LIÇÕES DO PÁSSARO DO AMOR AOS ENAMORADOS OU NÃO.
*Jorge Bandeira
Cortante e sarcástico são palavras que se encaixam neste texto e na leitura dramática de FACA DE DOIS GUMES, do Grupo Cênico Calabouço, constando das dramaturgias de Febre que Me Segue, de Breno Fittipaldi, e Sodomia Song, de Wellington Júnior. O universo da homossexualidade colocado em pratos “limpos”, com os termos peculiares deste universo e as exacerbações das paixões desenfreadas, permeados pela denúncia da homofobia que hoje é notícia, mas que todos sabem que sempre grassou por estas terras tropicais.
A fragmentação dos encadeamentos do texto, junto com a um hedonismo muito peculiar, inserem estas dramaturgias no pós-moderno, em sua vertente de combate a estas intempéries que volta e meia permeiam os noticiários, especialmente a agressão a homossexuais e os assassinatos tão comuns destes. Sair deste desconforto e tornar-se este espelho de uma sociedade que não aceita as diferenças, em todos os aspectos, eis o cavalo de batalha que penetra com pujança neste Calabouço. O potro aqui é indomável, não passivo.
Na leitura realizada as marcas remetem alguns momentos, de ênfase no postulado principal do encadeamento textual, ao Improviso de Ohio, de Samuel Beckett, num gesto seguro do bater as mãos e na repetição da frase anterior, na segura direção de Wellington Júnior e nas vibrantes e “vibratórias” atuações de Breno Fittipaldi, Nelson Lafayette, Rodrigo Dourado e Tiago Gondim.
A contemporaneidade dos clichês essenciais para este modus operandi estão lá: músicas disco, Lady Gaga, referências aos astros mirins e outros nem tanto, permeiam de cabo a rabo o texto desta FACA DE DOIS GUMES, nisso o Teatro engajado homossexual torna-se o enunciador destes tempos regados ao prazer, ao efêmero e ao contingencial. Demandas necessárias, desejos que precisam ser realizados.
A poesia de Allen Ginsberg MEU AMO, do livro A Queda da América é escutada num dos momentos desta cópula penetrante nos canais mais profundos dos personagens, personagens que trafegam nesta zona de sinais que não se fecham, encruzilhadas de cross-dressing, de vislumbres e de mistérios gozosos. A Atividade sexual como meta, como fim dos trabalhos, eis o que denota toda a leitura e encenação desta obra, palavras que alcançam a ejaculação, que são enrijecidas como certo músculo masculino. Se o sangue é Hemo, a sedução aqui é Homo, e as masturbações e gozos oriundos desta lâmina afiada de dois lados.
O texto como um caleidoscópio de emoções, num jorro de termos que se completam, se entrecruza e fazem clamar para os ouvidos é outra característica desta linguagem de fragmentações contemporâneas, que se apodera de forma sado-masoquista dos referenciais pela via da intertextualidade. Pulsões de corpos, ironia e tiques corporais também completam a leitura, carregada de um sarcasmo e de certo humor, onde a crítica resvala na Igreja Cristã, na sua vertente majoritária e conservadoras, de forma mais direta do que a de um anticlerical como o filósofo iluminista Denis Diderot, que tratava da igreja como A INFAME.
A profanação do texto sagrado é de espantar qualquer sacerdote, seja católico, protestante ou evangélico, o alvo é a agressão dos sentidos, o estupro da carcaça conservadora, dos preconceitos pela diferença e pluralidade deste amor sem rédeas, dos encontros eventuais e/ou duradouros, da busca de cada felicidade, enfim. Na verdade, mesmo, a impressão que se tem disso tudo é que quem está num calabouço são os que não respeitam as diferenças da fauna deste pássaro do amor, com sua plumagem com a cor do arco-íris e seus vôos rasantes em busca deste infinito gozar. Os verdadeiros prisioneiros estão fora desta gaiola das loucas estripulias da existência humana.
jorgebandeiraamaral@hotmail.com
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