Michelotto locuto, causa infinita®
Recifasteatro 2
NÓS, CACHORROS
Surpresa!
O Saulo divide com a Samanta a dramaturgia & a direção, éééééééé!!!!
E dessa vez a coisa toda tem peso! E dessa vez a coisa tem mais poesia.
Mimetizar à la Aristóteles, Saulo, é isso aí que vocês fizeram muito bem. Lembrei-me o tempo todo do efeito que fez sobre mim, quando guri, Cães Perdidos Sem Coleira, um livro dos anos já esquecidos, escrito por Gilberto Cesbron.
Bandeira, o Manuel, fez-nos um poema comovido também usando como pré-texto de escritura esse bicho homem.
Mas quem melhor explica esse jogo em que os mitos todos vem cirandar é um outro Bandeira1.
Não tenho mais a dizer2, ele me arrasou3 com seu texto4, e eu assino, 5 humílimo, em baixo 6.
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NOTAS de RODAPÉ
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(1) Jorge Bandeira, crítico, dramaturgo, encenador, encenador de beckett (isso é categoria à parte, claro), naturista, professor da UFAM e gente boa à bessa, é o autor do texto que segue que eu copiei descaradamente, mas tenho certeza que todo mundo concordou e aplaudiu. Eu o li e reli umas cinco vezes e pediria que vocês o fizessem ao menos uma vez mais.
(2) A temática da invisibilidade social apresenta-se outra vez, agora na figura do mendigo que rememora suas andanças sob a ótica da perda de seu cão amigo. Um grande saco feito o pesado fardo de Sísifo, que em seu pesar nos remete ao seu penar. O gorro e a camisa xadrez, a luva velha e carcomida nos dá a entender que este catador das ruas sobrevive desses resíduos, destas garrafas de plásticos que são lançadas em seu mar de solidão. E é desta solidão que aparecem espectros, monstros, cruéis e famintos, cheios de fome, e que perseguem o mendigo, a representação máxima desta fome. Essa é a violência neste reflexo de NÓS, CACHORROS, da Berlinda, Tribo de Atuadores, com direção tríplice de Saulo Máximo, Samantha Medina e Zoraide Coleto, representante da cidade de Jaboatão dos Guararapes neste multifacetário evento.
(3) A idéia central lembra, com algumas variações, ao texto de Bertolt Brecht “O Mendigo e o Cachorro Morto”, sem a figura do Imperador, que aqui ganha outra tonalidade, sombria, com o espectro. O espectro perpassa o palco enquanto o drama narrado pelo mendigo é proferido, num jogo interessante de movimentação no estilo consagrado por Robert Wilson, da extrema “slow body” cênica, o atuador em lentidão de movimentos ao extremo. A alegoria do espectro denuncia este tempo lento, letárgico, mas vertiginoso, de tensão existencial, de um pesadelo que demora para ser concluído, aumentando este frio da alma deste mendigo. É este tempo de extrema frieza, de seres frios, que avistamos. A atuação do mendigo é precisa, porém os códigos corporais ficaram no tom mais corriqueiro das personagens das sarjetas, das ruas, los olvidados, os esquecidos. Talvez por isso o vigor tenha aparecido de forma mais tímida, sem um impacto maior, o que agigantou ainda mais a figura espectral em cena, que de forma alegórica transmitia mais veracidade no palco.
(4) O cão, a flor violeta, essa perda de um depositário fiel de seus sofrimentos, abalam o mendigo, o fazem sair da razão neste mundo irracional. Por quatro dias, ele nos confessa, que levaram seu amigo Juvenal, e ele vive a urgência ainda desta perda. Entre a fome, a chuva e o frio, desdobramentos no mendigo do ser espectral, concebido de forma eficaz e plástica, com o arrastar para a morte do mendigo, que não conseguirá levar seu Juvenal para Sergipe, e sua tosse como prenúncio deste fim, são momentos de compaixão que se apoderam do palco, até a frase terrível para o nada, “quando eu acordar, eu vou ser gente de novo”. Este acordar não veio, no plano físico, mas na metafísica espectral a mãe terra carrega este corpo agora inerte para o mesmo lugar onde se encontra Juvenal, permitindo, assim, que o único pedido do mendigo seja realizado. Ele finalmente encontra seu amigo no seio de Gaia.
(5) A segunda parte da cena curta nos coloca nos planos urbanos da convivência com a violência, porém com humor bem realizado, mas também vacilante pelos clichês dos personagens, porém a leveza e incorreções das representações não tiram o foco do espetáculo, cujo intuito é o da reflexão pelo riso. A vendedora de jujuba, o descuidista, a homossexualidade, onde Ícaro impera, enfim, uma atmosfera de vidas que se cruzam e se digladiam na vertente do humor direto e com maneirismos do besteirol. O vigor das cenas e de seus protagonistas deve ser trabalhado, deixando fluir com mais desenvoltura a história dessas personagens caricatas, e que provocam, neste estágio do processo, o riso da plateia.
A capacidade da comunicação direta com o público é o mérito de NÓS, CACHORROS.
Agora resta aparar arestas para que a cena torne-se “limpa” para o fechamento total desta comunicação.
(6) Assino: Michelotto.
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