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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Seminário Internacional de Crítica Teatral - edição Manaus 2011


Programação
dia 11/10 -
Palestra: As razões para um corpo se expressar - considerações de um ator sobre seu aprendizado na mímica corporal dramática
Palestrante: Alexandre Brum Correa / RS
Mediador: Dyego Monzaho / AM



segunda-feira, 3 de outubro de 2011

8º Festival de Teatro da Amazônia e Seminário Internacional de Crítica Teatral - edição Manaus 2011

A Federação de Teatro do Amazonas divulgou no último dia 20.09 a programação do 8º Festival de Teatro da Amazônia que acontecerá no período de 07 a 16 de outubro de 2011 em Manaus/AM.

A organização do Festival de Teatro da Amazônia (FTA) divulgou na manhã da última segunda (20), a lista de montagens selecionadas para a mostra competitiva. A curadoria composta por Humberto Ferreira Braga (Rio de Janeiro), Lúcia Helena Correa da Fonseca (Brasília), Marcelo Victor Mendes Bones (Minas Gerais), Paulo Roberto Vieira de Melo (Paraiba) e Gabriel Guimard (São Paulo) escolheu entre os 41 inscritos, sendo 29 na categoria adulto e 12 na categoria para infñcia e juventude os 18 espetáculos que comporão a programação. (Vide abaixo a programação)


Dentre as montagens selecionadas, três são de outros Estados. São eles: “João e Maria”, da roraimense Criart Teatral, e “Mistério no Reino da Catiripimpim”, da acreana Cia. Trupe do Banzeiro, na categoria infantil; e “Apenas um blues e uma parede pichada”, da Cia. do Lavrado, de Roraima. As 15 demais montagens são do cenário local de artes cênicas.

Além da Mostra Competitiva, o 8º FTA promoverá uma Mostra Paralela com grupos de teatro de rua do Amazonas e de outros Estados e países, que se apresentarão no Largo de São Sebastião e na Praça Heliodoro Balbi. Estão confirmadas as participações da Porantim Cia. de Dança e Teatro, de Maués, com o espetáculo “A lenda do guaraná”; da Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais, de Porto Alegre, com “Negrinho do Pastoreio”; do Galpão das Artes, de Limoeiro (PE) / (Foto abaixo); e do Circo VE, da Argentina. Outras duas atrações devem ser ainda confirmadas e anunciadas pelos organizadores do festival.

Foto de Gustavo Túlio

O 8º FTA deverá ter em sua programação ainda convivências e, tal como na edição passada, e a segunda edição do Seminário Interncional de Crítica Teatral - edição Manaus 2011, que reunirá dramaturgos e críticos de teatro de Manaus e de outros Estados e países. Parceria firmada em 2010 com entre a Renascer Produções Culturais e a Federação de Teatro do Amazonas que proporcina o intercâmbio entre os estados. na edição Recife do Seminário este ano aconteceu uma mostra de espetáculos do Amazonas e estiveram no Recife 04 grupos de teatro do Amazonas com 39 pessoas ao todo.

O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental. A programação deste ano será composta por:

Dia 11.10
Palestra: As razões para um corpo se expressar - considerações de um ator sobre seu aprendizado na mímica corporal dramática
Palestrante: Alexandre Brum Correa / RS
Mediador: Dyego Monzaho / AM
Dia 12.10
Palestra: A Formação de Teatro
Palestrantes: Ivam Cabral / SP, Wlad Lima / PA e João Fernandes / AM
Mediador: Leidson Ferraz  / PE
Dia 13.10
Palestra: Novas teatralidades: o diálogo entre Circo e Teatro
Palestrantes: Rudimar Constâncio /PE e Selma Bustamente / AM
Mediadora: Socorro Andrade
Dia 14.10
Mesa Redonda: Nova Dramaturgia Amazônica: por uma dramaturgia fora do eixo
Participações: Denni Sales/AM, Francis Madson/AM, Márcio Souza/AM e Jorge Bandeira/AM
Mediador: Wellington Júnior

O Seminário conta com a coordenação da Renascer Produções Culturais que tem como organizadores Luciano Rogério, Wellington Júnior e Roberto Carlos que estarão em Manaus acompanhando todo o festival  


PROGRAMAÇÃO DO FESTIVAL
08/10
10h – Mistério do Reino de Catipiripimpim – Cia Trupe do Banzeiro
20h – Coisas pra depois de meia noite – Denni Sales

09/10
10h – Assembleia das Arvores – Associação Amazônia Arte-Mythos
20h – Trans- – Cia Cacos de Teatro

10/10
10h – João e Maria – Criart Teatral
20h – A vingança do boto – Grupo teatral Arte Norte

11/10
10h – A Bela Adormecida – Cia de Teatro Metamorfose
20h – Deus Danado – Daniel Mazzaro

12/10
10h – Quadrinhos, posso entrar na sua história? – Grupo de Teatro Plural
20h – Francisca – Teatro Experimental do SESC - TESC

13/10
10h - O Circo da Ilusão – Cia de Teatro Língua de Trapo
20h - Apenas um Blues e Uma Parede Pichada – Cia do Lavrado

14/ 10
10h - História de um Barquinho – Cia Vitória Régia
20h - Ventos da Morte – Associação dos Artistas Cênicos do Amazonas - Arte e Fato

15/10
10h - O casamento da filha de mapinguari
20h - Dom Quixote – Teatro Experimental de Alta Floresta

16/10
10h – O Dia em Que a Terra Dançou – Uma Tragédia para a Juventude – Associação dos Artistas Cênicos do Amazonas – Arte e Fato
20h – Dorothy Garland – Grupo de Teatro e Dança Origem

Leitura Crítica - Mãe In Loco

michelotto locuto, causa infinita®
Mãe - in loco

LOCUS como TEORIA

Aristóteles dixit que a gente só pensa lugar. O lugar de nascimento da teoreia é o teatro, uma vez que o termo designa a comissão de representantes de algum lugar que ia participar dos festivais na Grécia.

O grupo Cacos de Teatro poderia, por exemplo, ter sido a teoreia de Manaus, nesse Seminário

Iam andando por entre os olivais, conversando, conversando, daí a metáfora dessa andança (meta-odos) para a nossa teoria de hoje. Quando escolhemos um caminho para entrar num lugar e entramos no caminho, tornamo-nos metódicos. Teoreia ficou sendo, escolhido o caminho, o percurso onde se fala, o percurso da fala no lugar do percurso da comitiva.

Convoco-vos pois, a irmos junto conversando, parolando, papeando sobre nossos lugares, um dos quais se chamou Mãe- in loco.

Os ladinos latinos copiaram a imagem e a deslocaram de seu caminhar e sacanearam com tudo, criando pela primeira vez a imagem de lugar fora de lugar. O que é bem mais amplo que margem e marginalidade- a imagem alimentada dessa vez pelo sistema capitalista que bota para fora, exclui, o operariado, mas precisando dele para tirar-lhe a força de trabalho, prende-o numa faixa tênue, ás margens, à borda do sistema: o capitalismo inventou os marginais. Quando Hamlet, pré-capitalista fala O mundo perdeu seu equilíbrio, maldição eu ter nascido para consertá-lo, não fala apenas dos trabalhadores da Dinamarca, coveiros, pajens, palafrerneiros e tais, fala de algo bem mais marginal que toda marginália que conhecemos e definimos hoje.1

Já disse o bastante sobre isso citando grego à torto e à direita, topos, tópica freudiana, tópicos analíticos, espaço textual barthesiano, topologia coreográfica, lugar teórico, punctum barthesiano inserido dentro do conceito matemático de Locus, como conjunto de pontos que satisfaz uma determinada condição, o entre-lugar como espaço do corpo, busca abandonada de meus estudos doutorais dos anos 80, depois retomado por Silviano Santiago após conversas em meu apê de Candeias. E por fim, o lugar dos infindáveis quase tapas & discussões entre César Leal(*) e Ariano e outros menos conhecidos sobre o espaço kantiano, o Auditório do CAC. Discutia-se filosofia no auditório do CAC, sim senhor, honra a eles. Hoje é que não se discute mais nada. O único problema deles é que aquele locus era auditório, isso é: eles discutiam entre eles, o resto que ouvisse, e esse locus faz parte de um mundo que já dei como extinto. Um mundo terrivelmente chato para mim, porque a seu nome sempre acrescentamos apenas alguma perda e por isso, juro, a estou abandonando.

Tou mêrmo!

Já insisti também, na maioria de meus textos acadêmicos, que o maior eixo de transformação do pós-dramático foi uma nova concepção de espaço. E que isso não aconteceu primordialmente a partir de homens de teatro que Lehman cita, mas espalhadamente.

O movimento de deslocamento, distanciamento ou contestação, gerado por alguns poucos velhos dos 50, beatniks3 e outros, era um deslocamento interior em direção ao eu e assim foi seguido pelos jovens dos 60 duplamente.

Inicialmente um deslocamento para seu interior (drogas), fora do locus social (hippie),

depois deslocamento para fora do velho espaço e para dentro de novo espaço social (socialismo das esquerdas).

Essa foi a mudança de locus que me precedeu e da qual fiz parte. O resto é consequência. A consequência em teatro levou, açodadamente, o nome de pós-dramático. Estou tentando dar para vocês o sabor dos debates do Auditório usando termos como açodadamente, sacam? Tentando produzir em vocês o mesmo incômodo que produzia em mim.

Em teatro o deslocamento básico também foi duplo: distanciamento de nosso centro geográfico, o palco italiano, distanciamento do texto. Esse último, o mais barulhento pois texto como espaço, foi um conceito nascido nas novas teorias linguísticas e semiológicas despontadas nos anos 60, Barthes meu amor de então à frente, e em sua retaguarda o velho e suave Estagirita. (sentiram de novo o auditório?)

Se lerem o Japão de Barthes terão uma imagem razoável do que falo e quem sabe começaremos a ocupar a mesma sala quente, chão de Gerrah Tenfuss & a mesma sala gélida, metáfora, entre-lugar de Carol Santa Ana, dessa vez sem o olhar acadêmico de hiena, dessa vez com o prazer e sabedoria de um Artaud e do Oriente que o fascinou. Entender Mel ou Mãe- in loco, é deixar-se ocupar, deixar-se abordar, deixar piratas tomarem conta de nossas naus de velhos bucaneiros elisabetanos! Shakespeare também escrevia para piratas, era um pirata, e nós o deixamos entrar em nossas casas, não?

“Toda forma nova é sempre um assalto.

Leva sempre alguma coisa da gente”. [Michelotto citando michelotto]

Se pensarmos em cena, cenografia como lugares óbvios do locus cênico, veremos o quanto o pós-dramático cavou nesse solo para minar seu locus italiano, o palco. Esse “conceito” do Lehman é uma titica pois cabe qualquer coisa nele do Brecht ao teatro grego e polinésio, afe!! Brecht resumiu todo seu marxismo em exigir como marca constante o Ostranye/Verfrendung/ Distanciamento. Em insistir “ Isso é um palco, isso é um palco, isso é um palco”, como sua tentativa de evitar nossa alienação, a do público. A mudança em relação a Brecht é que hoje nós sabemos- e ele nem suspeitava- que o palco italiano de onde ele nunca saiu, não aliena apenas o público, mas também os atores, escritores e o danado do Brecht.

Em verdade não conseguiu tirara o seu da reta, então seu Verfrendung ficou incompreensível e injustificável para nós. Artaud que o diga.

Mas a geração dos rebordosos se agarrou a Lehman, rebordosos até porque que nunca leram Marx e sempre desejaram suavemente nossa morte. E desejaram ficar em nosso lugar teórico e aí se chamaram pós, pouco tendo a ver com o que cheirávamos, titicas comportados e bem integrados que são. Essas gracinhas bem comportadas textual, cênica e politicamente é que portam hoje o estandarte brechtiano que nos roubaram.

Portam-no não por Brecht, não por Marx, deus-nos-livre, não pelo teatro, não por uma ideologia de esquerda, mas pelo charme discreto da burguesia, seja lá o que ainda for teoricamente isso.

Ontem, ser Brecht dava cadeia com os milicos, que podiam até ser burrinhos mas intuíram certo que isso é mais que uma teoria teatral, é uma aplicação da teoria do conhecimento [errada ] de Marx e de seu corolário nas definições de Ideologia. Hoje, ai frisson, “ser Brecht” é um charme, especialmente se você acha que já esteve lá nos porões da liberdade por ter assistido 200 encenações de Barrela, e consegue ganhar uma boa grana brechtiana, discutindo por aí festivais de Verfrendung, ui!

Digo, fui.

Porque falar a partir desse espaço teórico nomeado Brecht?

Por que tem centro e seu centro é o distanciamento do público. Como se ator, personagens, textos, público já não fossem termos para práticas de distanciamento: profissão é sempre sobre diferenças de solos, personagem é sempre apenas o ressoar de outra coisa, persona, máscara, duplo, distanciamento. Público é sempre espaço de desencontros, distancias, diferenças. É isso que meu bom Pessoa define e nos convoca à distância de escritor para que outra vez conquistemos a Distância, do mar ou outra, mas que seja nossa, convocatória que já espargi aqui nesse locus de nosso sêmem, semanário.

Se até o espaço desta linha, vocês e eu conseguimos ficar juntos,

Se até aqui percorremos um caminho, mesmo e sobretudo barulhenta, festiva e alegremente gays [ing.: alegre] e festivais que todos somos- então nós podemos ser designados como teoreia de nosso teatro, então

nós podemos nos sentir indicados como grupo que porta momentaneamente a fala e a aborda e luta com ela e a conquista e a leva e trás, entre um palco e um público,

e como grupo, juntos outra vez,

outra vez teremos conquistado a Distância, do mar2 ou essa, mas que seja nossa!


Mãe –in loco

Iniciei com esse arrazoado inteiro aí acima sobre o espaço concebido pela Cacos de Teatro.

Espaço teórico sobre o qual edificaram seu texto que se converte em seu espaço cênico, esse corpo gelado de mulher, corpo im-próprio, fora de seu lugar, fora de si, sobre o qual transita essa Carol. Permitam-me mais uma vez falar Rimbaud, o menino que aos 16 anos assim cantou Ophelia, glosando uma frase de Shakespeare:

Eu sou apenas bela como a neve

E morrerei criança

E as águas me levarão em suas vozes loucas

Gritos agonizantes quebrarão meus seios de criança

Por demais humanos e por demais doces..

Há um frio que passa em nossa espinha, nessa encenação sensual, encenação que se coloca em lugar de nossos sentidos, move nossos sentidos de um lugar a outro, e esse frio é o lugar. O lugar foi pré-definido Mãe. Um título sempre faz parte da obra, não? A peça já começou quando lemos o programa. E eu já esperava pela Mãe e seu lugar ao me assentar com Polly na poltrona macia do Muda, frente a aquela groenlândia inóspita. Groenlândia é o único país que tem nome irônico. É branco, gelado e se chama green.

Mais ou menos como essa peça, essa personagem, essa atriz, esse chão, esse ajudante, esse espaço Muda: branca, gelada, mas incrivelmente green.

Vou aproveitar para falar dela Carol. Meuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu deeeeeeeeeeeeeeeeeeeus! Eu adoro ver gurias que a gente não consegue comparar com ninguém. Uma Polly, uma Carol e várias que andaram em cena nesse seminário. Eu vi todas grandes do teatro brasileiro, isso queria dizer carioca e paulista. Eu já recebi cusparadas de Fernada Montenegro e Kassia Kiss em peça “grega” de Boal e me orgulho disso, apesar desse Boal ter sido uma bela droga, um malentendido grego, uma porcaria que só Boal conseguiria fazer4, eu vi Elba nua e beijei Zizi ambas iniciando em Ópera do Malandro . Eu vi grandes do teatro pernambucano, vi Augusta Ferraz, a Guilhermina mais forte entre as que viveram Recife conosco, vi Sá Nana Diná, vi Geninha Borges e a vi em meu palco do Teatro Milton Baccarelli, e quem vê Geninha viu uma Rosa e quem viu rosas viu grandeza.

E fico eufórico, bem falante, a palavra é essa, quando vejo essas outras meninas: com 20 anos já estão na mesma altura que essas grandes divas, que gastaram a vida toda para chegar lá. Eu fico eufórico. E me digo: se com 20 anos são assim, meu deus, o que não serão quando as chamarem divas? Claro, se não forem para a TV por precisar ganhar mais grana do que os outros... Ali é o cemitério das divas. Vocês não sabem o que eram aquelas meninas ANTES de ficarem sentando e levantando, fazendo caretas improvisadas com Viola Spolin5.

Carol tem segurança total em cena. Carol tem domínio absoluto de si, do público, da cena. Carol é a que aquece tudo. Que mais se pode querer?

“Mãe- in loco é uma peça hard, de difícil compreensão”- dirão apenas os de Recife pouco afeitos ao novo mundo que se estabeleceu desde a década de 50 e insistem que estamos no ano 900, em plena Idade Média. Quando estamos na era do espaço genético.6

“Como então pode vir de Manaus?”- dirão os pouco afeitos ao admirável novo mundo cujas fronteiras são apenas essa telinha que nos separa, e não mais os limites territoriais de uma geografia insana, nacionalista e estúpida. Manaus é hoje um porto fluvial do Universo. Navega- se lá em @.com. Insisto: tudo é questão de definição do espaço, locus, topos, onde queremos viver. Por isso que Recife, muitas vezes, é apenas um porto fluvial do sujo Capibaribe, apenas um cão sem plumas. E só.

Mãe-in loco é uma peça extraordinária. O que significa que contém um ou outro senão, que me reservo o direito de conversar com a Cacos quando eu estiver em Manaus, são coisas que só a eles interessam e não lhes desmerecem o trabalho. Sempre achei sugestão de crítico para os grupos uma aberração, apesar de praticá-la de quando em vez. A relação fundamental do crítico especializado é com seu leitor especializado, isso é o público desse media- esse espaço- onde ele escreve. Não somos meyerholds de teatro, apesar de termos que entender de teatro, isso é óbvio. Em Manaus, ou em e-mails, conversaremos como gente grande de teatro. Aqui conversamos como crítico jornalista profissional e público.

Mãe-in loco é uma peça extraordinária. O espaço sonoro (alguns chamam-no trilha, caminho no meio do mato) é extraordinário. Da pequenina gaita ao ruído de passos, orientado pelo espelho d´água gelada, ao ritmado ruído de garfos e facas em pratos, tudo é uma incansável sinfonia heroica da cozinha, antigo locus de escravidão branca feminina, metáfora, espaço-em-redução, casa-cômodo-gelado-quatro-paredes-brechtianas-limites-controladores da corretíssima coreografia de Carol7.

Mãe-in loco é uma peça extraordinária. Composta por uma sucessão de imagens que vão se reconstruindo em nossa cabeça lentamente ao ritmo exasperante de um dia a dia qualquer.

Sabem o que achei melhor?

É que de alguns poucos anos para cá estou vendo uma meninada gerando dramaturgias novas, ricas, modernas, com uma espantosa facilidade. Facilidade não quer dizer rapidez, quer dizer que acertam tudo ou quase tudo e meu deus, se dermos uma olhada naquilo que chamavam “nossas grandes atrizes e grandes atores”, a tuia toda não passava de um enorme amontoado de sem-cérebros, repetindo marcas criadas por outros meio sem-cérebros que fingiam entender do texto que liam em um português de lixo, “mas nos emocionavam, ah como emocionavam!”- seja lá o que se queira entender de bom por essa expressão chula.

Honestamente, se colocarmos tantas Mãe Coragem que rolaram por aí, ao lado dessa Mãe- in loco, entenderão direitinho o que estou falando.

Só acho que está na hora de chutar o balde do Brecht, também.

Vocês conseguem.

Vamos lá, meninada, coragem!

(1) A psicologia da Gestalt, comportamental, foi a mais generosa em chorar sobre coisas marginais, seguindo a mania romana de individualizar o que é espaço social. Produziu versões de Topos (vide tópica freudiana) como locus, altamente discutíveis. Kurt Lewin pensava que o comportamento humano é uma função da pessoa e do ambiente. Nada de novo nessa sua teoria de campo. Se leram Os Sertões, essa era já a tese de Euclides. Pense-se em campo de jogo, área, dimensão geométrica, solo, e nosso entendimento de Lewin não será curto. Esse locus teve um estreitamento do campo teórico com Wenzel, por exemplo, que disse em 1993, ser Locus, um lugar de controle e algo divisível por 2: 2 locus, interno e externo . Locus de controle refere-se ao modo com uma pessoa percebe a relação entre seus esforços e o resultado de um evento. Interno se a pessoa sente mais controle de sua própria vida e sucesso, exigindo mais de si mesmo e se concentrando no que pode fazer por conta própria para lidar com os problemas atuais. Externo se a pessoa sente que fatores externos tem um controle maior na sua vida, exige mais dos outros, tem uma maior dependência emocional e funcional e são mais afetadas por críticas e elogios. Se você estiver chorando de raiva por estar esperando que eu fale SOBRE a peça e julgar com seus critérios pessoais que eu não o estou fazendo, quero lhe lembrar que você está muito descontrolado emocional e funcionalmente { isso é lá função da crítica!) e que será muito afetado por minha escrita de crítico. Tá dito aí em cima, que horror.

Conceito intimamente ligado ao de Coerção. Coerção é o ato de induzir, pressionar ou compelir alguém a fazer algo pela força, intimidação ou ameaça. O centro de seu poder é a dor. Viram, sentiram, dor em MÂE – in loco? Foi coerção.

(2) Escrito em Barra de Jangada, hoje, sábadão ,15:30h, distante 30 metros do mar, e eu me perguntando agora porque escolhi vencer essa distância entre mim e meu leitor, navegando minha nau catarineta digital por entre essas águas metafóricas, entre-falares que metáfora é isso, em vez de mergulhar de vez na outra, natural e indigenamente? Ah como fui tolo, dirão um dia que não meu!

(3) “A Beat Generation, foi uma visão que nós, John Clellon Holmes e eu, e Allen Ginsberg tivemos, numa maneira ainda mais selvagem, no final dos anos 40, de uma geração de loucos, iluminados hipsters, fez subitamente a América ascender e avançar, seriamente a vadiar e a pedir boleia em todo o lado, esfarrapada, beatificada, bonita de uma nova forma graciosamente feia — uma visão colhida da forma como ouvimos a palavra "beat" pronunciada nas esquinas da rua em Times Square e na Village, na noite dos centros de outras cidades da América pós-guerra — beat, que significa em baixo e de fora mas cheio de uma convicção intensa. Nós até ouvimos o velho 1910 Daddy Hipsters das ruas falar na palavra dessa forma, com um sorriso de escárnio melancólico. Nunca quis dizer delinquentes juvenis”... Kerouac dixit

(4) Outra: teorizar um teatro invisível kákákákaká. Se invisível porque teatro? Outra: virar o guru do teatro na rua, do teatro que discute o mundo, sem nunca ter citado meu mestre e amigo do coração, com o qual tive a honra de dividir uma paixão na mesma época e todos entenderam que, no meu estrito caso, paixão teu nome é mulher, e eu nem sei se ele era corno ou o corno era eu, mas quem se interessava por tais balelas e preconceitos que fazem os arianescos rirem nos teatros, éramos felizes e isso não tem preço de mastercard, da qual menina roubei a dedicatória de Gatti, esse sim o cara! O Gatti criou esse negócio todo de teatro fórum, reviveu o teatro político de Piscator, enfim todo o “legado” de Boal era puro Gatti, esse sim o guy, desconhecido aqui e um pouco desconhecido depois, porque aquele deslocamento que os jovens em Paris fizeram à esquerda, morreu, foi truculentamente assassinado pela Ordem que –a maioria dos pais de vocês apoiou- mas opraí na ignorância que deu....

“― ... deve ficar claro: Teatro Invisível é teatro! Cada peça deve ter um texto escrito, que servirá de base para a parte chamada fórum (...) os atores devem interpretar seus personagens como se estivessem em um teatro tradicional, representando para espectadores tradicionais. No entanto, quando o espetáculo estiver pronto, será representado em um lugar que não é um teatro e para espectadores que não têm conhecimento de que são espectadores...” Sei vocês estudaram isso, o mundo leu isso com o sangue ainda quente dos anos de chumbo, mas já não está na hora de ver que isso é um amontoado de bobagens? Já dissemos, de Brecht o que diremos do tolo do Boal: o lugar, o palco italiano –e nele incluem-se as peças escritas para ele e a forma de atuação lá em cima, que é dele e portanto qualquer troço que seja interpretado como se estivessem em um teatro tradicional, tudo é empesteado por ele. Como preparar algo “tradicionalmente ” e isso poder ser representado em um lugar onde os espectadores não saibam que são espectadores? Gatti, o gênio louco que amávamos, nunca disse tal asneira. Mas ele era de esquerda, a boa , a radical. Os outros foram os que ficaram com os lucros e descobertas, claro, ajeitando aqui e ali o que poderia desagradar à inteligência do sistema, não? Teatro do Oprimido é o que oprime o público, assim é legítimo, assim se deu tanto teatro de agressão nos anos 60. O oprimido de Boal é o mesmo de Dom Helder e do Anchieta, se ele conhecesse a palavra. Com todo respeito às figuras, eles apenas sujaram a palavra com seus sonhos de redenção. Claro que é o que dá fama, contanto que não atinja O salvador, o mais famoso de todos eles, o Inri.

(5) A Viola ganhou fama e desgraçou definitivamente o improviso em teatro ao ser contratada pelo recente Actor´s Studio, do Marlon Brando e tudo que ela fez foi ensinar Marlon Brando e o povo do Actor´s a fazer caretas decentes. Como no cinema mudo não se falava, o que é óbvio, os atores de cinema faziam horrores com a cara, as mãos , os braços, para a gente entender o que se passava ali. Quando veio a fala, maravilha que só a técnica consegue por estar sempre à frente dos homens usuários: os atores não sabiam falar. Ai inventaram jeitos meio bizarros, aí veio o Actor´s e deu um padrão de algo melhor, mas ainda muito exageradamente antigão. Um Brad Pitt , um J. Deep faz tudo aquilo com aquela mesma carinha lavada de bebê chorão, sem precisar ficar olhando para ponto fixo nenhum , ou se concentrar a partir de outra coisa que o próprio texto. Ele seque a técnica do DIG, que fazer. Mas, para a época do Ator´s , Viola foi um achado e virou um monte de dinheiro. Agora hoje...Tem quem siga esperando virar um monte de dinheiro também. Mas como se com data vencida?

(6) Em genética dizemos que locus gênico é o local certo invariável que cada gene ocupa no cromossomo e loco gênico é a posição que o gene ocupa no cromossomo. Mãe-in loco é uma mãe mutável, e talvez por isso seja ainda bastante brechtiana.

(7) O Márcio Braz notou bem esse espaço ao afirmar corretamente a meu ver “consideramos dispensáveis toda tentativa de relação com o Outro.“ Falei coreografia, pois para mim Mãe –in loco é dança pós-contemporânea. Entenda-se por pós-contemporâneo apenas o que eu entendo por pós-contemporâneo, já que fui eu quem inventou o termo para designar isso, algo bem pós todos os pós que acabam sendo limites estreitos de críticos estreitos. Pós-contemporâneo é um termo inventado por um senhor de cênicas [no caso: eu] para quem faz cênicas: não significa nada a não ser liberdade total, vital, incondicional. E nada pode ser pós isso.

(*) Acabei de saber por Virgínia, filha de Cesar que ele não está nada bem. Lamento profundamente

e quero registrar isso aqui.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Leitura Crítica - Do moço e do bêbado Luna

DO MOÇO E DO BÊBADO LUNA


Márcio Braz

A chuva que caiu no penúltimo espetáculo do Seminário Internacional de Crítica Teatral não desanimou os atores e, muito menos, o público que se fez presente no Pátio São Pedro, no dia 04 do corrente mês. Pelo contrário. A águas caíram para abençoar o talentoso elenco de “Do Moço e do Bêbado Luna” do Grupo de Teatro de Rua Loucos e Oprimidos da Maciel. O “último dos beatniks”, como era considerado Erickson Luna, poeta pernambucano, era o pendor poético da encenação como “a lama das chuvas” dos céus de Recife.

As obras do famoso poeta recifense foram tranpostas para o palco (rua) de modo sério e acanhado. Uma vez que a montagem acerta em adaptar para a rua o espetáculo (o poeta era um conhecido “bebum” e atraía toda a sorte de intelectuais, artistas e políticos) por outro lado erra na construção narrativa, lembrando, muitas vezes, um sarau.

Os poemas de Erickson Luna são livres, soltos, irônicos e de uma musicalidade causticante, lembrando, em alguns momentos, o poeta amazonense Aldsío Filgueiras, o mais “torto” dos poetas da região norte. Na transposição para o palco, faltou, contudo, um jogo maior de elementos que pudessem trazer à tona um pouco da familiaridade e da popularidade do poeta. Ficamos diante de um recital de poesias e o jogo estabelecido com a marcação de cenas e o uso de adereços ficou restrito à ilustração dos textos e não ao jogo dramático.

O espetáculo cresce quando o público é chamado a participar. Talvez seja seu ponto alto onde a roda é aberta para que o público interfira de modo direto seja criticando algo sobre a cidade, seja recitando um poema, uma canção, em suma, trata-se de um momento que nos liga diretamente a psiqué do poeta.

A narrativa ficou distante exigindo um pouco mais do público no que diz respeito à compreensão do que era dito e as ferramentas utilizadas para tanto. Sabemos da tradição dos poemas que, na época dos rapsodos gregos e medievais, a poesia era cantada e, só posteriomente, passou a ser escrita, mas até hoje a métrica é musical. Como estamos tratando de uma outra conjuntura seria interessante, por exemplo, a personagem do poeta ser vivificada. Não se trata, é claro, de uma novidade cênica, mas talvez, dentro da proposta pretendida pelo grupo que é recitativa, a presença da personagem Erickson Luna poderia trazer um pouco de prosa (ácida e polêmica como ele) de modo a dar um ritmo e colorido ao espetáculo alem de conhecermos esta outra faceta do poeta que é a de um proseador autêntico, personagem dos bares e querido pela intelligentzia recifense.

No mais, o espetáculo “Do Moço e do Bêbado Luna” tem muito o que caminhar principalmente no que tange a tradição de espetáculos de rua (ou na rua, o que é outro formato) no Brasil. Com a certeza de vê-los afinados no discurso, respaldo a integridade e a sinceridade do projeto.
Experimentos cênicos do segundo dia do RECIFASTTEATRO


Por George Carvalho

O segundo e último dia do RECIFASTTEATRO, dentro da programação do Seminário de Crítica Teatral, no Teatro Capiba, no SESC de Casa Amarela, reservou melhores surpresas que o primeiro, de um modo geral. A maioria das cenas apresentou melhor coerência e também performances mais profissionais, apesar de algumas incongruências que causaram certa estranheza. A primeira delas está mais para esta última definição.

Sobre-viver, vi-ver, ver apresentou uma história confusa, inacabada, com atuações sofríveis e uma dramaturgia frouxa. Muito cenário e muitos atores para um enredo aquém do que prometia a sinopse. Demarcações de palco clichês e um jogo de cena mal explorado completam a esquete. Só a aparição do repórter Nostradamus Pereira perece digna de algum elogio. A performance é interessante, apesar de exagerada, e o ator mostra uma energia que não é compartilhada pelo resto do elenco.

Já em A outro, o que não falta é energia no monólogo de uma travesti que compartilha com a platéia suas lembranças, desejos e frustrações. No palco, uma cadeira, um cabide e uma penteadeira. Cenário enxuto para não desviar atenção do texto forte e preciso, muito bem vivenciado pelo ator em cena. A iluminação é discreta, um pouco clichê, não influi nem contribui tanto. O jogo de luz poderia ter sido explorado mais em favor da carga dramática que o texto carrega.

Na pele de uma prostituta desgraçada pelo próprio irmão, Hermínia Mendes surge na pela de Giorgia, terceira cena da noite. Sua interpretação firme, cheia de nuances distintas, que vão do temor ao prazer, é encantadora. A transformação da ingenuidade feminina na força de uma mulher marcada pelas intempéries da vida se faz aos olhos da platéia, diante de uma iluminação objetiva e uma marcação cênica forte e coerente. Pena que essa não tenha sido a única participação da atriz no segundo dia do RECIFASTTEATRO...

Mas antes disso, Manu Costa, Rogério Vanderley e Manoel Francisco levaram a cena Dois pra lá, dois pra cá. O que seria a consolidação carnal de um encontro proibido entre dois colegas de trabalho, acaba virando frustração quando o rádio anuncia a morte da estrela da Música Popular Brasileira, Elis Regina. A trilha sonora com interpretações da cantora, dubladas por um rádio inusitado posto em cena, delicia o ouvido da platéia. A sintonia do casal em cena impressiona. E a atuação é primorosa, assim como o cuidado com o figurino. O primeiro encontro amoroso se descortina em uma história sutil e cômica, plena de poesia cênica que a voz de Elis ajuda a declamar.

Mancha de Sangue foi uma experiência cênica superficial e sem graça. Na época da Inquisição, quatro prisioneiros que seriam mortos na fogueira na manhã seguinte travam uma discussão e são influenciados por um deles a se matarem, em vez de aguardarem pela fatídica sentença. A morte de três deles revela a salvação do quarto, através de um acordo. Música alta e uns pulos antes de iniciar a cena. Um líquido altamente letal, que faz um prisioneiro tremer e outro não na hora da morte. O contexto da obra é capaz de suscitar inúmeras discussões e reflexões que passam despercebidas na cena que foi apresentada, do modo como foi tentado.

Por fim, E se fosse você... Aqui, exatamente agora? trouxe ao palco o monólogo cômico de Léo Castro. Com uma presença cênica impressionante, ele conta histórias inusitadas e brinca com personagens do meio teatral, entre outros perfis urbanos do cotidiano. Sacadas inteligentes, como o motivo do figurino engravatado, e uma mensagem divertida aos críticos teatrais.

O teatro para falar do próprio teatro foi um recurso que o Clã de Nós (RJ) já tinha mostrado com Mais um, apresentado nesse mesmo festival. No entanto, enquanto da primeira vez, tal recurso servia como pano de fundo para uma reflexão mais contundente, em E se fosse você... o metateatro aparece mais como uma saída para situações cômicas. Nesse ponto, a proposta do primeiro me parece mais louvável.

De um modo geral, os interessantes experimentos cênicos apresentados no RECIFASTTEATRO demonstram o quão louvável foi a iniciativa da organização do seminário em promover esse espaço para exibição de performances tão distintas, nos mais diversos aspectos, sejam eles dramatúrgicos ou temáticos. Essa diversidade merece ser ressaltada e repetida anualmente, assegurando a importância de ações como essa, que a Renascer Produções Teatrais tem proporcionado ao movimento teatral, junto aos outros inúmeros atos que envolveram execução desta edição do Seminário de Crítica Teatral.

Leitura Crítica - Barrela

michelotto locuto, causa infinita®


Barrela

comum sem serventia sem qualidade imprestável, espécie de caldo obtido da cinza proveniente de queima de espécies vegetais. Onde se fabrica o artesanal sabão de bola, a barrela, a ticuada é um de seus componentes.

EXERCÍCIOS DE ADMIRAÇÃO

Crias de Mãe Júlia/Caruaru e seu Plínio Assustador

Aristóteles dixit que é o topos, um lugar, que nos pensa. Nesse festival seminarístico três peças me chamaram atenção especial por serem assim aristotélicas: @.com, uma nau que descia os rios impassíveis de Rimbaud, o Mãe- in loco que trocou o grego pelo latim para dizer que ela se realiza num topos preciso, e claro, Barrela em que fomos feitos prisioneiros imprestáveis, cinzas prá sabão duma limpeza de espaços vitais impossível.

Não há felicidade maior para um professor, creiam-me, que ver seu aluno soprando cinzas para manter acesa a chama. E foi por isso que eu dei aquele abração no Moisés que acompanhava aulas com olhos viajantes de menino que tateia o chão quando engatinha, cada vez como primeira vez. E hoje, ocupa por aí o meu lugar, vindo de uma longa linhagem que foi de Snoek, foi de Barthes, Vandergucht e de alguma maneira se iniciou em Heráclito olhando fixamente as águas do rio, tentando, vão, achar-lhes o vau para fixar suas margens em nossa memória que então só tinha 01 byte, mas com que fome mordia esse Heráclito!

E foi indo com muita fome ao pote que me cansei de falar nesses dias sobre minhas ressalvas aos textos malditos, pois o problema é que só se é maldito em um lugar. Eu fui expulso daqui e em Paris eu era exatamente un mec qualquer. Na melhor das hipóteses “mon refugié politique” com que se apossavam de nós os franceses, carinhosa mas possessivamente.

Estou seguro e sereno, e não deprimido, de que o lugar de muitos de nós e de muitos desses textos foram os anos 50/60, antes de virarmos- textos & textículos- cinza, barrela. Também cansei-me de evocar meu cumpadre S.Beckett- vou colocar aqui minha foto em Paris, sentado num banco na avenida, uma tarde inteira, em frente ao endereço dele, esperando, Lucky, que ele aparecesse para dizer: Oi, te adoro, podíamos ir ao Café de Flore? Só me permitam evocar pela última vez Samuca, pois escreveu Cinzas [ing.:Embers= Barrela] bem antes de Plínio.

Escreveu em outro lugar e isso muda tudo e todo texto, pois o topos nos pensa, já dizia...

O topos nos pensa, já dizia... e por isso este ano dei uma de minhas últimas disciplinas, chamada Tópico. Alunos e criadores de ementas e programas mal suspeitam que essa é a disciplina central de qualquer curso, corrida, que só corremos num mesmo lugar, seguindo uma pista, nunca importando de onde para onde. Mas sosseguem, vou parar por aqui com essas digressões pois realmente cansei de dar aulas. Vou felizmente aproveitar minha aposentadoria, pois o topos nos pensa, já dizia...

Pois o topos nos pensa, já dizia... e o topos das Crias de Mãe Júlia ( a Kristeva??? Ó mandem um beijo meu para aquela terrorista semiótica impenitente) pensou em mim tudo isso que precede, me fazendo viajar no tempo e em meus medos para dentro daquele porão que nos habita a todos em águas. Posso até não gostar de Plínio, mas deuses do olimpo, que caos fabuloso corrói suas paredes. Contemplo-o, rio de nossa geração. E só posso ter respeito. Imenso, profundo- usando todos meus adjetivos que medem lugares. Plínio é nosso lugar, pois não há margem, marginais, ensinava Heráclito: margens marginais desse me rio nunca são as mesmas, não é mesmo meus amigos?

O topos nos pensa, já dizia... e nos obriga a brigar por aquele lugar. Ô povo da Cultura Oficial aí de Caruaru, botar motoqueiros dormindo num espaço daqueles? Alugar para coisas tais um espaço daqueles, tão brincando? Foram os caruaruenses mesmo que votaram em vocês, foram? Vão para casa, vão criar ovelhas, mas deixem os lugares da cidade em paz! Aposentem-se definitivamente, como eu! Tivemos que ter um Moisés para salvar-nos das águas faraônicas do teatrão, das águas turvas e suspeitosas da Cultura Oficial, hoje representada no estado por Etc, pois é do lugar de cima que nos vem o exemplo, e da cultura de maldição, beatnik, michelotteana & tais, agora já sessentona. Não há como agradecer às Crias da Mãe Júlia e ao grande Moisés por uma bengalada dessas para abrir nosso mar de imbecilidades.

Eu amo-vos como amo Kil, o que segura minhas barras me ensinado a ler leio Caio, Plínio.

Continue de Olho Neles, Kil! Olho Neles era o que estava escrito nos muros da cidade de Recife para nos vigiarem- tempos de merda- por isso acho detestável agora que se foderam (?) ter que vigiá-los. É melhor esquecê-los mesmo, que apodreçamos no esquecimento todos nós, hoje velhinhos velhacos de uma história suja.

É um belo- como todos- Super 8 de Jomard. Mêu, eu disse Super 8?? Não há mais lugar para esse dizer, cara! O topos nos pensa em muros, já dizia..



A parte maldita

Moisés, Cris, Sérgio, Ary, Beto, Bob, Ítalo, Izak, Marcos, Ramatis, Jane, Gutemberg, Sebastião, meus encarcerados nessa Caruaru-de-Todos-Coronéis incluindo o de Limoeiro e os de 1922, 1928, 1964, os da Cultura Oficial de 2011 e os das Revoluções Asterísticas de 1.000.013, encarcerados por todos esses passarinhos mortos que insistem em governar os vivos, como dizia meu velho e bom Marx: eu anuncio a conveniência dessa coragem de vocês se manter viva. Pois essa, essa, essa, meu deus, essa, essa e ESSA não aquela, me comove às lágrimas. Verdade, eu já estava entrando em paranoia ali no beco de vocês, becos de todos nós que estivemos e vivemos becos, nós ratos e Mickey e maussss, habitantes daquele lugar que não pararemos de roer os pés de barro dessa Coisa aí, a Inominável cultura de Estado, entranhada dentro de cada um de nós, nos porões de nossa mente idiotizada, movendo gesto por gesto em mímese aos poderosos que nos fodem e aí a gente também fode o colega do lado, o ator ao lado, o escritor ao lado. E já tá de bom tamanho por que fodi muita gente hoje. Repetindo, claro, a cultura de mando, deles, os bostas que não tiram esse cu sádico aí de cima da gente. Não abandonem esse lugar nunca. Apossem-se dele, em nome do Povo de Caruaru que já tem uma longa e venerável história de se apossar do barro- utensílio para fazer Vitalinos, do violino judeu para fazer rabecas, das rabecas para fazer guitarras e quem sabem voltar ao violino, que sei eu desse eterno movimento por sobre um solo que é sempre o mesmo, é sempre o mesmo, é sempre o mesmo, é sempre despossuidamente, sempre miseravelmente fora dele mesmo, lugar sempre fora de lugar, topos que nos pensa, já dizia...

Vocês são os heróis da resistência- e lá venho eu de novo com as imagens gastas, velhas e nojentas de militar ou guerrilheiro, vanguardas & retaguardas, pirús e bundas moles dessa pôrra toda que graças a deus acabou.

Para mim acabou.

Então vamos aos cuidados que tenho com vocês, meus Brothers.

Temos cinco espaços a percorrer: Entrada, Salão de Acampamento dos Motoqueiros, A sala de Bilhetes, o Corredor, a Prisão.

Ficamos vigiados na Entrada, ficamos depois livres demais no Acampamento dos Motoqueiros, ficamos entregues a nós mesmos na Sala dos Bilhetes, no Corredor e na Prisão.

Inicia-se bem a Entrada, mantendo-nos num clima de realismo, pois se a cena- porão o pede e talvez o Plínio de 50 (socorra-nos Kil!), a postura então deve ser mantida ao longo do espetáculo.

E cai algumas vezes.

Quando passamos do Acampamento para a Sala dos Bilhetes e nela, espatifa-se o clima, apesar de minha ignorância suspeitar em algum cantinho dela que aquela é que é a sala do exercício de Verfrendung de vocês. Sala que, por um momento, nos

dá o sopro, a aragem- ou desgraça e ancia-

com que a chama do esforço se remoça,

e outra vez conquistemos a Distância,

e outra vez conquistemos a Distância,

do mar ou outra, mas que seja nossa!

Pessoa - em sua grafia original, ó redação - e não eu é quem nos mandou essa mensagem como uma prece junto com a Barrela de vocês!

Mas como ando com ojeriza de Brecht também- ah chega, vai!- sugiro sair direto do Acampamento dos Motoqueiros para o Corredor (Polonês), e depois a Prisão. Mantendo-se aí constante o controle da plateia. Nada de pancada, só controle. Pare- se, por exemplo, a peça em certa altura e troquem-se algumas pessoas de lugar. Depois continua- se. Bom, é um timing. Não serve absolutamente para nada. Mas vocês sabem que lá dentro há um ritual constante de fazer coisas que não servem absolutamente para nada. É isso aí. Ao final, após a entrada dos policiais na cela, sairiam todos nós para a Sala dos Bilhetes. Ou, como sugeriu Polly: porque não fazer o público sair para uma sala, absolutamente azul, de um dia absolutamente primoroso, claro, em espaço euforicamente se abrindo? Diz ela que a percepção final da volta ao lugar comum do dia lindo, ressaltaria a oposição entre a liberdade nossa, e por conseguinte o sufoco de tudo o que acabamos de ver.

Esse terceiro espaço pode ser sim, brechtiano, como o foi. Mas antes de nossa chegada ao locus final- quinto espaço de nossa jornada para o fundo de Plínio- a postura deve ser mantida. Há um ligeiro desmantelo e eu, velho conhecedor desses corredores, medi rapidamente todos os locais e momentos que me fariam fugir dali.

E algumas vezes, confesso que fugi.

O topos nos pensa, já dizia... O lugar tem que se pensar um pouco mais na plateia, esse morro grego, pois sei Moisés que você é nossa continuação, e não nossa volta ao passado, então não está querendo fazer terror com ninguém nem nos meter realisticamente em porão nenhum, pois sabes que toda nossa luta é para sair deles, é sair das lutas, sejam as das ditaduras ou das nossas, internas, ditas moles. Pô a gente quer é paz e felicidade para todo ser vivente na Terra, não é mesmo, meu bro?!! O resto são os do andar de cima que querem, esse desejo de poder é deles e não nosso, mesmo que nossas mãos um dia se carreguem de armas. Eu lutei nos 60/ 70 e não estou com meu rabo sentado em lugar algum dos de cima. Onde foram parar o rabo dos Genoino, vergonha, o rabo dos Dirceu, vergonha. Três mil vezes vergonha, shame on you all!

“É porque não conseguiu vencer, o trouxa!”- me dizem e dirão os pósteros da geração ressaca.

Como não, se eu sou o melhor com uma faca na mão e ainda estou por aqui, vivo em nome dos caídos todos dentro de mim?

Eu penso todo dia nessa minha plateia do lado daí dessa tênue telinha em que escrevo. Bolem como deixar a plateia de vocês num lugar mais exato para se ver Barrela e ser penetrado. O Jorge Bandeira sentou lá em cima, ao seu lado eu, ao meu Polly e... tava entupido! E aí chegaram lá para as tantas- algum guarda aí esqueceu de fechar os portões de acesso à entrada- chegaram três motoqueiros trogloditas que estavam grudados na cena. Tanto que um gigantesco cuja imensa bunda tapava toda a cara de Jorge, ainda perguntou: Tô trapalhando? E Jorge, com aquela coragem amazonense de mamar em onça, as verdadeiras, não as pintadas armoriais- retrucou seco: Está mesmo! Ora, tão grudado estava o troglodita que virou de novo o bundão, ajeitou-o carinhosamente na cara de Jorge e continuou assistindo numa náice, pois ele não sabia como sair dali, não conseguia fugir de modo algum. Pode- se concluir que Motoqueiros Selvagens também têm coração, ou não foram treinados como o Mickey Mausssss, mas a melhor conclusão é que há um problema ali no lugar da plateia, algo não programado por vocês, pois não creio que vocês fossem como aqueles do teatro de agressão dos anos 60 que queriam que o público não visse o espetáculo e sofresse muito. Moisés foi meu aluno muito viajado, mas doido nunca.

Acho que no todo era só para isso que eu pediria a atenção e cuidado de vocês. Agora finalmente posso ir-me, de alma lavada e antes disso devo confessar-lhes que no texto sobre a peça de Ariano eu me juntei a ele, a Jomard e a um punhado de outros velhinhos dos tempos da cultura bicuda, que insistem em viver ainda, para cantar os versos de Fernando Pessoa de uma imensa saudade do passado.

Menti, viu Saulo!

Quando eu me for eu não quero nenhuma lápide chorando o passado, por mais que seja em verso de Fernando, o maior poeta da Lusitânia. Eu nunca aprendi a me arrepender de nada, então como não ganhei cargos e essas coisas todas em troca dos porões que conheci, pois não foi para isso que lá tive que descer, peço humildemente que me concedam, amigos e inimigos de toso os quadrantes, ao menos uma honraria, cantando comigo em minha homenagem:

(michelotto...)

Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí
Em vez de tomar chá com torrada ele as tomou para ti
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega, leão!
Sossega, leão!

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Leitura Crítica - Nós Cachorros

Michelotto locuto, causa infinita®

Recifasteatro 2

NÓS, CACHORROS

Surpresa!

O Saulo divide com a Samanta a dramaturgia & a direção, éééééééé!!!!

E dessa vez a coisa toda tem peso! E dessa vez a coisa tem mais poesia.

Mimetizar à la Aristóteles, Saulo, é isso aí que vocês fizeram muito bem. Lembrei-me o tempo todo do efeito que fez sobre mim, quando guri, Cães Perdidos Sem Coleira, um livro dos anos já esquecidos, escrito por Gilberto Cesbron.

Bandeira, o Manuel, fez-nos um poema comovido também usando como pré-texto de escritura esse bicho homem.

Mas quem melhor explica esse jogo em que os mitos todos vem cirandar é um outro Bandeira1.

Não tenho mais a dizer2, ele me arrasou3 com seu texto4, e eu assino, 5 humílimo, em baixo 6.

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NOTAS de RODAPÉ

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(1) Jorge Bandeira, crítico, dramaturgo, encenador, encenador de beckett (isso é categoria à parte, claro), naturista, professor da UFAM e gente boa à bessa, é o autor do texto que segue que eu copiei descaradamente, mas tenho certeza que todo mundo concordou e aplaudiu. Eu o li e reli umas cinco vezes e pediria que vocês o fizessem ao menos uma vez mais.

(2) A temática da invisibilidade social apresenta-se outra vez, agora na figura do mendigo que rememora suas andanças sob a ótica da perda de seu cão amigo. Um grande saco feito o pesado fardo de Sísifo, que em seu pesar nos remete ao seu penar. O gorro e a camisa xadrez, a luva velha e carcomida nos dá a entender que este catador das ruas sobrevive desses resíduos, destas garrafas de plásticos que são lançadas em seu mar de solidão. E é desta solidão que aparecem espectros, monstros, cruéis e famintos, cheios de fome, e que perseguem o mendigo, a representação máxima desta fome. Essa é a violência neste reflexo de NÓS, CACHORROS, da Berlinda, Tribo de Atuadores, com direção tríplice de Saulo Máximo, Samantha Medina e Zoraide Coleto, representante da cidade de Jaboatão dos Guararapes neste multifacetário evento.

(3) A idéia central lembra, com algumas variações, ao texto de Bertolt Brecht “O Mendigo e o Cachorro Morto”, sem a figura do Imperador, que aqui ganha outra tonalidade, sombria, com o espectro. O espectro perpassa o palco enquanto o drama narrado pelo mendigo é proferido, num jogo interessante de movimentação no estilo consagrado por Robert Wilson, da extrema “slow body” cênica, o atuador em lentidão de movimentos ao extremo. A alegoria do espectro denuncia este tempo lento, letárgico, mas vertiginoso, de tensão existencial, de um pesadelo que demora para ser concluído, aumentando este frio da alma deste mendigo. É este tempo de extrema frieza, de seres frios, que avistamos. A atuação do mendigo é precisa, porém os códigos corporais ficaram no tom mais corriqueiro das personagens das sarjetas, das ruas, los olvidados, os esquecidos. Talvez por isso o vigor tenha aparecido de forma mais tímida, sem um impacto maior, o que agigantou ainda mais a figura espectral em cena, que de forma alegórica transmitia mais veracidade no palco.

(4) O cão, a flor violeta, essa perda de um depositário fiel de seus sofrimentos, abalam o mendigo, o fazem sair da razão neste mundo irracional. Por quatro dias, ele nos confessa, que levaram seu amigo Juvenal, e ele vive a urgência ainda desta perda. Entre a fome, a chuva e o frio, desdobramentos no mendigo do ser espectral, concebido de forma eficaz e plástica, com o arrastar para a morte do mendigo, que não conseguirá levar seu Juvenal para Sergipe, e sua tosse como prenúncio deste fim, são momentos de compaixão que se apoderam do palco, até a frase terrível para o nada, “quando eu acordar, eu vou ser gente de novo”. Este acordar não veio, no plano físico, mas na metafísica espectral a mãe terra carrega este corpo agora inerte para o mesmo lugar onde se encontra Juvenal, permitindo, assim, que o único pedido do mendigo seja realizado. Ele finalmente encontra seu amigo no seio de Gaia.

(5) A segunda parte da cena curta nos coloca nos planos urbanos da convivência com a violência, porém com humor bem realizado, mas também vacilante pelos clichês dos personagens, porém a leveza e incorreções das representações não tiram o foco do espetáculo, cujo intuito é o da reflexão pelo riso. A vendedora de jujuba, o descuidista, a homossexualidade, onde Ícaro impera, enfim, uma atmosfera de vidas que se cruzam e se digladiam na vertente do humor direto e com maneirismos do besteirol. O vigor das cenas e de seus protagonistas deve ser trabalhado, deixando fluir com mais desenvoltura a história dessas personagens caricatas, e que provocam, neste estágio do processo, o riso da plateia.

A capacidade da comunicação direta com o público é o mérito de NÓS, CACHORROS.

Agora resta aparar arestas para que a cena torne-se “limpa” para o fechamento total desta comunicação.

(6) Assino: Michelotto.

Leitura Crítica - A Inconveniência de Ter Coragem

Michelotto locuto, Causa infinita®


A INCONVENIÊNCIA DE TER CORAGEM

O texto de Ariano
Virou uma certa mania em Recife se esperar meu texto quando tenho que escrever sobre Ariano Suassuna.
Disse-se uma vez, nesse mesmo Seminário, há anos: (marcas dos personagens em itálico)
Bárbara Heliodora: (pensando ser súdita de Queen Elizabeth II, só por ter feito aquele estrupício de tradução da obra de meu amigo Shakespeare) Por São George!

Sábato Magaldi: (chateado com seu amigo Michelotto por ter sido rude com o autor, a peça, o diretor, os atores, o público que aplaudiu, e só não foi rude com o Fradim, que no caso era nosso incansável Leidson. Ai Sábato aproveita e diz para si: Vocês já viram Leidson em cena fazendo o Fradim? Eu choro de alegria! A indicação que ele ganhou de Melhor Ator em um Janeiro de Grandes Espetáculos, foi feita pelo meu amigo Michelotto na Comissão. Ele erra muito mas dessa vez ele acertou! Declamando com ênfase, se isso for possível ao Sábato) Não é, certamente, uma obra madura do Michelotto!

Bárbara Heliodora: (animando-se, aproveitando para sobressair por pensar, após a dica de Sábato para ela- que o Michelotto tinha uns 16 anos e usando uma exclamação final do tempo de Shakespeare]- Esse jovem não entende nada de teatro nem de Ariano, máder phócker!
Bárbara, cruel como sempre, onça pintada armorial & tigre de papel, tocou logo em meu ponto fraco: minha eterna juventude. Ô inveja da véia!
Então se é para alegria geral, vou falar de novo em Suassuna.
Do meu jeito me lixando para o que pensam os que não pensam, a arraia miúda, o povo devoto.

Vou falar de Suassuna:

Henri Ghéon foi um francês que escreveu de maneira muito muito muito bonita para quem é católico, usando moldes medievais, como os do Auto. Eu não sou, sou ateu praticante e devoto, mas confesso que sempre gostei de Ghéon. Acho que a poesia pode surgir em qualquer lugar. E eu a reconheço quando passei por entre as linhas de Ghéon.

Não me lembro quem, mas foi um desses nomões de lá da europa quem disse que Ghéon era um grande escritor mas que se perdeu perdendo tempo ao se enredar naquele discurso e universo – do qual nada ou bem pouco – restaria ao se avançar a modernidade. Em compensação, outro escreveu:
Ghéon não é um escritor menor e sua obra fala por si mesma. Se ele lembra Dickens, seu teatro não perde nada em comparação com Anouilh e Giraudoux. Foi apenas ele quem, na primeira metade do século XX, reviveu o burlesco popular e a verticalidade dos Mistérios medievais, antecipando assim a Dario Fó. 1

Acho um exagero da gôta serena colocar-se um crente como Ghéon ao lado de um ateu e maravilhoso escritor como Fo. O uso dessa literatura medieval muda completamente de sentido em um e em outro.

E aí chego em Suassuna.

Eu não tenho muito mais a dizer do que já disse sobre a maneira como e sobre o quê e com que técnicas esse povo todo da primeira metade do século passado resolveu escrever. Já disse que Suassuna, meu colega de departamento, poderia ter aproveitado para teorizar sobre o uso que ele faz da literatura de cordel. E não teria sido reconhecido apenas como um escritor de grande fé, católico. Pois foi como a P.U.F. piedosamente o classificou na orelha de seu Jeux de la Miséricordieuse, Auto da Compadecida, em francês, que chique. Se tivesse teorizado seu achado, além das glórias perecíveis da Academia B. de Letras e do título de catolicão sucessor de Ghéon, teria tido a glória eterna dessa vez da verdadeira academia, a de ter sido o antecipador de Julia Kristeva e do seu, agora de Julia, conceito chave de intertextualidade.

Mas infelizmente o destino nem sempre nos leva para onde os outros querem, não é mesmo?

Julia, minha comadre de esquerda, era de esquerda maoísta da pesada e isso é uma coisa que muito se temeu no Brasil daqueles anos bicudos: ela comia criancinhas. Tava difícil para a UFPE entrar nesse jogo nada misericordioso. Então meu colega ficava lá, naquele velho Auditório do CAC, discutindo Kant com o grande César Leal e outros colegas menores de Letras, enquanto esperava a aposentadoria. Meninos, eu vinha de João Pessoa só para assistir!

Confessei outro dia a Jorge Bandeira que tenho tido uma dificuldade imensa em separar meus ídolos. Não sei pensar mais sem Heiddeger, e o cara nunca largou aquela carteirinha de adepto do horror nazista.

Fiz teste pro filme A Pedra do Reino e NÃO passei – e tenho horror às posições políticas de Ariano (nem pensem que ele é próximo ao PSB, isso é invenção de Arraes). Em Recife posição meramente política – isso é se manter no poder – Leva o nome de “posição estética” nunca compreendi bem o por quê.

Que Ariano seja dos que saudaram com Gilberto Freyre a Gloriosa Revolução de 64 e se beneficiaram com ela – virou secretário, isso é problema dele e não meu.

Que Ariano, depois de um degredo e amargor, abandonado por Recife, coisa que nem sei se ninguém merece, tenha sido reabilitado por Arraes, deposto e quase arrastado pelas ruas da mesma revolução gerada no seio de um patriotismo mais aproveitador que pífio por esses mesmos aos quais estava se aliando, isso é coisa entre eles & a História & a Psicanálise (Síndrome de Koppenhagen?).

Que Ariano tenha a facilidade de declarar meras crenças reacionárias, como aquelas estórias de amor à Rabeca e ódio à Guitarra e mais uma centena de outras bobagens sem interesse para a cultura pernambucana – isso é problema dos pernambucanos e dele, que não o é, e não meu.

Que da grande obra dele na Cultura desses tempos o que restou foram alguns bons músicos e alguns bons dançantes, além de suas próprias e inesgotavelmente encenadas, enquanto ele estiver no poder, obras – isso é com ele, o punhado de DBO (Devotos Baba Ovo) e minha inveja.

Que a grandeza de todo esse período nefasto tenha sido exatamente os resultados gigantescos prometidos pela Revolução de 64, como usinas nucleares para engordar alemão em Angra, transamazônicas absolutamente ecologicamente incorretas, PIBs miseravelmente baixos, Delfins falastrões. Incapazes de segurar uma Inflação miseravelmente alta, gasolina em falta sábados, domingos e feriados, marchas e marchas de escolares ao sol causticante da pátria cada maldito Sete de setembro... O que foi mesmo que restou?

O esquecimento.

Como disse – me alguém no outro dia no Rostolivro, Facebook: “Ô michelotto pára de falar disso, pára de se mostrar, você é um trouxa, não estamos mais nessa era”. Estamos na era de quem? Ariano ainda é secretário que eu saiba e vai morrer no cargo, Sarney, ex líder dos militares, manda e desmanda em Brasília, na internet li um Jornal ou Revista dos Guararapes – começando com um artigo de Jarbas Passarinho – aquele que tentou livrar o MEC dos comunistas e ou ainda está vivo, passarinho vivo por aí, ou é seu pensamento que não morre nunca. Eram patrióticos militares furiosos, com toda justiça, com o sucateamento das forças armadas. Até eu ia apoiando quando reparei que o balacobaco esquisito é estarem alertando para o perigo do comunismo que apenas trocou de nomes, e toda aquela ladainha do coro dos descontentes, Meninos, como assustei!

Estamos mesmo na era de quem, então?

Aquela droga toda deles e nossa deu num rato. Um presidente rato. Mons parit mus. Talvez por que não era nem constitucional, nem função de exército algum. Não conheço na história um só caso de exércitos que tenham se erigido contra seus próprios cidadãos. Bandos sim, exército não. Mas sabe o papo de que os caras comiam criancinha? Assustou muita gente.

Nesse tempo não era inconveniente se ter coragem.

Estou velho e desamparado. Meu salário congelado pelos que pediram mudança. Gil já anunciara claramente o programa vindouro: agora é só Mu dança. Seja lá que piração psicodélica for Mu, dancei. Por isso também, deus nos livre de todos eles, esquerdas e direitas. Amém.

Prefiro hoje, senhores, cantar a canção desse nosso texto exílio de velhinhos, que nos abriga em paz, eu, Ariano, Jomard, e mais uns poucos. Canção que em breve nos naufragará completamente no esquecimento:

E outras vezes, numa melodia muito saudosa e tão medieval,
Era a Bela Infanta... Eu fechava os olhos outra vez, e em tudo isso era feliz
Ó meu passado de infância, boneco que me partiram!
Não poder viajar para o passado, para aquela casa e aquela afeição
E ficar lá sempre, sempre criança e sempre contente! [Fernando Pessoa]

Sempre acho que quando vemos uma bela apresentação como essa de Limoeiro, tenho a sensação que não foram eles, os artistas populares que seguiram o texto de Ariano. Todos sabemos que o texto de Ariano é que é retirado deles. É talvez essa sua grande grandeza.

Por que ser covarde é sinônimo de ser efeminado? Seria inconveniente ser preconceituoso, ao menos hoje, e dá cadeia, não? Talvez essa a miserável vocação desse texto: o esquecimento em breve.
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(1) Traduzindo pro original: Ghéon is not a minor writer and his work speaks for itself. If his novels recall Dickens, his theatre loses nothing in comparison with Anouilh and Giraudoux. It was he alone who, in the first half of the 20th century, revived the popular burlesque and verticality of the medieval mystery plays, thus anticipating Dario Fo.
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Os Artistas de Limoeiro

Tem alguém aí que ainda não viu uma apresentação dos cantadores, dos improvisadores, dos mamulengueiros, dos artistas de teatro, do maracatu de Limoeiro? Põe ainda ciranda e roda de côco nisso e é só felicidade e belezura. O Cenário é quase a shiminawa do DIG num chão de signos, o figurino puro bufão, atores duplo bonecos é meio Artaud meio Kantor, sei não como me lembrei da Classe Morta, agora Viva, o timing do espetáculo é um relógio suíço de perfeito (Ariano não usa relógio digital, né não?), a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir, danem-se meus leitores, não disse que no blog NÃO há recursos para a gente escrever bem e dizer o que pensa? A VERSATILIDADE DESSE GRUPO FAZ A GENTE CHORAR. Tá bom que eu choro até em propaganda do Governo quando aparecem aqueles pobres todos sendo ajudados, ô tadinhos, mas chorar por causa da versatilidade de um ator, nunca chorei não. Me comovi. Revirou minhas tripas, a gente anda tão longe aqui no Recife, tão fora do mundo, tão fora de Limoeiro, ô meu deus, me desculpem por todas as críticas que escrevi aqui se nelas não repeti o tempo todo: gente eu conheci uns caras lá em Limoeiro que eu não tenho palavra para definir bem. Puta que pariu, eles comem cu à bessa a mando de Ariano, eles são fodões à bessa, eles são nosso melhor teatro, eu quero ir para Manaus com eles, quero ser o Crítico Oficial deles mas antes vou passar um tempão em Limoeiro. Pô, vocês tem uma lista enorme de funções, é só olhar aí em baixo a ficha técnica, então, criem aí a de escravo sexual da companhia que eu topo, contando que eu possa passar um tempo aí com vocês aprendendo. Bom e depois, me levem dentro da mala para Manaus, escondido do organizador do festival, fechado? Então fecha essa mala aí que já tou dentro!

Mas antes, deixa eu também exercer a nova função que criei para a Companhia de vocês e que já estou ocupando: a de Baba Ovo Oficial, pois amei vocês todos e um por um. Então permitam-me fazê-lo ao som de um mote muito instrutivo. O mote é assim:

Manaus vai vos amar, tenho certeza,
Se puderem, me levem na bagagem!
Pro Amazonas seguir em correnteza...

O Homem do Pandeiro, Mano do Baé, o introdutor genial. Jorge Luiz Borges dizia admirado: o que não se pode escrever só com essas 24 letrinhas! O que não se pode tocar só com um pandeiro!- mostra Mano!

Mano, meu mano, apesar do papo sobre cultura popular já ter invadido Recife bem antes de Mestre Ariano- que não bate um côco- aqui quase que só se consegue aprender ciranda. Então um côco bem tocado e cantado é um prazer raro quando executado por um Doutor como você. Sua abertura é fenomenal, tanto na batida quanto no domínio do público. Em um minuto tu botaste todo mundo no bolso... quem é o ator brasileiro que consegue isso? Um Wagner Moura, um Léo Castro, uma Bruna Campello, um Gerrah, uma Carol Santa Anna, uma Polly e mais uns dois ou três por aí - que você irá encontrar em Metamorfose, lá em Manaus. Você é certamente o melhor de todos nós e Manaus...
Manaus vai te amar, todo janeiro,
Se puder, me leva na bagagem,
Que eu te dou até o meu pandeiro!..

Fábio André: na encenação e produção; eu não sei o que mais tu poderias fazer, não gosto de falar de encenador, diretor e essas coisas por que acho que a gente acaba empobrecendo o ator, essa foi a História do teatro após a modernidade. Mas quando a gente vê o que viu, tem que ser maluco para acreditar que tem algum ator empobrecido ali. Todos são de uma riqueza que só existe ali, naquele galpão, naquele projeto, naquela Limoeiro. Já preparou as malas para Manaus?

Manaus vai amar tua produção,
Se puder, me leva na bagagem!
E larga uns trocados em minha mão!...

Edna: apoio.

Manaus vai te amar, tenho certeza,
Se puder, me leva na bagagem!
Sem apoio isso é pura sacanagem!...

Ray Arruda, Sandra Fragoso e Maria de Lourdes: Figurino:

Manaus vai chiar, tenho certeza,
Se puder, me levem na bagagem!
Quatro é demais, mas só três é sacanagem!...

Diego Ramos e Luan Amorim: Design gráfico

Manaus vai nos olhar, tenho certeza,
Arrumamaí e ramo na bagagn!
Vós, dupla caipira; nós Trio de Design!...

Dilermando Alves: Criação de Cartaz

Manaus vai nos olhar, tenho certeza,
Só tem coisa bonita no cartaz!
Me desenha, Alves, e leva atrás!...

Cláudio Melo e Alex Gonçalves: fotografia

Manaus ireis fotografar, tenho certeza,
Se puderem, me levem na bagagem!
Cláudio mira, Alex clica e eu fico na moleza!...

Charlon Cabral: concepção cenográfica
Conceberás novos palcos com certeza,
Mas se puder, me leve na bagagem
Prá descobrir das índias a beleza!!...

Rosélis Alves: pintura dos tamboretes

Tu , Rosélis, tamburetes pintas
Pra Manaus me leve nesse passo
Que eu pinto, cozinho e passo

Fábio Santana: Adereço

Manaus vai te amar, é o que peço,
E, se puder, me leva na bagagem!
Que topo até ser um adereço...

Jadenilson Gomes: Maquiagem

Manaus vai te amar, tenho certeza,
Se puder, me leva na bagagem!
Rimar com teu trabalho é uma bobagem!...

José Roberto: Contra Regra

Manaus vai te amar, tenho certeza,
Se puder, me leva na bagagem!
Dos sete ofícios só tenho essa destreza!...

meus doces atores de Limoeiro:

Jademilson, Tarcisio, Charlon, Lucas, Kettully
O Mundo já vos ama e ele é um tule,
Sob ele, me levem em viagem todo ano,

Carái, já tô amando esse Ariano!1

(1)Saulo, já tô te copiando, copy, mano!