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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Leitura Crítica - Open Space Cia Cacos de Teatro

UM PROCESSO DE CRIAÇÃO E TANTO!

Diego Albuck

A Cia amazonense Cacos de teatro traz para o Seminário Internacional de Crítica Teatral demonstrações e apresentações de exercícios que compuseram seus espetáculos. Antes de começarem a falar de seus projetos, os atores ritualisticamente estavam em pé em circulo e iniciaram seus trabalhos com uma salva de palmas. Dyego Monnzaho, Taciano Gomes, Francis Madson (que não veio, por conta de uma cirurgia), Carol Santa Ana e Ana Paula Costa compõe o elenco do grupo.

Enquanto Taciano e Carol falavam um pouco da história do grupo, Dyego e Ana Paula faziam alguns exercícios com algumas pessoas que se disponibilizaram a exercitar com ele alguns movimentos corporais. O que se tornou algo bem interessante de se ver, mas ao mesmo tempo causava muita informação, visto que tínhamos que prestar atenção em Taciano e Carol ao mesmo tempo observar os exercícios praticados por Dyego e Ana Paula.

Taciano nos conta um pouco do processo do espetáculo “Marinheiro” primeiro espetáculo do grupo escrito por Fernando Pessoa e também do infantil “Por que Pular Degrau se a Gente Pode Voar? escrito e dirigido por Francis. Com um método totalmente voltado para o corpo, este último espetáculo se tornou um desafio, já que o corpo, neste caso, teria que ser diferenciado, ou seja, seria um corpo presente no universo infantil.

O trabalho corporal do grupo varia entre dança contemporânea, viewpoints, danças urbanas, técnica vocal e também o tai chi chu an. Vale ressaltar que, enquanto, Taciano e Carol nos relatavam; Dyego, Ana e os outros faziam movimentos de luta, e depois conversavam sobre aqueles movimentos.

O mais interessante é que o grupo sempre parte de trabalhos experimentais, numa esfera coletiva em processos que podem ou não se tornar um espetáculo. Eles frisaram também que é comum no grupo haver sempre um revezamento nas funções tais como: atuação, direção do espetáculo e de arte. Os trabalhos se dão de forma colaborativa, o que eles denominam “momentos de colaboração” que se concretizam ora juntos ora separados, também ocorre divisões em equipe que ao final de cada experimento todos se reúnem para comentar o que viram.

São através desses experimentos que nascem OFF – Inferno ou lave os céus para que eu morra; Diário de um Louco; Trans – ; Mãe – in loco. Exceto o último, todos foram adaptações de clássicos da literatura dramática. Taciano diz que o objetivo do grupo era transfigurar para o palco o clássico. E assim surge o projeto “Em companhia de um só” que é um projeto em que adéqua novas possibilidades de pesquisas no universo artístico permitindo o encontro de cada ator da Cia com essas ferramentas. Esse projeto surge da necessidade dos atores de criarem sua formação através de suas próprias identidades. Tivemos a oportunidade de ver o experimento TRANS - com desempenho de Ana Paula Costa.

SELF

EU PAGO R$1,00 POR ALGO QUE EU NÃO GOSTO EM VOCÊ.

Você já notou que a aparência física tem se tornado uma questão importante na vida do ser humano? Todo mundo tem alguma coisa que não goste, é um pé grande, é um desleixo, um dente cerrado, uma barriguinha saliente. O que se dá em troca do corpo perfeito, da beleza ideal? Essas são questões que são abordadas na performance de Ana Paula Costa.

Com a frase acima a atriz ia perguntando ao público qual parte do corpo a pessoa não gostava, à medida que ia respondendo ela tirava uma foto da parte específica e pagava um real pela fotografia. Não é de hoje que o culto ao corpo perfeito existe desde a Antiguidade os gregos acreditavam no físico e na estética e que esses fatores eram fundamentais na busca pela perfeição.

A intérprete ao longo da apresentação tira de uma mala de viagem, bonecas de todos os tamanhos e vários pratos com plaquinhas de R$1,00 com vários objetos como tesoura, serrote, martelo, isqueiro e uma faca. Ela pega um dos objetos e corta uma perna da boneca e se marca com um lápis hidrocor. As pessoas que receberam o dinheiro compram cada objeto e mutilam as bonecas. Enquanto isso a atriz tira a sua roupa, ficando apenas com um short curto, se maquia e se risca com o lápis. Quando os presentes terminam a mutilação, ela retira os pratos e os objetos.

Ao ver essa cena me recordou uma passagem de “Amor, poesia e mutilação” de J.B. Donadon-Leal que fala que enquanto a mutilação do corpo é a experiência de perda de partes, com cicatrizes e marcas escondidas, ocultadas por plásticas e próteses, a mutilação da alma não se dá na perda, mas na superação, na decisão de modificar-se para o outro.

É justamente nessa modificação, ou melhor, nessa transformação pessoal vemos uma metamorfose da atriz em que ela usa uma espécie de imobilizador, sapatos altos, uma chapa e um plástico cobrindo a sua cabeça. Longe de querer fazer de uma crítica, um artigo científico, mas não tinha como não pensar e/ou fazer conexões com algumas teorias importantes sobre o corpo. Já de acordo com a filosofia platônica o corpo é considerado a parte inferior ao homem, considerado como sendo a sepultura da alma, sua prisão, sua mortalha. Nesse sentido o corpo representa a queda, corrupção, o pecado para os religiosos. A alma é divina, é imortal. Mas nesse caso, Ana Paula é mortal e sua experiência me causou um estranhamento ao vê-la sufocada pelo plástico. O trabalho aqui existia enquanto acontecimento, ou seja, o corpo aqui servia a uma experiência estética em uma auto-apropriação da artista enquanto sujeito a seu desempenho e da sua forma artística.

O corpo é social, é individual, aqui a atriz historiciza sua experiência ao situar seu próprio corpo como uma conexão das inquietudes sociais suscitando algumas questões éticas das relações dos seres humanos com o seu corpo. Aqui, o corpo, se transforma e começa a habitar no campo da liberdade tal qual quando acontece com a atriz tira o imobilizador e a chapa e enquanto toma uma bebida, nesse momento Dyego passa com um notebook mostrando fotos das partes do corpo das pessoas. Ao fim ela derrama a bebida pelo próprio corpo, faz movimentos de dança, encara o público, menciona vomitar e sai de cena.

O interessante do trabalho é perceber as fronteiras de uma obra que vai sendo gerada na frente do público, onde o espectador faz parte do processo e participar da construção da performance que está sendo apresentado. Além disso, percebemos a obra acontecendo em tempo real, em que o corpo da intérprete se transmuta e vemos a própria vida ser tratada como algo performático.

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