Márcio Bastos
Este ano, o Seminário Internacional de Crítica Teatral recebeu pela primeira vez o ReciFastTeatro. Com a proposta de apresentar trabalhos de cenas curtas dentro da programação do evento, o projeto teve suas últimas montagens na última quinta-feira (1). Falaremos a seguir de três das seis cenas apresentadas, “Dois Pra Lá, Dois pra Cá”, “Mancha de Sangue” e “E Se Fosse Você... Aqui, Exatamente Agora?”.
Reunir vários textos bastante diferentes entre si, sem um aparente critério específico além da duração, é uma opção arriscada. Dentre os problemas que podem ocorrer está a mistura de obras excelentes e outras regulares, claramente separadas por propostas artísticas díspares. É o que aconteceu no I ReciFastTeatro.
Falemos primeiro de “Dois pra Lá, Dois Pra Cá”, da Cia. Cênicas de Repertório (PE). Na cena, um casal de colegas de trabalho resolve trair seus respectivos cônjuges. Estão eles em um apartamento emprestado por um amigo do rapaz, quando a moça, insegura e se sentindo um pouco culpada por estar ali, ouve a canção “Dois pra cá, dois pra lá”, interpretada por Elis Regina. Após o término da música, o locutor avisa que a “Pimentinha” havia morrido. A moça, que já tinha dúvidas se deveria estar ali, começa a colocar vários empecilhos para a consumação do adultério, deixando o rapaz enfurecido.
Contando com três atores (além do casal, o rádio é interpretado por um ator que dubla Elis), a cena acerta ao apostar em sacadas cômicas que chegam a parecer surreais, mas que, no fundo, são extremamente plausíveis. Afinal, quem nunca soube de alguém que, prestes a “fazer algo errado”, arranja todo tipo de desculpas para não ir até o fim? Não seria Elis, o rádio e a indecisão da fã apenas artifícios que a mulher – insatisfeita com sua vida sexual no matrimônio, mas que tem remorso de trair – usa para fingir para si mesma que talvez o melhor seja concentrar suas atenções em outro assunto ao invés de ir em frente? Em resumo, o texto possui agilidade e é sagaz. O entrosamento entre os atores também é um ponto positivo, e as piadas divertiram o público.
Já “Mancha de Sangue”, da Anjos de Teatro (PE) entra no rol das obras irregulares, quase que destoando das outras cenas apresentadas. A companhia, que pouco antes apresentara o bom “Giorgia” conta aqui a história de quatro pessoas condenadas pela Inquisição Católica - uma prostituta, um homem acusado pelo pecado da usura, uma judia e um feiticeiro. Em poucas horas, eles serão julgados e condenados à morte na fogueira. Os personagens entram em cena ao som de uma canção de heavy metal. Aliás, esse foi um grande acerto do grupo, pois esse estilo musical reflete bem a confusão que se passava naquela época. Um certo espírito raivoso, perdido, ansioso e, acima de tudo, amedrontado. No entanto, a história do suicídio coletivo e o final com pretensões de ser surpreendente mostram-se muito rasos.
Ponto alto da noite
Fechando a noite, foi apresentado “E Se Fosse Você... Aqui, Exatamente Agora?”, da carioca Clã de Nós. Protagonizada e escrita por Léo Castro, a cena é um monólogo magnífico que brinca, sobretudo, com a ideia do ser ator". No primeiro contato com o público, inseguro e sem saber o que falar, o personagem cria, de cara, uma empatia enorme. Vestido socialmente ("para causar uma boa impressão"), ele logo diz que não tem nada para contar, e que sua vida não tem nada de interessante. No entanto, começa a narrar algumas histórias que aconteceram com ele no Encontro Nacional de Comunidades Alternativas (ENCA). A partir de então, o público se entrega a minutos (que poderiam, literalmente, ser horas) de risos, todos genuinamente provocados pelo (tímido?) narrador.
Não tem como negar: a força maior da cena está na atuação de Léo Castro. O texto, obviamente, é maravilhoso, mas não seria nada sem a interpretação no ponto do rapaz. Se um monólogo já é difícil de sustentar, com um texto curto essa tarefa se torna ainda mais árdua, pois o artista precisa abrir e fechar a história e envolver o público em cerca de quinze minutos.
As sacadas da cena são maravilhosas. O nosso narrador, que se diz um não-especialista em nada ("nem platéia eu sei ser") é na verdade uma grande representação de nós, o público. Quem nunca se perguntou se deveria responder na hora que o ator indaga alguma coisa aos espectadores? Além disso, as indagações que ele levanta são muito pertinentes. O que é o ator se não consegue provocar, causar? Como julgar um ator? No final, é impossível não querer ficar de pé e aplaudir o magnífico trabalho do ator, dramaturgo e de sua diretora. Maravilhoso.
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