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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Leitura Crítica - Paralelas do tempo - A teatralidade do não ser

O TEMPO NÃO CONHECE A VIDA
Dyego Albuck

É citando Mário Quintana que começo a escrever minha crítica sobre a pesquisa “Paralelas do tempo - a teatralidade do não ser” da Cia Fiandeiros de Teatro. O trabalho aprovado pelo FUNCULTURA, objetiva investigar a vivência de moradores de ruas do Recife e, a partir de seus olhares, construir um diálogo que busca extrair a teatralidade que permeia esse universo. Com temas que vão desde traumas pessoais, violência, vida e morte, se formam os três quadros “Salobre”; “O presente” e “A cura”.

A investigação que começou em junho de 2010, é apresentada pela primeira vez no Festival Palco Giratório Recife em maio de 2011, onde tive o prazer de assistir esse work in progress. Desta vez nos encontramos novamente, em uma nova apresentação promovida pelo Seminário Internacional de Crítica, para discutir e aprofundar mais algumas questões dessa natureza tão presente e, ao mesmo tempo, distante de nós.

André Filho, diretor do processo, nos conta que o mote de começar essa pesquisa veio da própria sede da companhia que se encontra em lugar onde vivem muitos moradores de rua, leia-se Rua da Matriz, nº 46 - Boa Vista. A pesquisa, sem fins sociais, não tinha pretensões de montar um espetáculo, essa análise serviria apenas como um exercício dramatúrgico. Os nove meses de pesquisas foram embasados por filmes, textos, entrevistas e o trabalho de campo, em que os atores se vestiram de moradores de rua e andaram pelas ruas recifenses com o intuito de explorar e conhecer aquele mundo novo. Com um material de trabalho consistente houve a necessidade de explorar mais os caminhos da teatralidade, a partir de questionamentos sobre a invisibilidade do ser, e assim mostrar e trocar essas experiências com o público, visto que cada apresentação do processo teve um debate no final para discussões. Deste modo, nascerá o próximo espetáculo do grupo que se intitulará “Noturnos”.

Cada quadro encenado nos desafia a imergir e a repensar sobre a vida desses taciturnos personagens que, com uma dramaturgia poética, se tornam matérias-primas, pois já diz Quintana basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira. E foi com momentos de eternas idades que foi apresentado o processo da Fiandeiros.

Salobre, interpretado por Daniela Travasssos e Manuel Carlos conta a história de um ex-palhaço e uma musicista que só toca uma música. Iluminados por tons âmbar e azul, aqueles moradores de rua sonhavam com uma vida melhor. Os dois personagens que se encontraram devido a um fatídico episódico ocorrido com o palhaço que, dormindo em um banco de rua, iria ser queimado por jovens arreadores, mas foi resgatado pela menina. Tudo o que restavam para eles era a mala do tempo coberta por fotos, memórias e lembranças de quem procurava um mapa para sair daquele lugar. A morte da alma também é um tema presente, pois como diz um dos personagens “Os olhos de quem consegue ver é a morte para quem é invisível”. A dramaturgia é bem feita, vemos cada fio da história ser construído com poesia, vale ressaltar aqui a interlocução de Daniela Travassos nas “vozes do locutor” em que percebemos claramente a construção do drama da personagem. O que me incomoda um pouco é a caracterização dos personagens, principalmente da menina que por ser uma moradora de rua se mostra muito clean, mesmo que seja a proposta do espetáculo. Ressalto também a maquiagem de Manuel Carlos que feita na cena, é simples, mas causa uma comoção e uma faísca de esperança ao ver tons de alegria em um cenário de profunda tristeza.

No presente, confesso este ser o meu quadro preferido, graças à atuação de Kellia Phayza que magistralmente dá vida a uma cega que espera uma filha que nunca chega. Contracenando com ela temos Paula Carolina, uma menina que se torna sua guia, sua melhor amiga graças a uma enchente, da qual foram vítimas, e juntas segue a jornada da vida. As duas personagens permeiam por temas como prostituição, fome, religião e também a morte. Quero citar aqui algumas das frases construídas por André que comungam com uma poeticidade melancólica e faz tocar a quem está assistindo: “Sentir fome é um sinal de quem tá vivo”. “Só o que tem valor é o que não é invisível”; “Quanto custa um beijo?”; “Quando a gente dá um presente é o presente que tá entregando a pessoa”; “A gente não consegue viver sem a solidão”. Através dessas frases vemos duas personagens que estão em busca de gozar a liberdade e chegar à rua do qual não se pode entrar. O quadro é a própria elegia da esperança que renasce a cada caminhar das personagens.

O último quadro “A cura”, é o quadro que mais se difere dos outros apresentados, Jefferson Labos surge no palco emitindo sons estranhos com uma língua inteligível, que a priori causa estranhamento, mas demonstra um excelente trabalho de ator. A dramaturgia posta em cena nesse quadro emerge situações que mais se aproximam do universo dos moradores de rua, visto que exalta a insanidade de um homem que busca em um diálogo com um manequim falar de um mundo que é metáfora de tudo, propagar palavras que expressem o vazio dos pensamentos. A personagem proclama o verbo das horas, momentos de violência, revolta e solidão onde o tempo é o tempo, onde há espelhos sem molduras, onde há a luz e a escuridão, onde há o reflexo da vida, onde as mãos matam por amor, onde há a cura.

Em um trabalho colaborativo os atores dão vida a personagens que clamam por olhares, em que procuram nesses seres a sua teatralidade em uma pesquisa estética onde aborda dramas pessoais que evocam um ar das ruas recifenses fazendo com o que esses assuntos sejam discutidos, ou pelo menos, revistos por nossa sociedade que se mostra apática dessas pessoas “invisíveis”.

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