Brincadeiras
Paulo Vieira
Fazer teatro para crianças é uma das coisas mais difíceis. A premissa parece contraditória, à primeira vista, pois que aparentemente este é um público sem massa crítica, disposto apenas ao lúdico, fácil de enganar com qualquer balinha, com qualquer cara de palhaço.
No entanto, basta o leitor procurar de memória quantas peças para crianças povoam o seu imaginário, quantos textos marcaram a sua experiência de leitor ou espectador, e fatalmente cairá numa conta muito simples. Dos nomes que devem vir à sua mente, a não ser que eu esteja inteiramente enganado, vão saltar quase que imediatamente os de Maria Clara Machado, com o seu clássico Pluft, o fantasminha, e o de Sílvia Orthoff com o seu não menos clássico A viagem de um barquinho. Para os que são dedicados espectadores ou leitores ainda poderá vir o nome de Ilo Krugli, criador do grupo Vento Forte, em São Paulo, um teatrinho que muito se parece com o seu criador, a casinha de um duende, onde Ilo há muitos anos transforma panos em poesia. E há ainda o nome do pernambucano João Falcão, com o seu sempre sensível Um pequenino grão de areia.
O teatro para crianças, do meu ponto de vista, se encontra diante de um grande desafio, porque não basta amar as crianças para se criar para elas obras que as seduzam. Via de regra, este teatro comete um erro crasso quando se arvora a ser didático ou pedagógico, o que é muito comum, quando não resolve por força do que nem imagino ser moralista. Certa vez eu li uma entrevista do José Celso Martinez Corrêa na qual ele dizia que criança não gosta de teatro infantil, criança gosta de teatro.
Atualmente o cinema tem posto para o teatro para crianças um enorme desafio. Isto porque, ao passo em que o teatro para a infância encontra dificuldade para se renovar tematicamente, o cinema, ao contrário, traz para a tela temas que são ao mesmo tempo contemporâneos e divertidos, às vezes nem tão divertidos, mas sempre inteligentes, que tratam a inteligência da criança na medida exata do que ela é, e por isso o cinema tem sido capaz de seduzir não apenas as crianças, mas aos pais também.
Ora, algo que é bom nessa área não é bom apenas para as crianças, mas o é para o adulto também. Invertendo a lógica do José Celso Martinez Corrêa, eu diria que qualquer teatro para criança é bom quando é bem feito, qualquer teatro para criança seduz o adulto por ser teatro, não por ser infantil.
Ao contrário do que se possa pensar o público infantil é exigente sim. O grande desafio do teatro para crianças é o de entender que a criança não pode e não deve ser tratada como se fosse uma ingênua criatura, e que o teatro teria uma função didático-pedagógica em sua formação. Armadilha esta da qual o cinema se livrou já tem algum tempo.
Foi com esse olhar que eu fui assistir ao espetáculo Brincadeiras, da Cia Metamorfose, de Manaus, no Teatro Barreto Júnior, Recife, durante o Seminário Internacional de Crítica Teatral.
No programa, encontro a confissão sincera do autor do texto, o baiano Raimundo Matos de Leão, quando ele afirma que passados tantos anos após ter escrito o texto, ainda lhe vem à lembrança a insegurança que vivenciou ao compor este que é o seu primeiro texto destinado ao teatro para crianças.
Mas se a insegurança é uma terrível condição do autor, em relação à montagem dirigida por Socorro Andrade, eu creio que ele pode ficar bem tranquilo, porque o espetáculo é bastante divertido, dinâmico, conduzido por quatro atores jovens, estudantes de teatro, e com muito bom domínio de palco. O espetáculo é criativo e alegre, cheio de figurinos e de objetos cenográficos usados com bastante propriedade pelos atores. Além do mais, há as músicas executadas ao vivo, algo que o torna ainda mais alegre.
Brincadeiras é como diz o próprio nome, uma grande brincadeira proposta pelos atores, nos quais se vai reviver ou rememorar as brincadeiras pré-internet, pré-televisão e pré-apartamentos substituindo as casas, os playgrounds em oposição às ruas e os quintais. O texto, levemente adaptado para a realidade amazônica do grupo, faz vez ou outra referência a coisas típicas de lá, num interessante processo de absorvimento cultural, uma realidade e outra se somando para juntar Amazônia ao nordeste, como que afirmando que criança é a mesma em toda a parte.
O único senão que encontro no espetáculo fica ao nível da interpretação dos atores. Não que seja má, não isso. Mas me parece que repete um clichê entre os muitos que cercam o teatro para crianças, e, nesse caso, é o de adultos se fazerem passar por crianças, com voz em falsete muitas vezes, querendo imitar voz de criança, algo que me parece absolutamente desnecessário, porque melhor do que ninguém a criança sabe que quem ali representa não é uma criança, isto por um lado, e por outro, contribuindo a falsa voz para uma falsa interpretação.
Afora esse detalhe, o espetáculo segue muito bem. A Cia de Teatro Metamorfose existe desde 1993 realizando espetáculos para crianças, inclusive tendo implantado em Manaus visitas a hospitais, integrando-se ao movimento “Palhaços em Rede” desenvolvido pelos Doutores da Alegria. Enfim, um espetáculo para crianças que adultos assistem com o mesmo prazer.
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