Vinícius Vieira
“Faço TEATRO PARA INCOMODAR os que estão sossegados.”A afirmação acima é do ator, diretor, jornalista e dramaturgo, Plínio Marcos. Essa necessidade de causar incômodo foi muito bem explorada na apresentação de Barrela, texto de sua autoria, apresentado no sábado (03) no Espaço Cultural Tancredo Neves em Caruaru, com a direção de Moisés Gonçalves. O lugar havia se transformado em penitenciária, a própria arquitetura do espaço já lembrava uma prisão. Na entrada uma grade imensa, nenhuma janela e três agentes penitenciários (que por um instante não sabemos que são atores) criam uma atmosfera repressora. Algumas pessoas que aguardam na escadaria ainda não perceberam, mas o espetáculo já começou.
Somos conduzidos para dentro do espaço de acordo com o comando dos agentes. Após um tempo de espera em uma fila, cada pessoa entra em outro compartimento e recebe um “baculejo”, gíria que se refere a busca pessoal em que o policial revista uma pessoa a procura de objetos suspeitos. A situação de agressividade e de invasão ao seu corpo provoca medo, incômodo e revolta. É como se o público perdesse a sua autonomia, o direito de ir e vir que é anulado pela lógica carcerária como prática repressiva aos detratores da lei. Estamos vulneráveis. Em seguida descemos para um alçapão, escuro e sujo. As pessoas se aglomeraram em uma ante-sala com teto coberto por uma tela que reafirma a sensação de prisão. Nas paredes imagens do cotidiano dos presos e algumas cartas penduradas que revelam arrependimento e a dor da solidão. Observamos tudo isso com grande expectativa sobre o que está por vir. Caminhamos para outro lugar, o espaço é dividido entre cela e plateia, o público também pode escolher sentar dentro da área cênica, onde as sensações, por sinal, são potencializadas. Os personagens já estão ali, no chão, no canto da parede, em um beliche, banhados pelo escuro. O cheiro forte de cigarro invade as narinas e a aflição de sentir a respiração ofegante de um desconhecido que está ao seu lado apavora. Ele encara, desafia e rapidamente duvidamos se tudo aquilo é teatro. No alto, próximo as janelas, avistamos outro agente que nos vigia e que durante as cenas vai compor a iluminação do espetáculo. A sensação de liberdade fora definitivamente suprimida.
A penumbra dá lugar a claridade e os personagens encarcerados aparecem sem sombras dentro de um espaço pequeno onde as regras da vida lá fora não impera. A peça narra os conflitos de seis presos, Portuga, Bahia, Tirica, Fumaça, Louco e Bereco. O motim é intensificado com a chegada de um playboy que é violentado sexualmente em uma cena impactante que suspende a respiração de todos que assistem.
A interpretação quer convencer sobre a veracidade dessas figuras aprisionadas e o figurino se aproxima dessa realidade. A direção soube aproveitar muito bem o potencial interpretativo de cada ator de acordo com a necessidade dos personagens. Os diálogos carregam rótulos, estigmas, preconceitos que reduzem a auto-estima e criam situações de teste em que o preso deverá mostrar sua masculinidade e honra. Por vezes a correta conjugação dos verbos e a boa pronúncia das palavras soam esquisito se levarmos em consideração o contexto em que elas surgem. Em alguns momentos o feedback entre um ator e outro também é prejudicado, ocasionando momentos de espera gratuita. A iluminação é artesanal, feita por isqueiros, lanternas e algumas luminárias em frente ao espaço cênico, provocando um excelente resultado.
A encenação pretende levar o público para dentro do universo das personagens e consegue fazer isso muito bem. A platéia experimenta a miscelânea de estados psicológicos no qual eles estão submergidos, o que nos faz refletir sobre um sistema que pretende reabilitar o indivíduo, mas que não consegue atingir sua proposta.
O sistema penitenciário do Brasil é cruel por destruir a subjetividade do homem impedindo a racionalização do mesmo sobre a situação em que se encontra. A sua individualidade é massacrada pela freqüente vigilância e são sempre lembrados de sua condição de inferioridade. Eles perdem também o contato com o sexo oposto acarretando, algumas vezes, na perda de sua identidade sexual.
Essas questões mostram a relevância de se montar os textos de Plínio Marcos além de que a solução de ressignificar um espaço “não teatral” da cidade, como também faz o Teatro da Vertigem, traz ao grupo um caráter de experimentação necessária a todo artista. Sem dúvida um dos pontos fortes da encenação é levar o público para dentro desse universo transformado-o em população carcerária. Porém, depois de todo desenvoltura repressiva que contemplou o período inicial da peça, a flexibilidade de deixar alguns retardatários entrarem no meio da apresentação quebrou o clima conquistado e tirou a atenção dos que chegaram na hora exata.
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