DOIS PRA LÁ, DOIS PRA CÁ
PIMENTINHA VIVA
*Jorge Bandeira
O locutor anônimo conduz as emoções e sensações deste DOIS PRA LÁ, DOIS PRA CÁ, da Cênicas Cia de Repertório, texto de Mário Viana com direção de Antonio Rodrigues. A música de Elis Regina é o pulsar desta cena curta, onde Manu Costa, Rogério Vanderley e Manoel Francisco interpretam um trio ternura, pero no mucho, com humor e desenvoltura, para alegria dos ouvintes, desculpem, espectadores do RECIFASTTEATRO.
A ação se inicia com o encontro do casal de amantes, que estão prestes a chegar à consumação desta relação proibida quando o rádio anuncia a fatídica notícia da morte da cantora Elis Regina. O intervalo deste promissor almoço transforma-se num embate entre o poder da canção e a pulsão da excitação. Murilo e Carolina encontram-se na encruzilhada, e com muito humor as cenas se realizam, sempre com o locutor anônimo como fio condutor da trama.
Carolina vive suas emoções pela voz de Elis, que a fazem pensar e agir, e o fim trágico da cantora pode, nesta inusitada situação, representar o fim também desta relação com Murilo. Murilo é aquele que quer ir direto ao ponto, sem canções de Elis para atrapalhar sua vontade de ter Carolina neste intervalo, curto, de sua atividade no escritório. A música e a morte de Elis são permanências mais vibrantes para Carolina, e este almoço que poderia resultar no algo mais se transforma numa refeição de humor e de tentativas de mudar uma idolatria, no caso, a de Carolina, dominada pela notícia da morte e com o suporte teatral deste locutor, que é um dos pontos máximos desta breve cena. Hilariante são as intervenções do locutor, que mantém uma classe e imparcialidade frente às duas personagens enamoradas.
O locutor anuncia as canções em efeméride para Elis Regina e a cada canção a situação de Murilo e Carolina se condiciona por uma intenção guiada pela letra das canções, seja “dois pra lá, dois pra cá” ou “o bêbado e a equilibrista”. A ação se faz pela música. Murilo tentará em vão fazer Carolina se desvencilhar da emoção e comoção pela morte de sua querida Elis, sua preferida cantora. Murilo, com seis meses de paquera é refém desta hilária situação.
O intérprete tem a empatia com sua parceira de cena, e o casal realiza suas ações de maneira instigante, com graduações de emoções e com movimentação firme de seus personagens. O momento da suposta cama, e suas interferências neste confuso amor, são pontos altos da interpretação do trio, numa união perfeita da triangulação cênica que estabelecem. “Os sonhos mais lindos, sonhei...”, e tudo acontece, quase. A música interrompe, cessando o ápice, causando risos aos ouvintes, desculpe, na plateia. “Alô, alô, Marciano, aqui quem fala é da terra”, e dá-lhe risada do público, e Murilo transforma-se em alienígena da relação. A Fascinação de Elis domina por completo a vida de Carolina, e este domínio torna-se maior com a morte anunciada pelo locutor, este “louco-ator”. Carolina, em meio a tantas confusões perpetradas, fica com uma chave na mão para nada fazer, e Murilo sai de cena, antes anunciando que de agora em diante vai paquerar uma surda. E neste momento o locutor sai de seu “estúdio”, triunfando pelo palco com sua saia de Elis Regina, em mais uma dublagem contagiante da pimentinha. Quanto mais se morre, mais se vive, os mortos dominam os vivos, e assim, neste bom programa de rádio, o Teatro triunfa de qualquer forma.
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