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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Leitura Crítica - Do Moço e do Bêbado Luna

DO MOÇO E BÊBADO LUNA


O FELIZ ENCONTRO DE BACO E BAKUNIN.

*Jorge Bandeira

A poesia está para a vida como a vida está para a morte, sorrateiramente elas espreitam o seu dileto público e os brinda com surpresas que nos transbordam feito chuva desabando sobre nossas cabeças. Um poeta de nome Erickson Luna, homem das letras e das sarjetas de Santo Amaro, vivencia na sua vida que já nos abandonou um sereno regozijo por sua vida contada e declamada pelo Grupo Teatro de Rua Loucos e Oprimidos da Maciel. Tudo convergindo para uma apresentação de forte impacto, mas o Teatro de rua exige bem mais de seus feitores.

A voz, elemento essencial para a compreensão da trajetória do poeta, ficou apagada, sumindo, causando um vazio inesperado. Não do todo, mas em momentos cruciais da função aberta da rua. Melhor seria, naquele espaço da terça negra, usar o microfone, mesmo que o “boca de ferro” limitasse alguns movimentos. Por isso minha estranheza quando uma das atrizes recebeu o dito cujo metálico e não o aceitou, continuando uma movimentação livre, o que, certamente, atrapalhou e muito seu desempenho.

Os atuantes são bons no que fazem, mais o desleixo da precisão estética do poeta, sua carcaça útil deveria ter sido mais cotejada. Senti falta desta força da poesia de Luna em declamações que ficaram aquém do que se cotejava para uma rica poesia, para palavras forjadas com o breu das sarjetas carcomidas.

Muitos ainda não sabem de quem se trata, mesmo os recifenses, por isso uma ajuda bastante didática seria a colocação de painéis com os viscerais poemas do Luna e também uma foto, desenho, ou seja lá o que o valha para que todos que se compenetram com a trupe vejam a referência mais direta e didática deste poeta tão importante e pouco lido pela manguetown. Coisas da vida, da morte, da rua, do teatro de rua, desta rua que foi o palco por excelência deste Luna, de suas batalhas e por sua vida inapelavelmente etílica, voraz, e genial.

Os atuantes começam com um ritual do aguardente, o que alegrou e muito os dependentes que por ali estavam, e nisso tudo despejavam de forma muito teatral e lúdica os acordes de canções com rimas eficazes, tocadas por um violeiro bastante presente no decorrer de toda a encenação. Nesse meio termo a vida errática do poeta é contada, ora em modelo circular ora com peripécias, e como num passe de mágica a chuva que foi evocada pela canção desaba verdadeiramente sobre os atuantes e os espectadores. Coisas de poeta, de sua poesia, ou da meteorologia.

A verdade é que o grupo, e também o público, não se travou e lutou com brios formidáveis com esta chuva, tornou-a sua aliada e continuou na sua função de dissecar este poeta Luna, pois ele merecia estar por lá ouvindo e vendo aquelas estripulias. A roda do povo agradecia, aplaudia e se adentrava na caravana da trupe, contagiando a todos, e o efeito teria sido em maior, insisto, se as vozes pudessem ser todas audíveis nos diversos momentos da biografia e da declamação dos poemas do Luna. La Luna de las sarjetas, de las calles, de las transfiguraciones de las almas e de los corpos e máscaras. Máscaras que se usam e que causam um efeito de estranhamento, frente ao verso direto e por vezes ácido do poeta que revive pelo espetáculo.

O momento de fama chega e a festa continua, dando vazão aos que querem demonstrar um pouco de seus talentos. O poeta é generoso, e o teatro de rua aproxima-se desta forma de seu dileto público, de seu espectador FORA DO EIXO, eixo feito da mais pujante poesia urbana trabalhada como forja vulcânica nas ruas de Santo Amaro e do Recife. É hora de a chuva desabar, depois dos bons auspícios que antecederam à representação de DO MOÇO E BÊBADO LUNA, com um afoxé e a tradição da Africanidades imperando naquela praça, um chuva para limpar e purificar com cachaça e poesia caiu muito bem, a roda anterior dos orixás foi feita complemento pelo jorro circular da cachaça pitu, erigindo Dionísio no panteão nordestino com seus caranguejos anárquicos, com a verve de Luna ao redor disso tudo.

Citou-se a banda Ave Sangria, que foi importante nos anos 70, que misturava o blues com a tradição trovadoresca mais refinada, criando uma espécie de psicodelia do agreste...LSD natural, Luna Sem Determinacíon,LSD poético. Ao final deste ritual, deste resgate da trupe da rua, a impressão que temos é que o poeta Luna espreita a todos nós e nos instiga a colocar algum trocado naquele chapéu para que ele, Luna, possa comprar sua cachacinha lá no Mercado que carrega sua história.

O mais emblemático, e nisso não posso me atrever a explicar, é que cheguei de Manaus para essas críticas pertinentes ou não, com músicas de Ave Sangria no notebook, e pasmem, ao pulsar dos orixás que me conduziram ao poeta Luna através dos atuantes dos Loucos e Oprimidos da Maciel (quem terá sido Maciel? Quem terá sido Erickson Luna?), embasbacado constato que o poeta, sempre matreiro, deixou para morrer num dia 19 de abril, ano 2007. Dia do Índio, terra de um descendente de índio que escreveria sobre Luna, ou melhor, DO MOÇO E BÊBADO LUNA. E como foi bom ter assistido esse Teatro de rua, fora do eixo, mas me centrando na poesia, na vida, nos reencontros, nas saudades, nos recifenses, nas crianças, queridas crianças do poeta Erickson Luna. Salve Pátio de São Pedro!

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