenco excelente que, além de representarem, se desdobram, ainda, como sonoplastas e manipuladores dos bonecos que atuam como personagens homônimos transmutados. Em relação aos bonecos, estes poderiam ser explorados em algumas situações; na peça, são pouco utilizados e pontuam apenas algumas ações. Talvez o encenador possa substituir algumas cenas feita pelos atores por cenas de manipulação de forma a enriquecer a trama e quebrar com a forma regular de apresentação das mesmas.

Em “A Inconveniência de ter coragem” o Galpão das Artes surpreende pelo vigor da cena oriundo do bom elenco, coeso e criativo. Com uma direção arrojada e um belo visual plástico, o espetáculo soube utilizar os vários elementos da técnica teatral, fundindo som e cena, cor e luz, num ritmo frenético impossível de desgrudar os olhos. Destaque para o trabalho corporal onde cada ator criou uma espécie de “gestus” característicos de seus personagens, de fácil leitura e bastante comunicativo. O bom texto de Suassuna sugere formas de abordagens diversas desde o uso de mamulengos e bonecos até a forma usual de competência do ator.

A peça que já circulou por diversos municípios pernambucanos recebeu do Presidente da Federação de Teatro do Amazonas, Nivaldo Motta, o convite para participar do VIII Festival de Teatro da Amazônia, em Outubro, em Manaus. Mais um passo importante no intercâmbio entre as duas regiões que cada vez mais vem se estreitando e estabelecendo relações, vitória sem dúvida, do Seminário Internacional de Crítica Teatral que promoveu este encontro. E que seja uma festa para o nosso público.

Leitura Crítica - A Inconveniência de Ter Coragem

A CONVENIENCIA DA QUALIDADE
Vinícius Vieira


O universo da cultura popular sai das feiras e invade o palco à italiana em apresentação contagiante no Centro de Criação Galpão das Artes em Limoeiro. Cores, sons e formas exuberantes atraíram a atenção do público que assistiu ao espetáculo A incoveniência de Ter Coragem na última quarta-feira (31). A peça é um exemplo claro de como esta cidade tem se destacado nas produções das artes cênicas em Pernambuco.

A dramaturgia é de autoria do paraibano Ariano Suassuna, conhecido internacionalmente pelo sucesso de O Auto da Compadecida. O enredo desvela a cultura do homem sertanejo nas figuras dos personagens Benedito, Pedro, Vicentão Borrote, Cabo Rosinha e Marieta, que durante 1h de espetáculo conduz a platéia a risos, palmas e cantorias próprias da música regional.

Benedito é um “cabra” esperto que se utiliza desse artifício para impressionar sua amada, Marieta. Para isso ele “enfrenta” Cabo Rosinha e Vicentão Borrote, donos de uma masculinidade imponente que é colocada a prova a todo instante em um jogo gostoso de ser e parecer, são as máscaras sociais que encontram terreno propício nos palcos e abre espaço para a reflexão de uma sociedade hipócrita. O protagonista, após desenvolver com requinte as suas artimanhas, espera conseguir lugar de destaque no coração de Marieta, mas para sua infelicidade, porém regozijo da platéia, mantém um caso de amor com Pedro.

A encenação sofre fortes influência da idade média, período em que as apresentações teatrais lotavam as ruas com seus autos, mistérios e milagres, como também da comédia Dell”Arte e, é claro, da produção artística do homem sertanejo. Qualquer aproximação com Mateus, Catirina e Bastião, figuras presentes no cavalo marinho, não é mera coincidência. O Bumba meu Boi também é um universo que fala sobre a vingança, a piada que surge na feira, algum problema que contempla a atualidade, um caso de amor e traição em que o negro tem papel relevante na construção dessas situações.

Os recursos interpretativos e a encenação busca pelo antiilusionismo, ou seja, pretende evidenciar o aspecto teatral e mimético. Os personagens são tipos identificados através da partitura corporal convencional que expressa as características físicas e morais. Um destaque nesse trabalho é o gestus do Cabo Rosinha que toca suas genitálias com as pernas escancaradas, levando a platéia ao delírio. O gestual e os deslocamentos são grandes e amplificam os atores, assim como a indumentária composta por múltiplas cores, fitas e botões que se aproxima do universo dos mamulengos. Os bonecos estão presentes tanto no corpo como também nas versões minimizadas das personagens que surgem no decorrer das cenas. O trabalho vocal dos atores é impecável, seja na voz falada quanto na voz cantada. A sonoplastia é produzida ao vivo utilizando brinquedos populares como reco-reco e apitos de madeira que imitam o canto dos pássaros. A música apresenta as personagens e narra ocasiões que seriam trágicas se não fosse o véu cômico que perpassa a apresentação.

Depois de entrar em cena pela platéia com muita intensidade energética, os atores permanecem no palco do começo ao fim. Quando não estão em ação caminham para as laterais, sentando em banquinhos trabalhados na xilogravura, estética presente na literatura de cordel que também aparece amplificado no fundo do palco.

O espetáculo, porém seria impecável se não fosse a maquiagem de Benedito que ao longo da exposição derreteu sobre a face. No ambiente da origem popular isso não teria problema algum, mas na unidade a que esse espetáculo se propõe, percebemos que os elementos cênicos comungam para outro tipo de cuidado estético que precisa ser solucionado. Esse “borrão”, evidente, não ofuscou o brilho radiante que o Galpão das Artes dirigido por Fábio André, levou ao palco em uma belíssima apresentação na noite limoeirense.



Leitura crítica - Mel

George Carvalho
Mel

O simbolismo feminino do século XX

A cena é bela. Quando Gerrah Tenfus joga mel sobre o corpo e se arrasta, agonizando como se fosse um suicida, dá-se a libertação daquela figura esquizofrênica, que se contorce minutos antes e cuida dos afazeres domésticos. A cena de São José de Rio Preto (SP) é um experimento cênico muito particular, que gera um certo incômodo na platéia, em parte pela escolha da trilha sonora desconfortável.

Não há falas, diálogo. Apenas o ser que entra, com uma criança no colo, lava roupa, fuma e encontra no ‘mel’ o seu desfecho. Chama atenção a iluminação muito bem desenhada, sendo o grande trunfo da cena, responsável pela poesia de cada movimento.

No entanto, ao tentar abordar “a figura feminina no contexto do consumismo”, Mel fica preso a uma realidade do século passado – embora ela ainda persista em vários rincões do continental Brasil. Isso faz com que a cena do grupo paulista apresentado no Seminário Internacional de Crítica Teatral, embora tenha um tom vanguardista na forma, transmita um discurso reacionário e, por que não dizer, até mesmo um pouco conservador.

A cena é demorada. O momento em que o personagem se contorce num ataque epiléptico chega a ser enfadonho. Apesar de tudo, Mel não deixa de ser interessante pelo que se propõe a fazer, pela reflexão que se dispõe a fazer. E é uma obra bastante coesa, com uma dramaturgia interessante, que demonstra um certo cuidado na sua construção e passa longe de amadorismos. Uma obra peculiar, que apesar de algumas arestas que poderiam ter sido melhor aparadas, revela uma construção dramatúrgica bem alicerça.

Leitura Crítica - Nós Cachorros

NÓS, CACHORROS
*Jorge Bandeira

A temática da invisibilidade social apresenta-se outra vez, agora na figura do mendigo que rememora suas andanças sob a ótica da perda de seu cão amigo. Um grande saco feito o pesado fardo de Sísifo, que em seu pesar nos remete ao seu penar. O gorro e a camisa xadrez, a luva velha e carcomida nos dá a entender que este catador das ruas sobrevive desses resíduos, destas garrafas de plásticos que são lançadas em seu mar de solidão. E é desta solidão que aparecem espectros, monstros, cruéis e famintos, cheios de fome, e que perseguem o mendigo, a representação máxima desta fome. Essa é a violência neste reflexo de NÓS, CACHORROS, da Berlinda, Tribo de Atuadores, com direção tríplice de Saulo Máximo, Samantha Medina e Zoraide Coleto, representante da cidade de Jaboatão dos Guararapes neste multifacetário evento.

A ideia central lembra, com algumas variações, ao texto de Bertolt Brecht “O Mendigo e o Cachorro Morto”, sem a figura do Imperador, que aqui ganha outra tonalidade, sombria, com o espectro. O espectro perpassa o palco enquanto o drama narrado pelo mendigo é proferido, num jogo interessante de movimentação no estilo consagrado por Robert Wilson, da extrema “ slow body” cênica, o atuador em lentidão de movimentos ao extremo. A alegoria do espectro denuncia este tempo lento, letárgico, mas vertiginoso, de tensão existencial, de um pesadelo que demora para ser concluído, aumentando este frio da alma deste mendigo. É este tempo de extrema frieza, de seres frios, que avistamos. A atuação do mendigo é precisa, porém os códigos corporais ficaram no tom mais corriqueiro das personagens das sarjetas, das ruas, los olvidados, os esquecidos. Talvez por isso o vigor tenha aparecido de forma mais tímida, sem um impacto maior, o que agigantou ainda mais a figura espectral em cena, que de forma alegórica transmitia mais veracidade no palco.

O cão, a flor violeta, essa perda de um depositário fiel de seus sofrimentos, abalam o mendigo, o fazem sair da razão neste mundo irracional. Por quatro dias, ele nos confessa, que levaram seu amigo Juvenal, e ele vive a urgência ainda desta perda. Entre a fome, a chuva e o frio, desdobramentos no mendigo do ser espectral, concebido de forma eficaz e plástica, com o arrastar para a morte do mendigo, que não conseguirá levar seu Juvenal para Sergipe, e sua tosse como prenúncio deste fim, são momentos de compaixão que se apoderam do palco, até a frase terrível para o nada, “quando eu acordar, eu vou ser gente de novo”. Este acordar não veio, no plano físico, mas na metafísica espectral a mãe terra carrega este corpo agora inerte para o mesmo lugar onde se encontra Juvenal, permitindo, assim, que o único pedido do mendigo seja realizado. Ele finalmente encontra seu amigo no seio de Gaia.

A segunda parte da cena curta nos coloca nos planos urbanos da convivência com a violência, porém com humor bem realizado, mas também vacilante pelos clichês dos personagens, porém a leveza e incorreções das representações não tiram o foco do espetáculo, cujo intuito é o da reflexão pelo riso. A vendedora de jujuba, o descuidista, a homossexualidade, onde Ícaro impera, enfim, uma atmosfera de vidas que se cruzam e se digladiam na vertente do humor direto e com maneirismos do besteirol. O vigor das cenas e de seus protagonistas deve ser trabalhado, deixando fluir com mais desenvoltura a história dessas personagens caricatas, e que provocam, neste estágio do processo, o riso da plateia. A capacidade da comunicação direta com o público é o mérito de NÓS, CACHORROS. Agora resta aparar arestas para que a cena torne-se “limpa” para o fechamento total desta comunicação.

Leitura Crítica - Mais Um

CLÃ DE NÓS


Márcio Braz


Há muito que as discussões em torno do besteirol e do stand up comedy vem acontecendo no Brasil e o coro de desavisados insiste na afirmação de que este último, importado dos Estados Unidos, é um gênero menor destinado a divertir as massas e, sobretudo, a classe média, seu público predileto. Já se sabe da importância do besteirol no início dos anos 1980, no Rio de Janeiro, responsável pelo retorno do público aos teatros e cujos principais mentores são Mauro Rasi e Miguel Falabella.

Mas a comédia stand up gira em torno de algumas características básicas geralmente advindas do histrionismo do ator e movida pela técnica do improviso, do tempo de comédia, da crônica (sobre algo que aconteceu ou está acontecendo no mundo) e, ainda, recursos da expressão corporal. São estes os principais elementos do gênero e que Bruna Campello da Cia Clã de Nós do Rio de Janeiro não deixa de usufruir. O trabalho foi apresentado no último dia 31 no Teatro Capiba.

O sketche trata de uma atriz que nunca passou em testes de elenco e se prepara para mais um onde, diante do diretor do teste, procura mostrar sua verve em situações diversas, seja no cômico ou dramático. Campello mostra segurança no texto e incrível disposição pro improviso. Mas nem sempre a situação improvisada é correta e acaba por sujar a narrativa e os climas sugeridos pelo texto. Como exemplo basta citar a cena em que a atriz tenta mostrar seus dotes dramáticos num clima envolto por silêncio e um enunciado insinuando seriedade. No entanto, o tênis da personagem Lúcia, em contato com o chão, provocava um ruído estranho que já havia sido explorado pela mesma em outra situação, mas a atriz não se conteve e repetiu a dose. Resultado: quebra na intenção dramática que poderia ter sido revertida pela atriz para conduzir a plateia em direção ao drama e não a comédia.

O sketche “Mais Um” obteve boa repercussão no público presente o que comprova a destreza com que Bruna Campello se evidencia no palco. Em relação às críticas quanto ao “baixo nível” das comédias stand up e, também, do besteirol, basta dizer que o humor sempre fez parte da identidade brasileira e é fruto direto de nossa formação. Cada vez mais as experiências teatrais voltam-se para o próprio umbigo mascaradas com o nome de “processo”, “investigação” e “pesquisa” enquanto o público fica sendo alvo fácil desses manipuladores de experiência (até porque a categoria “público” hoje em dia não interessa já que os fomentos já garantem alguma renda para os grupos que não precisam mais depender do sucesso de bilheteria).

Mas a Cia Clã de Nós guarda muitos projetos futuros e façamos votos que continuem em sua empreitada no ramo da comédia brasileira orgulhando este Brasil de Coelho Neto e França Júnior, mas também de Bruna Campello e seu diretor (também comediante) Léo Castro.



Leitura Crítica - @.com e Mais Um

A CRISE DOEU
Dyego Albuck

Com apresentações de 11 cenas curtas de vários grupos teatrais do Brasil, o Seminário Internacional de Crítica Teatral promove o RECIFASTTEATRO no teatro Capiba no SESC de Casa Amarela. Dentre as performances apresentadas, ficarei com a responsabilidade de refletir sobre duas delas: @com da Cia das idéias de Manaus e Mais um do Clã de Nós do Rio de Janeiro.

1. @.COM

Com a busca do não convencional para atingir seus objetivos, a perfomance abre espaços na arte para problematizar e contestar de forma interdisciplinar a dinâmica teatral. É dessa forma que a apresentação de João Fernandes caminha, visto que em um bate papo de um site de relacionamento, o seu personagem inicia uma conversa on-line com pessoas propondo um encontro. Antes de entrar na questão da proposta de fato, ressalvo o cenário que era composto por uma mesa e cadeira de plástico, um notebook, um cabideiro com perucas, roupas e máscaras e um telão onde projetava a tela do computador. O ator trajava uma cueca samba canção e uma máscara.

Mais caracterizado com “happening” a proposta da Cia de idéias em mostrar um homem “casado” que ao navegar pela internet busca relações sexuais, confirmando que com o advento da internet a maneira de como se vê e se pratica o sexo mudaram. Chegamos a nossa primeira questão: Será que a internet, hoje, se resume a sexo?

A proposta processual mostra, num jogo de arte e vida, um personagem que entra num palco de teatro e navega pela internet, em sites de relacionamento, ao vivo expondo pessoas “reais”, o que desperta uma estética interessante e deixa a platéia ora solicita ora repulsiva com a atitude do personagem.

As conversas entre o ator e os “nicks” envolvidos partiam de triviais à ofertas de strip-tease pela web cam, o que ocorre gratuitamente, sem ônus. É interessante ressaltar que, em uma das conversas, um homem do bairro de Beberibe chega às vias e fica nu se expondo pela web, além disso, também fornece seu telefone para o ator. Com isso indago: O que faz uma pessoa dar informações íntimas a um estranho virtual? ´

Nós nunca vemos o rosto das pessoas, apenas o rosto, inclusive o ator que sempre está caracterizado com a máscara. O ator, alguma vezes, se mostra acanhado com a situação, visto que pede as pessoas para se expor, entretanto ele se exibe de maneira tímida. O limite da identidade é ultrapassado, pois a aparência exerce, nesse caso, uma posição que o ator está exercendo socialmente no momento, ou seja, a construção de um personagem fake, na linguagem da internet, criando uma idealização de características que busca representar certo tipo de papel expondo uma “intimidade” se valendo de uma identidade de que não se define pelo que é, mas a partir do que ele diz e na forma como se relaciona com eles. O que o ator mostra aqui é que essas pessoas, freqüentadoras de redes sociais, quebram com sua própria identidade, ultrapassando limites de confiança e lealdade na tentativa de obter uma relação sexual passageira. E aí deixo a seguinte pergunta: Até que ponto vai essa identidade instantânea nas redes sociais?

2. Mais um

Com o espírito de “todo mundo merece um lugar na mídia!” é que o Clã de Nós embasa sua esquete “Mais um”. A cena conta a história de uma atriz viciada em testes que busca um papel para se consolidar sua carreira. Esse tipo de personagem lembra o que chamamos de “celebridade instantânea” que surge no final do século XX, pessoas que adquirem a fama de forma repentina, graças aqueles “quinze minutinhos de fama”.

A dramaturgia do espetáculo, ou melhor, dizendo, o roteiro da cena é baseado no stand-up comedy, visto que as histórias são construídas a partir do cotidiano da personagem. A atriz se encontra desarmada em cena, sem acessórios, cenários e caracterização, o que é comumente chamado “humor de cara limpa”.

O começo da cena inicia com a música tema do reality show Big Brother Brasil, onde no palco surge uma atriz vestida como maratonista e uma blusa indicando seu nome, idade e tipo sanguíneo, o que já causa risos na platéia. Lucia Loser, 25 anos, A positivo é uma atriz cujo sobrenome foi batizado pelos seus colegas de escola, o que é para ela motivo de orgulho, já em sua crença/suposição é que a cantora norte-americana Britney Spears, em sua adolescência era chamada de “Spears” por seus amigos.

E Lúcia agradou... Agradou muito o público que se divertia com suas histórias de testes, seus dramas pessoais e sua caça incessante por uma oportunidade em sua carreira. A voz off do diretor que dialogava com Lúcia também ilustrava a realidade de um diretor que se mostra a todo custo interessado em descobrir novos talentos. A parceria flui de tal delicadeza que Bruna Campelo se mostra uma grande “mestra de cerimônias”, demonstrando ser entendida do gênero, já que esse estilo é considerado um dos mais difíceis de executar e dominar. Sua perfomance vem criticar com muito bom humor que, nos últimos anos, a sociedade brasileira tem passado por inúmeros realities que objetivam mostrar pessoas sedentas por uma fama fugaz e passageira, não medindo escrúpulos para conseguirem suas ambições. Deixo a mais óbvia das perguntas: Até onde vai a busca pela fama?

Leitura Crítica - @.com e Mais Um

George Carvalho
@.com - (AM)
Reality (no) show

Um homem casado, tira sua aliança e se aventura em salas de bate papo, em sites de relacionamento. A máscara dá a ideia de que nem tudo na rede é real. O cenário, uma mesa, um cabide com algumas peças como perucas e uma coleira, computador e internet. Sem roteiro e sem propósito claro, a não ser expor ao ridículo os internautas que se utilizam da rede mundial de computadores para buscar companhia. Assim pode ser definido o @.com, que a Cia. de Ideias, de Manaus, apresentou na última terça-feira, no primeiro dia do RECIFASTEATRO, dentro da programação do Seminário Internacional de Crítica Teatral.

A ideia da cena é bem interessante. Por ser de Manaus, esse mérito pode ser potencializado, visto que o acesso aos conhecimentos das artes cênicas aí é restrito – como já foi pontuado por um conterrâneo amazonense na abertura do evento, no último sábado. Mas @.com se perde da própria ideia que acaba virando um fim em si. Não se percebe um conceito de dramaturgia clara, o roteiro é vulnerável aos desdobramentos de uma sala de bate papo e o objetivo do espetáculo parece ser tão somente expor alguém na web cam – o personagem mascarado insiste muito nisso.

A plateia ri em alguns momentos, como se desconhecesse o que acontece nesses ambientes virtuais; se entendia em muitos outros, e aí, parece bem clara do que realmente ocorre na rede de papos virtuais; ao fim da obra, o que permanece é a exposição escrota de um pobre rapaz que estava conectado no horário infeliz em que a cena estava sendo apresentada. No início, parece que tudo é armado e que a pessoa que responde no msn é integrante do grupo de teatro. Isso gera uma falsa expectativa de que @.com possa ter algo a apresentar.

Ledo engano! Impossível não pensar o processo judicial ao qual esse grupo de Manaus seria submetido se o rapaz do outro lado da cam soubesse da situação ao qual foi exposto. Alguns minutos de conversas online, vídeos, corpos à mostra, pedidos atendidos... E o homem casado coloca a aliança e se despede do público retirando a máscara que usara durante todo o processo de ‘encontros virtuais’.

Numa época em que se discute o conceito de pós-modernidade e em que os avanços tecnológicos permitem contratação e até mesmo vínculo empregatício online, é estranho que o uso da rede mundial computadores para se buscar companhia para finalidades sexuais (e essas finalidades sempre foram buscadas de alguma forma) seja tratado de uma forma tão irresponsável e com tamanha fraqueza de questionamento. As relações virtuais podem render muita reflexão e isso pode muito bem ser revertido de uma forma mais saudável e, de fato, questionadora pelas artes cênicas, sem quaisquer preconceitos ou falsos moralismos – algo que o espetáculo CORRA (PE), por exemplo, fez muito bem, uns anos atrás, quando levou à cena um bate papo no msn de forma muito mais criativa e inovadora.


Mais Um (RJ)
Luz na Lúcia!

Após uma séria de experimentos cênicos que variaram entre o clichê e a estranheza, o encerramento da primeira noite do Recifasteatro, dentro da edição 2011 do Seminário Internacional de Crítica Teatral, reservou ao público uma grata surpresa. No palco grudado do Teatro Capiba, Bruna Campello deu vida à Lucia Loser e esnobou competência com um texto leve e ao mesmo tempo reflexivo, pleno de referências a outras linguagens dramatúrgicas, como a telenovela e o cinema.

Mais Um, da companhia Clã de Nós, do Rio de Janeiro, é uma prova de que não se precisa muito para fazer um bom teatro. Basta um trunfo de cabelo! Divertido sem ser apelativo, e trazendo ainda uma mensagem sobre o contexto social de cada indivíduo, a cena consegue prender a atenção da plateia utilizando-se das próprias contradições do teatro ao expor um personagem viciado em testes para atuar, sem nunca conseguir um papel, ao ponto dele próprio se questionar o porquê dessa busca incessante.

Durante a cena, Lúcia dialoga com a voz de um diretor, que não aparece. A trilha sonora, inspirada no programa Big Brother Brasil, da TV Globo, reitera o questionamento sobre o papel social do indivíduo. O cenário é o próprio espaço cênico e a iluminação também se adequa a este fim, evidenciando a suposta e questionável habilidade da atriz que está pleiteando um papel quando exposta a esse recurso cênico.

A certeza de que ainda há muito a ser explorado no contexto de Mais Um, apesar dos inúmeros clichês em que se pode cair – e a linha do stand-up comedy pode ser apontado com um desses, deve motivar a equipe de concepção cênica desta obra a buscar outras situações, ampliando o leque de histórias de Lúcia Loser. Vale a pena botar luz nela, porque ela ainda pode ter muito a contar!

Leitura Crítica - Faca de 2 Gumes


MICHELOTTO CURTIU ADOIDADO:

FACA DE DOIS GUMES


E aí MICHELOTTO ESCREVEU:

“É uma leitura dramática composta por dois textos: Febre que me segue, do Breno. E Sodomia Song, do Wellington. Os dois textos abordam as relações desse amor gay”. E etc.

A- A questão do “conteúdo”
Eu não sei se teatro é SOBRE alguma coisa. Parece-me mais ser algo entre - no sentido de meio & convite.

A palavra chave - e Samuel Beckett, fez uma peça só com isso e isso é ser simples, isso é usar a navalha de Ockam em si mesmo- a palavra chave é KATA-STROPHE.

Teatro é catástrofe, em bom grego: a ENTRE/ estrofe, ou linha discursiva.

Eu nunca vi teatro SOBRE hetero ou homossexualidade. Claro, há quem o tente, mas é aquele troço jesuítico, anchietista, tipo pedagogia da homossexualidade, teatro-educação, coisas abomináveis assim de gente que acredita que podemos enfiar coisas na cabeça das pessoas e que essas coisas enfiáveis se chamam conteúdos sobre os quais discorremos. Há quem as faça. Há quem as faça. Essa história de Cruzadas Gay é problemática, até porque essa marginalização do gay veio do cristianismo, e no cristianismo para quem já deu uma olhada no Enchiridion Symbolorum, a mulher é tratada pelos Santos Padres Gregos como “vaso de sujeira”. O mais persequido da história mesmo foi a mulher, e com ela, a sexualidade. Hetero ou Homo.[*]

Meu público não é catequizado, mesmerizado, pelo conteúdo de meu texto, por esse “sobre alguma coisa”.[**] Quando a cena acontece, público algum é passivo, receptivo e sei lá o que mais se falou e teorizou por aí. Brecht com seu comunismo de cozinha [***] acreditava tanto que o público era passivo que inventou um monte de coisas para não deixá-lo adormecer e engolir tudo. Ninguém engole isso, simplesmente por que isso somos nós.

Somos apenas um deslize, um fora-de-lugar.

O que fazemos é TEATRO. Ponto. Com. Entre-linhas.

Isso aí que Breno e Wellington conseguiram fazer. Não foram banais. Não se perderam na moda de exaltar o que é apenas pré-texto, de “fazer cabeças” e aquela piração toda dos brechtianos que insistem em não sair dos anos 60. E que – eu conheço a maioria- não os viveram. Breno e Wellington nos convidaram a afundar o dedo em nossas perdas e danos de amor. Só. Não são panfletários.

E querem mais?!!!!!

B- A questão da escritura
Barthes me dizia, ao ouvido, na Sorbonne do anos 70, que “texto era de tecer, tecido” mas poupem-me de continuar falando o resto, pois todos vocês já conhecem e toda minha erudição termina aqui .

Então vamos tentar desfiar alguns nós dessa trama.

1. Febre que me segue/-Sodomia Song já começam com rima interna no título. Bom,né?!

2. Depois Breno segue a trilha de Beckett em Improviso de Ohio. Os que nos precederam escreveram para nos dar trilhas. Breno buscou de lá a marca da batida – pedindo repetição - inteligentemente repetida por Tiago ao fundo, na leitura de Welington. O resto todo ele re-escreveu, mantendo-se curiosamente fiel a Samuel. Lá está, no texto de Breno, a criação da relação com o menino, lá está a busca de um tempo que ficou travado em algum lugar, cavando um fosso que se afunda ao passar dos anos, lá está o convite para o encontro que se perdeu em algum lugar. Lá está Breno contando com uma incrível segurança, o buraco que se faz dentro de nós quando começamos a pronunciar a palavra amor e quando ela começa a se solidificar e querer sua permanência. Leiam, por favor, e encenem o texto de Breno.

O texto de Breno é de uma dor absurda, porque delicada.

Eu fiquei passado. Estatelado.

Me dizendo “ não estou acreditando no que estou vendo: filho da mãe, ele conseguiu!”

3. Depois Wellington aparece numa fúria dantesca, zécelsonesca, apocalíptica, shakespeariana.

Falando de amor. Perdas. Solidão. E aquela mesmíssima coisa poderosa já garimpada no texto de Breno, chamada permanência. Tentativa de segurar o que escapa repetidamente por entre os dedos. Amor. Só isso. Nunca achei que teatro tivesse relações concretas, palpáveis, objetais com a vida. A vida já faz cena demais para se ainda inventar o teatro para isso. Mas parece-me também que os grandes textos fortes tem essa propriedade de nos confundir, por nos conduzir por lugares que parecem naturais, vitais, só por serem repetidamente trilhados pela humanidade, só por andarmos repetidamente naquele mesmo caminho. E é isso uma das coisas que esse texto de Wellington tem de esplêndido: todos nós já passamos por ali e sempre que passamos foi com fúria. Daí o nome de paixão. E sempre que passamos, passamos. Daí o travo, a trava, a vontade de retornar, refazer caminho, repisotear as próprias pegadas e dessa vez já muito fundas por tantos que já as fizeram, inclusive o outro que queremos que venha conosco e já perdemos. Leiam, por favor, e encenem o texto de Wellington.

O texto de Wellington é de uma dor absurda, porque absurda.

Não sei como conseguiu escrever.

Abre com o Hamlet pai desnecessariamente amado e fecha com o pai perdidamente odiado.

Eu fiquei passado. Estatelado.

Me dizendo “ não estou acreditando no que estou vendo: ele conseguiu!”

Wellington e Breno se mostraram finalmente seguros, não devendo mais nada a ninguém, trabalhando textos límpidos, duros, incisivos, fortes, modernos, caras! Pós-modernos, caras! Pós-dramáticos, caras! Pós-Contemporâneos, caras! Dramatúrgicos-Fora-do-Eixo, caras!

C - A questão de algumas coisas, por aqui.
É por isso que já odiei uma imensidão de encenações & textos ocos e inócuos de nossa cena teatral em que por mais que você tivesse benevolência e santíssima paciência em cavar, não se conseguia achar nada nas entrelinhas, nada por debaixo, nada no subsolo.

D - A questão da Leitura.
Tiago impecável, lindo, gostoso, convincentemente movimentando o corpo, esse objeto de desejo geral. Era esse seu papel, ora.

Num segundo movimento, bofe, ou seja lá que figura for aquela de óculos escuros, parada ali. Com apenas dois pequenos movimentos, duas orientações possíveis, Tiago enche o papel de fundo da cena como um ator de primeira, já famoso pelo seu excelente trabalho nos Embromation. Duca [****]

Breno, quem vai lá duvidar que Breno dê um texto legal, ainda mais sendo dele e de Welington? Tava em casa, tranquilamente desejante e meio acabadaço por ali. Justo. Perfeito. Duca.[****]

Nelson parecia estar numa linha de montagem com Breno e Rodrigo, tão equilibrado nas diferenças , nas implicações e pequenas nuances de leitura, na musicalidade- como diria minha Nina Simone. Perfeito. Duca.[****]

Rodrigo, estava solto na buraqueira. Rápido, preciso, perfeito, ora delicada, ora baloiçantemente gay. Duca.[****]

Aí tudo rolou, por causa dos excelentes textos e por causa deles, entre tensão e relax.

Cara, vou repetir: adoooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooorei!

Por favor, Breno, Welington não parem de escrever.

Vocês acharam o caminho, pô!
__________________________________________________________________________________
[*]Esse livrinho majestoso onde se encontram registrados as afirmações infalíveis da fé cristã católica é de uma leitura que dá vômito em qualquer pessoa um pouco mais sensata.

[**] Vai ter gente que irá pensar que minha adaptação de Eduardo II, de Marlowe [*****] é “sobre” homossexualidade, quando é uma imagem da infâmia. Infâmia não é um tema nem um conteúdo. É apenas uma imagem, apenas uma forma. Como tantas outras formas de se corromper o amor, é um caminho pelo qual as pessoas deslizam para a solidão. Mas enfim, quem sou eu para lhes falar amor.

[***] Meu Eduardo II se chama O Rei e seu Amante, e já foi adaptado antes de mim por Brecht, mas o meu é beeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeem melhor...

[****] Duca leia-se du caralho!!!- conforme notação de meus anos 60! Eu só tinha 16 aninhos. E era também muito gostoso, viu Tiago!

[*****] Volta Kil, seu titica! Não ouve mais a gente não, é? Tamos com ciúme!


Leitura Crítica - Faca de 2 Gumes

OS DOIS LADOS DE UMA FACA

Márcio Braz

Composta pelos textos “Febre que me segue” e “Sodomia Song” de Breno Fittipaldi e Wellington Júnior respectivamente, a leitura dramática intitulada “Faca de Dois Gumes” bebe no universo homoafetivo para falar de paixão, delírios, sexo e erotismo.

O primeiro texto tem como protagonistas Pedro e Lui. Uma relação, quase um fetiche de um com o outro até a consolidação do encontro e a declaração simples e direta do jovem Lui, de 18 anos, ao coração ansioso e desesperado de Pedro. O texto guarda muitas referências de Caio Fernando Abreu e o estilo de composição se assemelha a um conto narrado sempre em primeira pessoa. A narrativa é excessiva e com poucos diálogos; a impressão que se tem é que a transposição deste para o palco deverá exigir do encenador um poder de concentração e manejo na condução da história de forma a quebrar com a sonoridade uníssona do texto.

Já “Sodomia Song” trata dos delírios imagéticos de um jovem durante a prática da masturbação. No fetiche imaginativo do rapaz são fisicalizados todo o repertório de frases e vocabulários comuns a boa (ou alguma) parcela de homossexuais. Um brainstorm gay que finaliza com o gozo do rapaz em palavras delirantes.

Como situação dramática, o primeiro texto se integra mais ao exercício teatral, pois sugere diversas possibilidades de encenação – inclusive no acerto de problemas já apontados – alem de possuir uma trama definida e sensibilidade poética. Já o segundo se dirige mais à performance e à cena curta acompanhando o ritmo e a brevidade do ato masturbatório, com comunicação imediata da plateia e suas frases cheias de lugares-comum do dialeto gay.

Os atores responsáveis pela leitura dramática, a saber, Breno Fittipaldi, Nelson Lafayette, Rodrigo Dourado e Tiago Gondim, dirigidos pelo talentoso Wellington Júnior, se empenharam em performances inspiradas, com dicção e projeção corretas mas “mastigavam” o texto para a plateia se utilizando da mais comum e fácil intenção, sem perceber os entrechos, silêncios e ritmo que, sobretudo, a primeira obra exigia.

A leitura dramática dos textos enfeixados sobre o título “Faca de Dois Gumes” promoveu um encontro de possibilidades na noite do dia 30 na simpática Casa Mecane em Recife. Vejamos os próximos passos deste tango...

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Leitura Crítica - Faca de 2 Gumes

FACA QUE RASGA A TRADIÇÃO
Vinicius Vieira


Para ler ao som de Lady Gaga e, se preferir, se masturbando.

Dramaturgia linear, personagens como centro psicológico tradicional, texto com diálogos cotidianos...

Quem saiu de suas casas para assistir a leitura dramatizada Faca de Dois Gumes e esperava encontrar uma história de começo, meio e fim de maneira tradicionalista encontrou uma outra forma de escrita cênica que dialoga com as tendências do teatro pós-dramático. A Casa Mecane, nova alternativa de centro cultural no Recife, foi quem abriu espaço para a apresentação do Grupo Cênico Calabouço, nessa segunda-feira (29).

A leitura foi dirigida pelo professor de teatro Wellington Júnior que há muito namora a estética performática, quem assistiu o espetáculo Psicoses, da dramaturga Sarah Kane, sabe muito bem do que estou falando (quem não viu pode assistir o vídeo abaixo para ter uma idéia). Esse traço, é verdade, faz parte da assinatura desse encenador que também é pesquisador da obra de Noberto Cardozo. A atitude de desconstruir a normatividade do texto dramático tradicional está presente com muita intensidade também na escrita de Wellington Júnior. Sodomia song é de sua autoria e junto a Febre que me segue, de Breno Fittipaldi, compõe a dramaturgia da leitura. O texto revela-se em crise, assim como a identidade do homem pós-moderno que está fragmentada em meio a globalização, a realidade midiática e o universo virtual, elementos que contribuem para uma reconstrução dessa dramaturgia que contemplou as relações homoafetivas.

O texto de Fittipaldi lembra literatura e explora a possibilidade do eu-narrador, eu-personagem e do eu-personagem-narrador, recurso interessante que dá um colorido especial a forma de contar a história de Pedro e Lui que não podem viver uma paixão, mas decidem pelo sim. Sodomia song é mais explosivo, díspare, retalhado. Aglutina idiomas como o francês, português e inglês. Da arquibancada, ocupada pela platéia, podemos visualizar imagens que integram o (hiper) texto dos atores, caracterizado pela pluralidade de linguagens. A obra constrói uma estética não representacional e iconoclasta (podemos exemplificar o instante de quebra de um ícone quando um ator grita “JESUS É GAY!”, revelando o conflito desse ser que está em colapso com as normatividades arcaicas e religiosas). A teatralidade explorada ao extremo é de suma importância para se constituir a cena.

Falando em cena, quatro atores, ora sentados em quatro cadeiras, ora em pé preencheram o espaço levando o público da ternura à excitação badalada ao som de Bad Romance da pop Lady Gaga. Gritos e palmas chegaram ao ápice quando o ator Tiago Godim fisicalizou os impulsos sexuais simulando uma masturbação, ficando de costas para a platéia, enquanto os demais atores enlouqueciam de tesão arrancando risos histriônicos de todo mundo. Quando Godim virava para frente essa ação era realizada de maneira velada para não mostrar a “punheta mimética”. Fica o questionamento, em meio a tantas quebras convencionais: por que não experimentar o ato de fato? As batidas na parede e os gemidos nesse instante de prazer não convenceram soando forçado e como tentativa de chamar a atenção para um momento que já era de impacto. O texto (o papel impresso) se tornou ao longo da apresentação um recurso decorativo, pois por muitas vezes os atores proferiram as falas sem ler. Seria esse um sinal de uma nova montagem em Recife? Porque a leitura parecia já não satisfazer esses atores que, por sinal, estavam à vontade em cena. Não sabemos se haverá uma montagem de Faca de dois gumes, mas fica o questionamento sobre o objetivo da apresentação: realizar a leitura. Os atores poderiam se debruçar um pouco mais nessa atividade sem perder as construções imagéticas inerente ao teatro.

Apresentações como essa mostram que a cena recifense só tem a crescer quando ousadia e talento seguem sem medo de experimentações que tentam interagir com a realidade social e psicológica do homem plural e em rede.



Leitura Crítica - Faca de 2 Gumes

LIÇÕES DO PÁSSARO DO AMOR AOS ENAMORADOS OU NÃO.


*Jorge Bandeira

Cortante e sarcástico são palavras que se encaixam neste texto e na leitura dramática de FACA DE DOIS GUMES, do Grupo Cênico Calabouço, constando das dramaturgias de Febre que Me Segue, de Breno Fittipaldi, e Sodomia Song, de Wellington Júnior. O universo da homossexualidade colocado em pratos “limpos”, com os termos peculiares deste universo e as exacerbações das paixões desenfreadas, permeados pela denúncia da homofobia que hoje é notícia, mas que todos sabem que sempre grassou por estas terras tropicais.

A fragmentação dos encadeamentos do texto, junto com a um hedonismo muito peculiar, inserem estas dramaturgias no pós-moderno, em sua vertente de combate a estas intempéries que volta e meia permeiam os noticiários, especialmente a agressão a homossexuais e os assassinatos tão comuns destes. Sair deste desconforto e tornar-se este espelho de uma sociedade que não aceita as diferenças, em todos os aspectos, eis o cavalo de batalha que penetra com pujança neste Calabouço. O potro aqui é indomável, não passivo.

Na leitura realizada as marcas remetem alguns momentos, de ênfase no postulado principal do encadeamento textual, ao Improviso de Ohio, de Samuel Beckett, num gesto seguro do bater as mãos e na repetição da frase anterior, na segura direção de Wellington Júnior e nas vibrantes e “vibratórias” atuações de Breno Fittipaldi, Nelson Lafayette, Rodrigo Dourado e Tiago Gondim.

A contemporaneidade dos clichês essenciais para este modus operandi estão lá: músicas disco, Lady Gaga, referências aos astros mirins e outros nem tanto, permeiam de cabo a rabo o texto desta FACA DE DOIS GUMES, nisso o Teatro engajado homossexual torna-se o enunciador destes tempos regados ao prazer, ao efêmero e ao contingencial. Demandas necessárias, desejos que precisam ser realizados.

A poesia de Allen Ginsberg MEU AMO, do livro A Queda da América é escutada num dos momentos desta cópula penetrante nos canais mais profundos dos personagens, personagens que trafegam nesta zona de sinais que não se fecham, encruzilhadas de cross-dressing, de vislumbres e de mistérios gozosos. A Atividade sexual como meta, como fim dos trabalhos, eis o que denota toda a leitura e encenação desta obra, palavras que alcançam a ejaculação, que são enrijecidas como certo músculo masculino. Se o sangue é Hemo, a sedução aqui é Homo, e as masturbações e gozos oriundos desta lâmina afiada de dois lados.

O texto como um caleidoscópio de emoções, num jorro de termos que se completam, se entrecruza e fazem clamar para os ouvidos é outra característica desta linguagem de fragmentações contemporâneas, que se apodera de forma sado-masoquista dos referenciais pela via da intertextualidade. Pulsões de corpos, ironia e tiques corporais também completam a leitura, carregada de um sarcasmo e de certo humor, onde a crítica resvala na Igreja Cristã, na sua vertente majoritária e conservadoras, de forma mais direta do que a de um anticlerical como o filósofo iluminista Denis Diderot, que tratava da igreja como A INFAME.

A profanação do texto sagrado é de espantar qualquer sacerdote, seja católico, protestante ou evangélico, o alvo é a agressão dos sentidos, o estupro da carcaça conservadora, dos preconceitos pela diferença e pluralidade deste amor sem rédeas, dos encontros eventuais e/ou duradouros, da busca de cada felicidade, enfim. Na verdade, mesmo, a impressão que se tem disso tudo é que quem está num calabouço são os que não respeitam as diferenças da fauna deste pássaro do amor, com sua plumagem com a cor do arco-íris e seus vôos rasantes em busca deste infinito gozar. Os verdadeiros prisioneiros estão fora desta gaiola das loucas estripulias da existência humana.

jorgebandeiraamaral@hotmail.com

Leitura Crítica - Ophélia

OPHÉLIA

Márcio Braz

Uma das personagens mais queridas da dramaturgia universal ganha vida de forma inusitada na montagem da Companhia de Teatro e Dança pós-Contemporânea d’improvizzo Gang. A peça toma por base a personagem Ophélia da tragédia de Shakespeare “Hamlet” onde a pura e ingênua mocinha, filha do conselheiro Polônio e irmã de Laertes, se apresenta ora acentuando sua ingenuidade e delicadeza ora tracejando sua meninice de um jeito sapeca e brincalhão.

Mas Ophélia não está sozinha. No jogo dramático “um dia de corte” éramos todos participantes: da plateia/plebe surgem Hamlet, sua mãe, Gertrude, o pai de Ophélia, Polônio, o coveiro e o verme. Ao que tudo indica as peças deste jogo estavam lançadas e era possível prever elementos do teatro-jogo e influência beckettiana em alguns momentos.

No entanto, estas personagens não saíram do bloco das apresentações e toda a peça girava em torno do monólogo da atriz Pollyana Monteiro sobre fragilidade, trechos da tragédia shakespereana, sexualidade e feminilidade. As personagens escolhidas não participavam diretamente do percurso narrativo da personagem Ophélia e serviam apenas como digressão poética desta vez brincando com o humor em comunicação com a plateia.

Trata-se neste espetáculo da chamada dramaturgia cênica onde os intérpretes (neste caso, ator e diretor) se apropriam de um tema ou peça consagrada pela maistream e reescrevem sua versão geralmente buscando um outro elo de participação com a plateia e não mais o modelo tradicional de montagem teatral, seja pelo drama, seja pelo épico. Mas neste caso é justamente quando a peça se volta pro seu universo dramático contido na elaboração poética fora do jogo com a plateia que ela cresce em qualidade, basta citar a belíssima cena final onde a menina-sapeca Ophélia executa sua dança como a bailarina das caixinhas de música em movimentos singelos e sob uma iluminação sensível.

Os adereços da personagem como anéis e pulseiras pareciam representar essa Ophélia-mulher em contraponto a Ophélia-menina do fim do espetáculo. As pulseiras são atiradas sobre o círculo central no palco e os anéis são retirados de vários porta-jóias localizados no canto esquerdo. Uma menina-mulher talvez?

Bem, o certo é que “Ophélia”, de e por Paulo Michelotto e Pollyana Monteiro, se utilizou de recursos bastante sólidos na composição da peça que poderiam ser melhor explorados em favor da narrativa.