Por Márcio Bastos
O jovem como agente ativo da sua própria história.
Uma cena emblemática do filme "O Ódio" (La Haine, França, 1995), mostra um grupo de jovens vagando pelas ruas de Paris quando se deparam com uma propaganda onde é possível ler a frase "o mundo é de vocês". Um deles, munido de um spray, substitui "vocês" por "nosso". Essa pequena mudança altera completamente o sentido da frase: o mundo não está sendo dado àqueles jovens, não é uma concessão - é deles de fato. O espetáculo "Círculos Que Não Se Fecham... Experimentação N.1", da Trupe Circus, da Escola Pernambucana de Circo (EPC), possui um pensamento semelhante: o jovem não é um agente passivo da história, e sim, construtor dela.
Quando os artistas entram em cena pela primeira vez, executando uma coreografia de street dance, ao som do funk "Eu Só Quero É Ser Feliz" tem início uma experiência que propõe um olhar aguçado sobre assuntos cotidianos, mas quase sempre ignorados. Concebido e montado pela trupe da EPC, "Círculos..." se beneficia de uma equipe altamente empenhada, cujo o grande mérito está na visível paixão à arte que conseguem imprimir ao espetáculo. Aqui, o importante não é apenas a qualidade técnica dos profissionais (que vale ressaltar, é boa), mas a intenção de conceber um espetáculo que fale da juventude pelo olhar dos próprios jovens.
"Círculos que não se fecham... Experimento nº1" é uma experiência que possui um apelo universal, uma vez que trata da juventude. Estão ali os sentimentos de angústia, inconformismo, descoberta da sexualidade, amizade, drogas. No entanto, é realidade brasileira que está fortemente impressa nos passos de dança, na teatralidade e nos movimentos circenses que compõem o espetáculo. O espetáculo consegue representar a inquietação de ser jovem em um espaço que, ao invés de possibilitar o desenvolvimento do indivíduo, parece querer, de alguma forma, derrubá-lo.
Ao misturar elementos circenses, como malabarismo e acrobacias, da dança e do teatro, a trupe de artistas da EPC consegue conceber uma obra dinâmica, que flui sem dificuldades. O espetáculo atravessa diversos tons sem se perder nessa transição. Se no começo impera uma atmosfera opressora, com muitas sombras, música pulsante e movimentos agressivos, no decorrer da apresentação o clima vai sendo aliviado, abrindo espaço para uma narrativa mais alegre e esperançosa.
Um dos momentos de destaque de "Círculos..." é a coreografia executada por um casal de artistas que, ao som de um música brega-romântica, representam uma cena de agressão às mulheres. Esse momento, no qual o público acompanha o sofrimento da moça, é sucedido pela entrada de uma terceira artista, que representa uma espécie de heroína, invertendo os papéis e fazendo do homem o submisso. Logo após a saída das duas mulheres, o agressor/agredido continua desfalecido no chão. Entra então mais um casal, que logo abre mais um fio dramático. Sabe-se, a partir daí, que o homem que anteriormente havia agredido sua companheira era um homossexual enrustido. A cena em que ele e o casal performam um triângulo amoroso conflituoso, em cima de trapézios, é emocionante.
Vale ressaltar também, a empolgação da platéia presente. Os números apresentados eram recebidos com muito entusiasmo, e o apoio aos artistas (principalmente quando estes cometiam erros e, logo depois, tentavam mais uma vez, superando-se) era contagiante. No final, "Círculos que não se fecham... Experimento Nº 1" é uma grande celebração ao ser jovem, à capacidade de sonhar, mesmo em um mundo cheio de contradições.
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