MICHELOTTO CURTIU ADOIDADO:
FACA DE DOIS GUMES
E aí MICHELOTTO ESCREVEU:
“É uma leitura dramática composta por dois textos: Febre que me segue, do Breno. E Sodomia Song, do Wellington. Os dois textos abordam as relações desse amor gay”. E etc.
A- A questão do “conteúdo”
Eu não sei se teatro é SOBRE alguma coisa. Parece-me mais ser algo entre - no sentido de meio & convite.
A palavra chave - e Samuel Beckett, fez uma peça só com isso e isso é ser simples, isso é usar a navalha de Ockam em si mesmo- a palavra chave é KATA-STROPHE.
Teatro é catástrofe, em bom grego: a ENTRE/ estrofe, ou linha discursiva.
Eu nunca vi teatro SOBRE hetero ou homossexualidade. Claro, há quem o tente, mas é aquele troço jesuítico, anchietista, tipo pedagogia da homossexualidade, teatro-educação, coisas abomináveis assim de gente que acredita que podemos enfiar coisas na cabeça das pessoas e que essas coisas enfiáveis se chamam conteúdos sobre os quais discorremos. Há quem as faça. Há quem as faça. Essa história de Cruzadas Gay é problemática, até porque essa marginalização do gay veio do cristianismo, e no cristianismo para quem já deu uma olhada no Enchiridion Symbolorum, a mulher é tratada pelos Santos Padres Gregos como “vaso de sujeira”. O mais persequido da história mesmo foi a mulher, e com ela, a sexualidade. Hetero ou Homo.[*]
Meu público não é catequizado, mesmerizado, pelo conteúdo de meu texto, por esse “sobre alguma coisa”.[**] Quando a cena acontece, público algum é passivo, receptivo e sei lá o que mais se falou e teorizou por aí. Brecht com seu comunismo de cozinha [***] acreditava tanto que o público era passivo que inventou um monte de coisas para não deixá-lo adormecer e engolir tudo. Ninguém engole isso, simplesmente por que isso somos nós.
Somos apenas um deslize, um fora-de-lugar.
O que fazemos é TEATRO. Ponto. Com. Entre-linhas.
Isso aí que Breno e Wellington conseguiram fazer. Não foram banais. Não se perderam na moda de exaltar o que é apenas pré-texto, de “fazer cabeças” e aquela piração toda dos brechtianos que insistem em não sair dos anos 60. E que – eu conheço a maioria- não os viveram. Breno e Wellington nos convidaram a afundar o dedo em nossas perdas e danos de amor. Só. Não são panfletários.
E querem mais?!!!!!
B- A questão da escritura
Barthes me dizia, ao ouvido, na Sorbonne do anos 70, que “texto era de tecer, tecido” mas poupem-me de continuar falando o resto, pois todos vocês já conhecem e toda minha erudição termina aqui .
Então vamos tentar desfiar alguns nós dessa trama.
1. Febre que me segue/-Sodomia Song já começam com rima interna no título. Bom,né?!
2. Depois Breno segue a trilha de Beckett em Improviso de Ohio. Os que nos precederam escreveram para nos dar trilhas. Breno buscou de lá a marca da batida – pedindo repetição - inteligentemente repetida por Tiago ao fundo, na leitura de Welington. O resto todo ele re-escreveu, mantendo-se curiosamente fiel a Samuel. Lá está, no texto de Breno, a criação da relação com o menino, lá está a busca de um tempo que ficou travado em algum lugar, cavando um fosso que se afunda ao passar dos anos, lá está o convite para o encontro que se perdeu em algum lugar. Lá está Breno contando com uma incrível segurança, o buraco que se faz dentro de nós quando começamos a pronunciar a palavra amor e quando ela começa a se solidificar e querer sua permanência. Leiam, por favor, e encenem o texto de Breno.
O texto de Breno é de uma dor absurda, porque delicada.
Eu fiquei passado. Estatelado.
Me dizendo “ não estou acreditando no que estou vendo: filho da mãe, ele conseguiu!”
3. Depois Wellington aparece numa fúria dantesca, zécelsonesca, apocalíptica, shakespeariana.
Falando de amor. Perdas. Solidão. E aquela mesmíssima coisa poderosa já garimpada no texto de Breno, chamada permanência. Tentativa de segurar o que escapa repetidamente por entre os dedos. Amor. Só isso. Nunca achei que teatro tivesse relações concretas, palpáveis, objetais com a vida. A vida já faz cena demais para se ainda inventar o teatro para isso. Mas parece-me também que os grandes textos fortes tem essa propriedade de nos confundir, por nos conduzir por lugares que parecem naturais, vitais, só por serem repetidamente trilhados pela humanidade, só por andarmos repetidamente naquele mesmo caminho. E é isso uma das coisas que esse texto de Wellington tem de esplêndido: todos nós já passamos por ali e sempre que passamos foi com fúria. Daí o nome de paixão. E sempre que passamos, passamos. Daí o travo, a trava, a vontade de retornar, refazer caminho, repisotear as próprias pegadas e dessa vez já muito fundas por tantos que já as fizeram, inclusive o outro que queremos que venha conosco e já perdemos. Leiam, por favor, e encenem o texto de Wellington.
O texto de Wellington é de uma dor absurda, porque absurda.
Não sei como conseguiu escrever.
Abre com o Hamlet pai desnecessariamente amado e fecha com o pai perdidamente odiado.
Eu fiquei passado. Estatelado.
Me dizendo “ não estou acreditando no que estou vendo: ele conseguiu!”
Wellington e Breno se mostraram finalmente seguros, não devendo mais nada a ninguém, trabalhando textos límpidos, duros, incisivos, fortes, modernos, caras! Pós-modernos, caras! Pós-dramáticos, caras! Pós-Contemporâneos, caras! Dramatúrgicos-Fora-do-Eixo, caras!
C - A questão de algumas coisas, por aqui.
É por isso que já odiei uma imensidão de encenações & textos ocos e inócuos de nossa cena teatral em que por mais que você tivesse benevolência e santíssima paciência em cavar, não se conseguia achar nada nas entrelinhas, nada por debaixo, nada no subsolo.
D - A questão da Leitura.
Tiago impecável, lindo, gostoso, convincentemente movimentando o corpo, esse objeto de desejo geral. Era esse seu papel, ora.
Num segundo movimento, bofe, ou seja lá que figura for aquela de óculos escuros, parada ali. Com apenas dois pequenos movimentos, duas orientações possíveis, Tiago enche o papel de fundo da cena como um ator de primeira, já famoso pelo seu excelente trabalho nos Embromation. Duca [****]
Breno, quem vai lá duvidar que Breno dê um texto legal, ainda mais sendo dele e de Welington? Tava em casa, tranquilamente desejante e meio acabadaço por ali. Justo. Perfeito. Duca.[****]
Nelson parecia estar numa linha de montagem com Breno e Rodrigo, tão equilibrado nas diferenças , nas implicações e pequenas nuances de leitura, na musicalidade- como diria minha Nina Simone. Perfeito. Duca.[****]
Rodrigo, estava solto na buraqueira. Rápido, preciso, perfeito, ora delicada, ora baloiçantemente gay. Duca.[****]
Aí tudo rolou, por causa dos excelentes textos e por causa deles, entre tensão e relax.
Cara, vou repetir: adoooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooorei!
Por favor, Breno, Welington não parem de escrever.
Vocês acharam o caminho, pô!
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[*]Esse livrinho majestoso onde se encontram registrados as afirmações infalíveis da fé cristã católica é de uma leitura que dá vômito em qualquer pessoa um pouco mais sensata.
[*]Esse livrinho majestoso onde se encontram registrados as afirmações infalíveis da fé cristã católica é de uma leitura que dá vômito em qualquer pessoa um pouco mais sensata.
[**] Vai ter gente que irá pensar que minha adaptação de Eduardo II, de Marlowe [*****] é “sobre” homossexualidade, quando é uma imagem da infâmia. Infâmia não é um tema nem um conteúdo. É apenas uma imagem, apenas uma forma. Como tantas outras formas de se corromper o amor, é um caminho pelo qual as pessoas deslizam para a solidão. Mas enfim, quem sou eu para lhes falar amor.
[***] Meu Eduardo II se chama O Rei e seu Amante, e já foi adaptado antes de mim por Brecht, mas o meu é beeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeem melhor...
[****] Duca leia-se du caralho!!!- conforme notação de meus anos 60! Eu só tinha 16 aninhos. E era também muito gostoso, viu Tiago!
[*****] Volta Kil, seu titica! Não ouve mais a gente não, é? Tamos com ciúme!
Mi che lo to! Eu volto, mano. Mas, ando preguiçoso de ir com as próprias pernas. Me convidaram et tals. Mas, depois acho que resolveram desconvidar (esse mercenário FDP! - Sofro de síndrome de perseguição e quase ouvi isso, juro). O chato, chatíssimo, é que ninguém mandou um sinal de fumaça pra dizer: não vem, não, desista, desista de nós porque nós desistimos de você. Ou tanto faz - o que é pior.
ResponderExcluirVou comendo aqui, pelas bordas, imaginando que deve mesmo ser bacana essa cena do Wellington, Breno e Cia. Sigamos, pois, pra cima e pra frente. Me deleito com outros pernambucanos & cearenses & mineiros & gaúchos & cariocas e tais em terras de Sampã.
Em novembro, se ainda lembrarem das merdas que eu fiz por ai, talvez me convidem pra ir pagar uma prenda ou ir ver o sol nascer ainda mais bonito na praia de Boa Viagem. Aquele doce abraço.
Ô Kil, vc não foi desconvidado não homem, o negócio esse ano foi a verba rapaz, a Prefeitura do Recife aprovou o projeto e tá liberando em conta gotas as parcelas, o Governo do Estado até hoje não deu o resultado do Funcultura e nós tivemos, ou melhor ESTAMOS com um monte de dificuldade, daí tivemos que cortar algumas coisas. Não gostamos de não oferecer uma boa estadia aos nossos convidados. Nem pense que desistimos de vc viu? Teremos outros eventos e com certza convidaremos vc, pra estar conosco vendo o sol nascer em BVG.
ResponderExcluirAh Kil, realmente agora lembro que até esquecemos de mandar a justificativa acima pro teu e-mail não foi? Mas rapaz, foi a correria e o choque da falta de verba que nos deixou desorientados, desculpe ai, por favor.
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