George Carvalho
MelO simbolismo feminino do século XX
A cena é bela. Quando Gerrah Tenfus joga mel sobre o corpo e se arrasta, agonizando como se fosse um suicida, dá-se a libertação daquela figura esquizofrênica, que se contorce minutos antes e cuida dos afazeres domésticos. A cena de São José de Rio Preto (SP) é um experimento cênico muito particular, que gera um certo incômodo na platéia, em parte pela escolha da trilha sonora desconfortável.
Não há falas, diálogo. Apenas o ser que entra, com uma criança no colo, lava roupa, fuma e encontra no ‘mel’ o seu desfecho. Chama atenção a iluminação muito bem desenhada, sendo o grande trunfo da cena, responsável pela poesia de cada movimento.
No entanto, ao tentar abordar “a figura feminina no contexto do consumismo”, Mel fica preso a uma realidade do século passado – embora ela ainda persista em vários rincões do continental Brasil. Isso faz com que a cena do grupo paulista apresentado no Seminário Internacional de Crítica Teatral, embora tenha um tom vanguardista na forma, transmita um discurso reacionário e, por que não dizer, até mesmo um pouco conservador.
A cena é demorada. O momento em que o personagem se contorce num ataque epiléptico chega a ser enfadonho. Apesar de tudo, Mel não deixa de ser interessante pelo que se propõe a fazer, pela reflexão que se dispõe a fazer. E é uma obra bastante coesa, com uma dramaturgia interessante, que demonstra um certo cuidado na sua construção e passa longe de amadorismos. Uma obra peculiar, que apesar de algumas arestas que poderiam ter sido melhor aparadas, revela uma construção dramatúrgica bem alicerça.
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