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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Leitura Crítica - Nós Cachorros

Michelotto locuto, causa infinita®

Recifasteatro 2

NÓS, CACHORROS

Surpresa!

O Saulo divide com a Samanta a dramaturgia & a direção, éééééééé!!!!

E dessa vez a coisa toda tem peso! E dessa vez a coisa tem mais poesia.

Mimetizar à la Aristóteles, Saulo, é isso aí que vocês fizeram muito bem. Lembrei-me o tempo todo do efeito que fez sobre mim, quando guri, Cães Perdidos Sem Coleira, um livro dos anos já esquecidos, escrito por Gilberto Cesbron.

Bandeira, o Manuel, fez-nos um poema comovido também usando como pré-texto de escritura esse bicho homem.

Mas quem melhor explica esse jogo em que os mitos todos vem cirandar é um outro Bandeira1.

Não tenho mais a dizer2, ele me arrasou3 com seu texto4, e eu assino, 5 humílimo, em baixo 6.

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NOTAS de RODAPÉ

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(1) Jorge Bandeira, crítico, dramaturgo, encenador, encenador de beckett (isso é categoria à parte, claro), naturista, professor da UFAM e gente boa à bessa, é o autor do texto que segue que eu copiei descaradamente, mas tenho certeza que todo mundo concordou e aplaudiu. Eu o li e reli umas cinco vezes e pediria que vocês o fizessem ao menos uma vez mais.

(2) A temática da invisibilidade social apresenta-se outra vez, agora na figura do mendigo que rememora suas andanças sob a ótica da perda de seu cão amigo. Um grande saco feito o pesado fardo de Sísifo, que em seu pesar nos remete ao seu penar. O gorro e a camisa xadrez, a luva velha e carcomida nos dá a entender que este catador das ruas sobrevive desses resíduos, destas garrafas de plásticos que são lançadas em seu mar de solidão. E é desta solidão que aparecem espectros, monstros, cruéis e famintos, cheios de fome, e que perseguem o mendigo, a representação máxima desta fome. Essa é a violência neste reflexo de NÓS, CACHORROS, da Berlinda, Tribo de Atuadores, com direção tríplice de Saulo Máximo, Samantha Medina e Zoraide Coleto, representante da cidade de Jaboatão dos Guararapes neste multifacetário evento.

(3) A idéia central lembra, com algumas variações, ao texto de Bertolt Brecht “O Mendigo e o Cachorro Morto”, sem a figura do Imperador, que aqui ganha outra tonalidade, sombria, com o espectro. O espectro perpassa o palco enquanto o drama narrado pelo mendigo é proferido, num jogo interessante de movimentação no estilo consagrado por Robert Wilson, da extrema “slow body” cênica, o atuador em lentidão de movimentos ao extremo. A alegoria do espectro denuncia este tempo lento, letárgico, mas vertiginoso, de tensão existencial, de um pesadelo que demora para ser concluído, aumentando este frio da alma deste mendigo. É este tempo de extrema frieza, de seres frios, que avistamos. A atuação do mendigo é precisa, porém os códigos corporais ficaram no tom mais corriqueiro das personagens das sarjetas, das ruas, los olvidados, os esquecidos. Talvez por isso o vigor tenha aparecido de forma mais tímida, sem um impacto maior, o que agigantou ainda mais a figura espectral em cena, que de forma alegórica transmitia mais veracidade no palco.

(4) O cão, a flor violeta, essa perda de um depositário fiel de seus sofrimentos, abalam o mendigo, o fazem sair da razão neste mundo irracional. Por quatro dias, ele nos confessa, que levaram seu amigo Juvenal, e ele vive a urgência ainda desta perda. Entre a fome, a chuva e o frio, desdobramentos no mendigo do ser espectral, concebido de forma eficaz e plástica, com o arrastar para a morte do mendigo, que não conseguirá levar seu Juvenal para Sergipe, e sua tosse como prenúncio deste fim, são momentos de compaixão que se apoderam do palco, até a frase terrível para o nada, “quando eu acordar, eu vou ser gente de novo”. Este acordar não veio, no plano físico, mas na metafísica espectral a mãe terra carrega este corpo agora inerte para o mesmo lugar onde se encontra Juvenal, permitindo, assim, que o único pedido do mendigo seja realizado. Ele finalmente encontra seu amigo no seio de Gaia.

(5) A segunda parte da cena curta nos coloca nos planos urbanos da convivência com a violência, porém com humor bem realizado, mas também vacilante pelos clichês dos personagens, porém a leveza e incorreções das representações não tiram o foco do espetáculo, cujo intuito é o da reflexão pelo riso. A vendedora de jujuba, o descuidista, a homossexualidade, onde Ícaro impera, enfim, uma atmosfera de vidas que se cruzam e se digladiam na vertente do humor direto e com maneirismos do besteirol. O vigor das cenas e de seus protagonistas deve ser trabalhado, deixando fluir com mais desenvoltura a história dessas personagens caricatas, e que provocam, neste estágio do processo, o riso da plateia.

A capacidade da comunicação direta com o público é o mérito de NÓS, CACHORROS.

Agora resta aparar arestas para que a cena torne-se “limpa” para o fechamento total desta comunicação.

(6) Assino: Michelotto.

Leitura Crítica - A Inconveniência de Ter Coragem

Michelotto locuto, Causa infinita®


A INCONVENIÊNCIA DE TER CORAGEM

O texto de Ariano
Virou uma certa mania em Recife se esperar meu texto quando tenho que escrever sobre Ariano Suassuna.
Disse-se uma vez, nesse mesmo Seminário, há anos: (marcas dos personagens em itálico)
Bárbara Heliodora: (pensando ser súdita de Queen Elizabeth II, só por ter feito aquele estrupício de tradução da obra de meu amigo Shakespeare) Por São George!

Sábato Magaldi: (chateado com seu amigo Michelotto por ter sido rude com o autor, a peça, o diretor, os atores, o público que aplaudiu, e só não foi rude com o Fradim, que no caso era nosso incansável Leidson. Ai Sábato aproveita e diz para si: Vocês já viram Leidson em cena fazendo o Fradim? Eu choro de alegria! A indicação que ele ganhou de Melhor Ator em um Janeiro de Grandes Espetáculos, foi feita pelo meu amigo Michelotto na Comissão. Ele erra muito mas dessa vez ele acertou! Declamando com ênfase, se isso for possível ao Sábato) Não é, certamente, uma obra madura do Michelotto!

Bárbara Heliodora: (animando-se, aproveitando para sobressair por pensar, após a dica de Sábato para ela- que o Michelotto tinha uns 16 anos e usando uma exclamação final do tempo de Shakespeare]- Esse jovem não entende nada de teatro nem de Ariano, máder phócker!
Bárbara, cruel como sempre, onça pintada armorial & tigre de papel, tocou logo em meu ponto fraco: minha eterna juventude. Ô inveja da véia!
Então se é para alegria geral, vou falar de novo em Suassuna.
Do meu jeito me lixando para o que pensam os que não pensam, a arraia miúda, o povo devoto.

Vou falar de Suassuna:

Henri Ghéon foi um francês que escreveu de maneira muito muito muito bonita para quem é católico, usando moldes medievais, como os do Auto. Eu não sou, sou ateu praticante e devoto, mas confesso que sempre gostei de Ghéon. Acho que a poesia pode surgir em qualquer lugar. E eu a reconheço quando passei por entre as linhas de Ghéon.

Não me lembro quem, mas foi um desses nomões de lá da europa quem disse que Ghéon era um grande escritor mas que se perdeu perdendo tempo ao se enredar naquele discurso e universo – do qual nada ou bem pouco – restaria ao se avançar a modernidade. Em compensação, outro escreveu:
Ghéon não é um escritor menor e sua obra fala por si mesma. Se ele lembra Dickens, seu teatro não perde nada em comparação com Anouilh e Giraudoux. Foi apenas ele quem, na primeira metade do século XX, reviveu o burlesco popular e a verticalidade dos Mistérios medievais, antecipando assim a Dario Fó. 1

Acho um exagero da gôta serena colocar-se um crente como Ghéon ao lado de um ateu e maravilhoso escritor como Fo. O uso dessa literatura medieval muda completamente de sentido em um e em outro.

E aí chego em Suassuna.

Eu não tenho muito mais a dizer do que já disse sobre a maneira como e sobre o quê e com que técnicas esse povo todo da primeira metade do século passado resolveu escrever. Já disse que Suassuna, meu colega de departamento, poderia ter aproveitado para teorizar sobre o uso que ele faz da literatura de cordel. E não teria sido reconhecido apenas como um escritor de grande fé, católico. Pois foi como a P.U.F. piedosamente o classificou na orelha de seu Jeux de la Miséricordieuse, Auto da Compadecida, em francês, que chique. Se tivesse teorizado seu achado, além das glórias perecíveis da Academia B. de Letras e do título de catolicão sucessor de Ghéon, teria tido a glória eterna dessa vez da verdadeira academia, a de ter sido o antecipador de Julia Kristeva e do seu, agora de Julia, conceito chave de intertextualidade.

Mas infelizmente o destino nem sempre nos leva para onde os outros querem, não é mesmo?

Julia, minha comadre de esquerda, era de esquerda maoísta da pesada e isso é uma coisa que muito se temeu no Brasil daqueles anos bicudos: ela comia criancinhas. Tava difícil para a UFPE entrar nesse jogo nada misericordioso. Então meu colega ficava lá, naquele velho Auditório do CAC, discutindo Kant com o grande César Leal e outros colegas menores de Letras, enquanto esperava a aposentadoria. Meninos, eu vinha de João Pessoa só para assistir!

Confessei outro dia a Jorge Bandeira que tenho tido uma dificuldade imensa em separar meus ídolos. Não sei pensar mais sem Heiddeger, e o cara nunca largou aquela carteirinha de adepto do horror nazista.

Fiz teste pro filme A Pedra do Reino e NÃO passei – e tenho horror às posições políticas de Ariano (nem pensem que ele é próximo ao PSB, isso é invenção de Arraes). Em Recife posição meramente política – isso é se manter no poder – Leva o nome de “posição estética” nunca compreendi bem o por quê.

Que Ariano seja dos que saudaram com Gilberto Freyre a Gloriosa Revolução de 64 e se beneficiaram com ela – virou secretário, isso é problema dele e não meu.

Que Ariano, depois de um degredo e amargor, abandonado por Recife, coisa que nem sei se ninguém merece, tenha sido reabilitado por Arraes, deposto e quase arrastado pelas ruas da mesma revolução gerada no seio de um patriotismo mais aproveitador que pífio por esses mesmos aos quais estava se aliando, isso é coisa entre eles & a História & a Psicanálise (Síndrome de Koppenhagen?).

Que Ariano tenha a facilidade de declarar meras crenças reacionárias, como aquelas estórias de amor à Rabeca e ódio à Guitarra e mais uma centena de outras bobagens sem interesse para a cultura pernambucana – isso é problema dos pernambucanos e dele, que não o é, e não meu.

Que da grande obra dele na Cultura desses tempos o que restou foram alguns bons músicos e alguns bons dançantes, além de suas próprias e inesgotavelmente encenadas, enquanto ele estiver no poder, obras – isso é com ele, o punhado de DBO (Devotos Baba Ovo) e minha inveja.

Que a grandeza de todo esse período nefasto tenha sido exatamente os resultados gigantescos prometidos pela Revolução de 64, como usinas nucleares para engordar alemão em Angra, transamazônicas absolutamente ecologicamente incorretas, PIBs miseravelmente baixos, Delfins falastrões. Incapazes de segurar uma Inflação miseravelmente alta, gasolina em falta sábados, domingos e feriados, marchas e marchas de escolares ao sol causticante da pátria cada maldito Sete de setembro... O que foi mesmo que restou?

O esquecimento.

Como disse – me alguém no outro dia no Rostolivro, Facebook: “Ô michelotto pára de falar disso, pára de se mostrar, você é um trouxa, não estamos mais nessa era”. Estamos na era de quem? Ariano ainda é secretário que eu saiba e vai morrer no cargo, Sarney, ex líder dos militares, manda e desmanda em Brasília, na internet li um Jornal ou Revista dos Guararapes – começando com um artigo de Jarbas Passarinho – aquele que tentou livrar o MEC dos comunistas e ou ainda está vivo, passarinho vivo por aí, ou é seu pensamento que não morre nunca. Eram patrióticos militares furiosos, com toda justiça, com o sucateamento das forças armadas. Até eu ia apoiando quando reparei que o balacobaco esquisito é estarem alertando para o perigo do comunismo que apenas trocou de nomes, e toda aquela ladainha do coro dos descontentes, Meninos, como assustei!

Estamos mesmo na era de quem, então?

Aquela droga toda deles e nossa deu num rato. Um presidente rato. Mons parit mus. Talvez por que não era nem constitucional, nem função de exército algum. Não conheço na história um só caso de exércitos que tenham se erigido contra seus próprios cidadãos. Bandos sim, exército não. Mas sabe o papo de que os caras comiam criancinha? Assustou muita gente.

Nesse tempo não era inconveniente se ter coragem.

Estou velho e desamparado. Meu salário congelado pelos que pediram mudança. Gil já anunciara claramente o programa vindouro: agora é só Mu dança. Seja lá que piração psicodélica for Mu, dancei. Por isso também, deus nos livre de todos eles, esquerdas e direitas. Amém.

Prefiro hoje, senhores, cantar a canção desse nosso texto exílio de velhinhos, que nos abriga em paz, eu, Ariano, Jomard, e mais uns poucos. Canção que em breve nos naufragará completamente no esquecimento:

E outras vezes, numa melodia muito saudosa e tão medieval,
Era a Bela Infanta... Eu fechava os olhos outra vez, e em tudo isso era feliz
Ó meu passado de infância, boneco que me partiram!
Não poder viajar para o passado, para aquela casa e aquela afeição
E ficar lá sempre, sempre criança e sempre contente! [Fernando Pessoa]

Sempre acho que quando vemos uma bela apresentação como essa de Limoeiro, tenho a sensação que não foram eles, os artistas populares que seguiram o texto de Ariano. Todos sabemos que o texto de Ariano é que é retirado deles. É talvez essa sua grande grandeza.

Por que ser covarde é sinônimo de ser efeminado? Seria inconveniente ser preconceituoso, ao menos hoje, e dá cadeia, não? Talvez essa a miserável vocação desse texto: o esquecimento em breve.
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(1) Traduzindo pro original: Ghéon is not a minor writer and his work speaks for itself. If his novels recall Dickens, his theatre loses nothing in comparison with Anouilh and Giraudoux. It was he alone who, in the first half of the 20th century, revived the popular burlesque and verticality of the medieval mystery plays, thus anticipating Dario Fo.
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Os Artistas de Limoeiro

Tem alguém aí que ainda não viu uma apresentação dos cantadores, dos improvisadores, dos mamulengueiros, dos artistas de teatro, do maracatu de Limoeiro? Põe ainda ciranda e roda de côco nisso e é só felicidade e belezura. O Cenário é quase a shiminawa do DIG num chão de signos, o figurino puro bufão, atores duplo bonecos é meio Artaud meio Kantor, sei não como me lembrei da Classe Morta, agora Viva, o timing do espetáculo é um relógio suíço de perfeito (Ariano não usa relógio digital, né não?), a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir, a versatilidade, vou repetir, danem-se meus leitores, não disse que no blog NÃO há recursos para a gente escrever bem e dizer o que pensa? A VERSATILIDADE DESSE GRUPO FAZ A GENTE CHORAR. Tá bom que eu choro até em propaganda do Governo quando aparecem aqueles pobres todos sendo ajudados, ô tadinhos, mas chorar por causa da versatilidade de um ator, nunca chorei não. Me comovi. Revirou minhas tripas, a gente anda tão longe aqui no Recife, tão fora do mundo, tão fora de Limoeiro, ô meu deus, me desculpem por todas as críticas que escrevi aqui se nelas não repeti o tempo todo: gente eu conheci uns caras lá em Limoeiro que eu não tenho palavra para definir bem. Puta que pariu, eles comem cu à bessa a mando de Ariano, eles são fodões à bessa, eles são nosso melhor teatro, eu quero ir para Manaus com eles, quero ser o Crítico Oficial deles mas antes vou passar um tempão em Limoeiro. Pô, vocês tem uma lista enorme de funções, é só olhar aí em baixo a ficha técnica, então, criem aí a de escravo sexual da companhia que eu topo, contando que eu possa passar um tempo aí com vocês aprendendo. Bom e depois, me levem dentro da mala para Manaus, escondido do organizador do festival, fechado? Então fecha essa mala aí que já tou dentro!

Mas antes, deixa eu também exercer a nova função que criei para a Companhia de vocês e que já estou ocupando: a de Baba Ovo Oficial, pois amei vocês todos e um por um. Então permitam-me fazê-lo ao som de um mote muito instrutivo. O mote é assim:

Manaus vai vos amar, tenho certeza,
Se puderem, me levem na bagagem!
Pro Amazonas seguir em correnteza...

O Homem do Pandeiro, Mano do Baé, o introdutor genial. Jorge Luiz Borges dizia admirado: o que não se pode escrever só com essas 24 letrinhas! O que não se pode tocar só com um pandeiro!- mostra Mano!

Mano, meu mano, apesar do papo sobre cultura popular já ter invadido Recife bem antes de Mestre Ariano- que não bate um côco- aqui quase que só se consegue aprender ciranda. Então um côco bem tocado e cantado é um prazer raro quando executado por um Doutor como você. Sua abertura é fenomenal, tanto na batida quanto no domínio do público. Em um minuto tu botaste todo mundo no bolso... quem é o ator brasileiro que consegue isso? Um Wagner Moura, um Léo Castro, uma Bruna Campello, um Gerrah, uma Carol Santa Anna, uma Polly e mais uns dois ou três por aí - que você irá encontrar em Metamorfose, lá em Manaus. Você é certamente o melhor de todos nós e Manaus...
Manaus vai te amar, todo janeiro,
Se puder, me leva na bagagem,
Que eu te dou até o meu pandeiro!..

Fábio André: na encenação e produção; eu não sei o que mais tu poderias fazer, não gosto de falar de encenador, diretor e essas coisas por que acho que a gente acaba empobrecendo o ator, essa foi a História do teatro após a modernidade. Mas quando a gente vê o que viu, tem que ser maluco para acreditar que tem algum ator empobrecido ali. Todos são de uma riqueza que só existe ali, naquele galpão, naquele projeto, naquela Limoeiro. Já preparou as malas para Manaus?

Manaus vai amar tua produção,
Se puder, me leva na bagagem!
E larga uns trocados em minha mão!...

Edna: apoio.

Manaus vai te amar, tenho certeza,
Se puder, me leva na bagagem!
Sem apoio isso é pura sacanagem!...

Ray Arruda, Sandra Fragoso e Maria de Lourdes: Figurino:

Manaus vai chiar, tenho certeza,
Se puder, me levem na bagagem!
Quatro é demais, mas só três é sacanagem!...

Diego Ramos e Luan Amorim: Design gráfico

Manaus vai nos olhar, tenho certeza,
Arrumamaí e ramo na bagagn!
Vós, dupla caipira; nós Trio de Design!...

Dilermando Alves: Criação de Cartaz

Manaus vai nos olhar, tenho certeza,
Só tem coisa bonita no cartaz!
Me desenha, Alves, e leva atrás!...

Cláudio Melo e Alex Gonçalves: fotografia

Manaus ireis fotografar, tenho certeza,
Se puderem, me levem na bagagem!
Cláudio mira, Alex clica e eu fico na moleza!...

Charlon Cabral: concepção cenográfica
Conceberás novos palcos com certeza,
Mas se puder, me leve na bagagem
Prá descobrir das índias a beleza!!...

Rosélis Alves: pintura dos tamboretes

Tu , Rosélis, tamburetes pintas
Pra Manaus me leve nesse passo
Que eu pinto, cozinho e passo

Fábio Santana: Adereço

Manaus vai te amar, é o que peço,
E, se puder, me leva na bagagem!
Que topo até ser um adereço...

Jadenilson Gomes: Maquiagem

Manaus vai te amar, tenho certeza,
Se puder, me leva na bagagem!
Rimar com teu trabalho é uma bobagem!...

José Roberto: Contra Regra

Manaus vai te amar, tenho certeza,
Se puder, me leva na bagagem!
Dos sete ofícios só tenho essa destreza!...

meus doces atores de Limoeiro:

Jademilson, Tarcisio, Charlon, Lucas, Kettully
O Mundo já vos ama e ele é um tule,
Sob ele, me levem em viagem todo ano,

Carái, já tô amando esse Ariano!1

(1)Saulo, já tô te copiando, copy, mano!



quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Leitura Crítica - Mãe in Loco e Trans-

Márcio Braz
 
Palavras Chave: Mãe in loco, corpo,Trans-, gelo e facebook.

A apresentação das performances Trans- e Mãe in loco na cidade do Recife (PE), nos últimos dias 03 e 04 respectivamente, nos leva a uma discussão interessante cujos focos de debate nos direcionam para dois aspectos. O primeiro diz respeito à própria formação do teatro amazonense e os caminhos que descambam para uma quase verticalização no pensamento objetivo em relação ao fazer teatral na cidade de Manaus; e o segundo, como veio conceitual em torno do chamado “teatro pós-dramático”, no qual a companhia já nos adverte sobre suas intenções: não se trata de criar uma grife e muito menos de ter como exclusividade e fio condutor de suas encenações o pós-dramático ou as teatralidades híbridas, ou o teatro pós-contemporâneo ou qualquer nome que queiram dar para estas manifestações que não encontram limites e questionam os conceitos estabelecidos, mas sim, de pensar o humano dentro de novas perspectivas e linguagens.
Nos últimos 14 anos, o Amazonas estabeleceu uma políticia cultural sem precedentes na história com a criação de várias instâncias estatais responsáveis pela difusão, gestão, fomento e produção de boa parte do movimento artístico na cidade. O que torna este fato um ponto de análise é, exatamente, o modo como isto reverberou no processo criativo dos artistas de teatro em Manaus. Não seria apressado dizer que o número de produções teatrais praticamente dobrou nos últimos anos bem como o volume de verbas aplicados é bastante considerável, mas é possível perceber um descompasso entre o aumento quantitativo no quadro geral de produções teatrais e o olhar crítico sobre estas produções de modo a estabelecer critérios, identificar ações, processos, conteúdos e/ou mesmo indicação de metas para planejamentos futuros.
Por um lado há quem diga que a própria política cultural do Estado - com a oferta de espetáculos gratuitos à população mediante pagamento de cachês - é responsável pelo círculo vicioso e, porque não dizer, corrupto em que muitos grupos, companhias e artistas se deixaram levar. O financeiro acabou subjugando o cultural, a infra-estrutura dominando a superestrutura e o arrivismo aniquilando o processo criativo. Acomodados em nossas redes de tucum, nós artistas perdemos o foco de visão, a autoanálise e a generosidade para com o outro e o “Outro”; pouco nos vemos, ou mesmo refletimos sobre nossas conjunturas.
De modo algum pretendo acusar o Estado (leia-se aqui, poder público, órgãos representativos da sociedade brasileira), embora haja uma contribuição significativa neste sentido. Mas sim e nós, artistas, pobres miseráveis, presos em nossa torre de marfim como arquétipos (por que não?) da relação do não contraceno, do plano sem contraplano, do pas de deux sem o partiner.
É justamente sobre tudo isso que Carol Santa Ana pretendeu provocar quando de sua apresentação no espaço Muda, localizado no simpático bairro de Santo Amaro, em Recife (PE). “Mãe in loco” foi apresentada numa sala plana, rodeada por sofás e cadeiras e, neste ambiente, Santa Ana nos recebe sob quilos e quilos de gelo repousados, por sua vez, sobre uma lona azul em formato quadrangular. Ainda com ela, um carrinho de compras coberto de quinquilharias; e do lado de fora deste gelado ambiente, uma mesa com cadeira onde Taciano Soares promove suas intervenções.
Baseado em “Mãe Coragem e seus filhos” do filósofo e dramaturgo alemão Bertolt Brecht, “Mãe in loco” surpreende pelo impacto neste quase monólogo da Cia. Cacos de Teatro. A personagem interpretada por Carol (chamemos de Mãe) é o reflexo do mundo moderno onde cada vez mais se encurtam os diálogos, a incomunicabilidade torna-se presente, os olhares não mais se entrecruzam, e as relações sociais são feitas por sites de relacionamento da internet como o facebook. São corações gelados, frios, nesta guerra da não-relação e do não-afeto onde a Mãe-terra reflete e lamenta pela sorte de seus filhos glaciais.
O monólogo é a forma ideal desta performance que busca discutir o vazio em nosso cotidiano. A força promovida pela solidão no palco sem quaisquer indícios de relacionameto – seja ator-plateia, personagem-personagem – daria um choque verossímel a proposta empreendida pela Companhia. No entanto, a participação de Taciano Soares como um interventor neste (já disse!) quase monólogo, diminuiu o impacto da proposta, cujas intervenções, neste sentido, poderiam ser dispensadas. Assim como também consideramos dispensáveis toda tentativa de relação com o Outro, a saber: cabeça fora do espaço, saída de cena diante do espectador, exibição de adereços e colagens no corpo para o espectador de forma direta e trivial.

Em Trans-, outra performance da Cia, desta vez interpretada por Ana Paula Costa, a desconstrução do corpo é levada à cabo e como nos afirma o antropólogo Claude Lévi-Strauss “o homem soube fazer do seu corpo um produto de suas técnicas e representações”. A intérprete cria códigos corporais e todo um repertório de gestos codificados em vista de uma eficácia prática de modo a constituir-se num elo de comunicação com o espectador cujo objetivo claro é provocar uma discussão sobre o corpo construído socialmente e todo o universo de significações que moldam a vida cotidiana dos indivíduos, afinal, conforme salienta David Le Breton em A Sociologia do Corpo, “ não há nada de natural no gesto ou na sensação”.

Mas ao mesmo tempo em que a comunicação é gerada, percorre em vistas da plateia um computador contendo fotografias tiradas em apresentações anteriores e outras reveladas naquele momento. Pelo que se percebe no início da cena onde a intérprete paga R$ 1,00 para que fossem fotografadas partes do corpo que o indivíduo fotografado se sente insatisfeito, imagens de outras pessoas fotografadas e que não estão presentes são postas à vista pela plateia. Daí se discute uma relação ética no sentido de que o jogo pretendido na performance diz respeito apenas ao presente ato e não a outros, logo, a autorização dada foi só para aquela brincadeira naquele momento e não em outro.
Será que o pós-dramático trabalha dentro dos limites do politicamente correto? Ou não? Sabemos de inúmeras manifestações folclóricas como a quadrilha e ciranda, por exemplo, ou mesmo espetáculos de stand-up comedy onde as brincadeiras em torno da deficiência do indivíduo ou piadas de cunho moral e racistas são aceitos dentro destes limites e não geram qualquer sentimento de desaprovação pela plateia. É como se o código construído dentro destas linguagens já fosse absorvido, culturalmente, pela plateia. Mas onde pretendo chegar é na presença do jogo, que na verdade não há. A brincadeira de se comprar uma foto é forte quando o idivíduo fotografado está presente. Isso chama a atenção de outros da plateia como do próprio espectador - modelo. Quando é colocado fotografias de “anônimos” parece que o objetivo do jogo fica preso numa ilustração e não no uso de um adereço imagético, extraído em tempo presente, criado como elemento do jogo, brincadeira e surpresa. O anônimo fotografado foi excluído da brincadeira entre a intérprete e a plateia e serviu apenas como papel de parede para o exercício poético pretendido na performer.
O que une a proposta das duas performances não é a força da imagem e sim o que a imagem sugere como elemento codificador; é a nossa visão de sangue, de corpo, de infância, de mãe e de criança que é desconstruída, repensada e tensionada. Podemos dizer que em “Mãe in loco” e “ Trans-“ estamos diante de um teatro das sensações onde aquilo que é visto imediatamnte é transposto para o plano das sensações.

A Cia. Cacos de Teatro, criada há um pouco mais de três anos, vem desenvolvendo projetos salutares no campo das artes cênicas em Manaus. Espero que a energia despendida pelo grupo ressoe no coração de nossos companheiros da terra, afim de construirmos um teatro forte, criativo e “engajado”, e não um exercício estatístico e apressado para preencher curriculum e ser a gracinha dos editais.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Leitura Crítica - Open Space Cacos

OPEN CACOS - BODY AND SPACE
Vinícius Vieira

A companhia Cacos de Teatro (MA) apresentou na tarde do sábado (3) no teatro Hermilo Borba Filho seu Open Space, momento em que o grupo falou sobre seu processo de criação. Mas o encontro não relegou a platéia apenas a atividade observadora. Quem se sentiu à vontade pôde experimentar na prática como funciona a engrenagem criativa desses jovens que vêem na investigação e experimentação a mola propulsora da cena.

Embora os trabalhos atuais da Companhia estejam próximos de um teatro denominado pós-dramático, os integrantes não levantam a bandeira definitiva de nenhuma estética e seguem livres para levar à cena a verdade que o grupo quer comunicar em dado momento. O projeto mais recente da Cacos é denominado “Em Companhia de um Só”, título que acaba formando um paradoxo. Não são todos os componentes que entram em cena, alguns integrantes assumem outras funções. É uma idéia bastante interessante que mostra o amadurecimento necessário ao artista que se destina a trabalhar em coletivos teatrais. Assim, um ator pode ser um performer “solitário” no palco, mas continuar em conjunto com a equipe que dirige, ilumina, opera som, faz maquiagem... (Esse rodízio acaba explicando o título paradoxal).

A metodologia do Open Space usada nesse encontro foi a de manter uma conversa sobre a história e os procedimentos do grupo enquanto uma turma orientada por dois integrantes suava (suava mesmo!) a camisa no fundo do palco com caminhadas, saltos, giros e corridas, além da “bateria de abdominal” que deixava a platéia sem fôlego só de ver o que acontecia.

A Cacos tem uma pesquisa muito interessante de explorar o teatro físico em que o corpo se torna presente. O kung fu, as danças urbanas, a dança contemporânea e a técnica vocal fazem parte dessa imersão investigatória em que a corporeidade acaba entrando em conflito com a voz. O estudo nesse terreno de dúvidas fez o grupo entender que a voz integra o corpo, mas que ela não é objeto primordial, isso fica bastante evidenciado tanto em Trans quanto em Mãe in Loco.

O grupo além de pesquisar produz ainda o “Breves Cenas” em Manaus, que é considerado um dos festivais mais importantes de cenas curtas no Brasil. Perante a profusão teatral manauense que Recife pôde assistir nos últimos dias, como pensá-la fora do eixo? O próprio discurso da Cacos dialoga com as obras que acontecem no mundo. Ou ainda, como considerar alguém fora do eixo (diga-se à margem) diante de um mundo globalizado e cada vez mais interligado pela mídia e os avanços tecnológicos? O teatro de Manaus, representado pela Cacos, e outros artistas, mostrou que não deve nada a ninguém.

trans-

O QUE VOCÊ NÃO GOSTA EM SEU CORPO? A FOTO VALE 1 REAL.

A atriz-performer Ana Paula Costa constrói um discurso poético que problematiza as questões do corpo na esfera social. O homem pós-moderno precisa se modificar para se mostrar perfeito ao mundo e, assim, adquirir valor perante os demais. A questão, no entanto, não está na busca de medidas perfeitas, mas no sentido existencial que esse homem desenvolve sobre si. A sua vontade é atingir o ideal de beleza custe o que custar.

SERRA, TESOURA, MARTELO... CADA UM TEM SEU PREÇO E VOCÊ PAGA PARA USAR COMO QUISER.

Nós vivemos a banalização do corpo em função das modificações constantes realizadas por cirurgias plásticas, dietas loucas ou na utilização de adereços que prometem melhorar o aspecto fisionômico nos tornando belos e apropriados para sermos vistos na chamada “sociedade do espetáculo”. Esse ser carrasco da própria carne espera atingir a boa convivência social.

O resultado de toda a técnica usada para uma reconstrução corpórea é o prazer da mudança que não traz a satisfação genuína, o que leva esse corpo caótico a jorrar sangue.

O discurso não poderia ser melhor socializado se não pelo expressão corporal consciente e preciso de Ana Paula, que se utiliza de pouquíssimos elementos para produzir sua cena. As imagens falam mais do que mil palavras e constroem outro tipo de dramaturgia que precisa, e muito, do olhar atento e perspicaz de uma platéia seleta que não encontrará nada “mastigado”. É lamentável que o outro trabalho da Cacos (OFF Inferno ou Lave os Céus para que eu Morra) tenha sido cancelado na programação do Seminário. Aguardamos ansiosos que outras produções desse grupo retornem a Recife e motivem mais experimentações locais nesse campo estético. E como foi falado no debate, as possibilidades do teatro são múltiplas! Assim, esperamos que essa multiplicidade preencha de maneira mais significativa os nossos palcos pernambucanos.

SAIBA MAIS:
http://ciacacosdeteatro.blogspot.com/

http://www.brevescenas.com.br/ (INSCRIÇÕES ABERTAS!)



Leitura Crítica - Mãe in Loco


Paulo Vieira

O grupo Cia Cacos de Teatro, de Manaus, por exemplo, escolheu o palco, e no palco, o silêncio. Foi o que se viu no segundo espetáculo do dia, Mãe – in loco, performance com Carol Rodrigues e a direção de Francis Madson, de Manaus.

O silêncio. Teatro físico. Em tese, o oposto da palavra. Mas mais do que isso, a atriz posta diante de uma situação desagradável ou no mínimo incômoda: representar dentro de uma piscina de gelo. Realizar ações, códigos que não são de fácil percepção, espetáculo que é mais para ser sentido do que compreendido, pois quem disse que teatro tem que sempre ser lido de maneira linear, racional, cada coisa no seu tempo e o clímax no final?

Há espetáculos que são feitos como uma recusa a razão. E está bem, não há nenhum problema nisso. Até porque problematizar o que não se pediu para tanto significa recuperar algo que somente faz sentido nos bancos da academia, e isto unicamente porque a academia lida com a formação de jovens atores que precisam saber como se relacionar com a teoria, Aristóteles e a sua poética, e depois dele quantos escreveram sobre o fenômeno da teatralidade.

Uma performance como a que foi mostrada no Seminário Internacional de Crítica Teatral tem, suponho eu, o objetivo claro de ser uma porrada no estômago dos que esperam no teatro a mensagem. Este é o segredo: não há mensagem, mesmo que esteja escrito no programa que Mãe “é uma palavra carregada de exímio sentido”, há de ficar a pergunta no espectador: Que sentido será esse? Eu não o vejo, não o vi, não sei onde ele está.

Vendo uma atriz disponível corporalmente, realizando coisas que me fazem pensar em se há limite para a criatividade, eu me pergunto se faz sentido a palavra naquele instante, mesmo as poucas que são ditas pela atriz, faz sentido a palavra? Se as imagens já falam por si mesmas, se provocam vertigem ao ver uma atriz se autoimolando, num sacrifício algo ritualístico em nome da não razão, tenho para mim que de certa maneira tudo volta ao princípio: teatro como representação de sacrifício, o ator (a atriz, no caso) enquanto animal em um ritual pagão, o bode expiatório, até porque, antes de tudo, a atriz com o rosto coberto remete para um animal, e dessa maneira o público é o sádico espectador das dores que sofre a atriz com os pés imersos no gelo. O prazer pela dor.

Leitura Crítica - Do Moço e do Bêbado Luna

A rua e o palco

Paulo Vieira

Há uma sina terrível à qual está condenado o artista, a de apresentar a sua obra sob qualquer condição. Há um bordão de uma canção popular que diz que a plateia só deseja ser feliz. Portanto, nessa relação do artista com a plateia, resta para o artista submeter-se aos caprichos e desejos da plateia, e se o artista for um ator de teatro, ele o faz com deliciosa submissão, embora nem sempre tenha consciência de que ele também só é feliz se estiver submisso a esse desejo.

Ocorre-me pensar essas coisas depois que assisti a dois espetáculos na noite de ontem, 4 de setembro, durante o Seminário Internacional de Crítica Teatral, no Recife.

O primeiro, Do moço e bêbado Luna, do Grupo Teatro de Rua Loucos e Oprimidos Maciel, do Recife. E como diz o próprio nome do grupo, faz teatro de rua.

E o espetáculo em questão é, obviamente, de rua.

Eu tenho certos entraves pessoais em relação ao teatro de rua. Não o vejo como expressão da contemporaneidade, como tampouco vejo o palco à italiana como essa mesma expressão, até porque, pego o bordão do amigo Michelotto, se o palco à italiana é reminiscência do século XIX, a rua enquanto palco seria o quê? Expressão de que século? Certamente que o teatro existiu na rua bem antes de existir no palco à italiana. Acontece que quando existia na rua, as ruas eram menores e bem mais silenciosas do que o são na contemporaneidade. O pobre ator não precisava disputar a atenção e mais do que isso, os ouvidos dos espectadores, com barulho de toda a sorte, inclusive com sons mecânicos ligados em bom volume bem perto de onde estava o homem exercendo essa que é uma das mais antigas atividades do ser humano, a de representar para alguém, a tal plateia que só deseja ser feliz. Vejo o teatro de rua menos como uma opção estética radical e fora do eixo, digamos assim, e mais como um posicionamento político, não digo em sentido partidário (isso que no Brasil virou

valhacouto para velhacos e bandidos), mas no sentido de ir ao encontro da plateia, uma vez que ela cada vez mais vai menos ao teatro à italiana. E se isso acontece não é porque a plateia tenha se cansado desse formato, é talvez porque o teatro já não responda às expectativas de diversão da maioria.

À parte: sim, não esqueçamos disso jamais, por favor, teatro é diversão, a plateia só deseja ser feliz. Tudo o mais que sobre ele houver, teorias e modus operandi, são coisas nossas, de gente de teatro, gente que se dá importância mais do que realmente temos na memória, no gosto e nos corações dos espectadores.

OK, então é preciso ressignificar o teatro, então se vai à rua, repetindo-se inconscientemente o velho procedimento de que se Maomé não vai à montanha... O teatro vai à Maomé.

Acontece que na rua o teatro encontra uma praga do nosso tempo: o barulho.

Então, diante desta barreira, os atores se pegam a gritar, a gritar, a gritar cada vez mais alto para fazer com que os espectadores ouçam o que eles têm a dizer, e é nesse momento que entra o meu senão pessoal em relação ao formato rua. Em nome do texto - o texto é a mensagem – perde-se totalmente a interpretação, o pobre ator tentando ser feliz, gritando inutilmente para que a plateia seja feliz, ela que olha com certa indiferença o seu esforço para fazê-la feliz, até porque, não bastasse o barulho, cai a chuva e todos correm buscando abrigo e fica o ator, o resistente ator, esse dinossauro da estética, esse operário da ilusão, dançando na chuva sozinho como um bêbado e louco invocando os deuses do seu sagrado profano para que a nuvem passe, a plateia volte, e possa a sua função, enfim, se completar.

Tenho para mim que não dá para negar as tecnologias. Se o que precisa ser dito tem que ser dito com texto falado, então que se busque microfones, porque ator não é camelô, a mercadoria que ele tem a vender é a ilusão da felicidade que nascerá em uma rodinha mística no centro da praça, é o resgate de um poeta popular e bêbado que a cidade ignora, não interessa o que ele tem para vender, interessa o que ele tem para mostrar, o que eu, espectador mais ou menos ao acaso, quero ver e não vejo: um corpo actante. Não basta usar máscara, isso que já virou um signo comum em teatro de rua, para ser ator e ser completo, se falta o corpo expressivo, o corpo que fala, esse que diz que o teatro está presente, que o ator é a representação de um deus resgatado dos escombros da civilização, a voz da poesia, da inconsútil poesia que une o tempo e a memória, a memória e a sua revelação, a mensagem.

Teatro precisa de mensagem? Talvez teatro precise de tudo, é a mais carente das artes, mas eu tenho para mim que precisa, sobretudo, de ator, e este é um ser completo, um ser que é voz mas que também é corpo.

O importante é entender que em arte não há verdades, há escolhas. A rua ou o palco?

Leitura Crítica - Do Moço e do Bêbado Luna

Vinícius Vieira
CHUVA POÉTICA DO BÊBADO LUNA
Vinícius Vieira


De um lado a Igreja de São Pedro dos Clérigos, do outro lado o Afoxé Oyá Alaxé e entre esses dois universos alguns bares que enalteciam a boemia. Crianças, jovens e adultos preencheram o Pátio de São Pedro em plena mistura que integra o sagrado e o profano no mesmo espaço. Foi nesse cenário propício que a vida e obra do poeta pernambucano Erickson Luna ganhou contornos teatrais no último dia da Mostra Fora do Eixo, programação que compõe o Seminário Internacional de Crítica Teatral.
O grupo de teatro de rua Loucos e Oprimidos da Maciel foi quem  comandou o espetáculo Do Moço e do Bêbado Luna. Eles estavam tão a vontade que nem os contratempos que surgiram conseguiu ofuscar a apresentação, muito pelo contrário. A chuva que a primeira vista espantaria o público foi o ponto forte da noite que reafirmou a máxima do artista que diz: “o espetáculo não pode parar”. Dito e feito! Eles continuaram tirando proveito da situação que, aliás, tinha tudo haver com o contexto da peça. A figura de dois atores que cantavam protegidos por um mero guarda-chuva conquistou o público. Uma mulher, em alguma parte do abrigo em que a platéia se encontrava, gritou:
“QUEM SABE FAZ AO VIVO”.
Palmas, gritos e olhares de admiração aprovaram a atitude dos atores que não deixaram a peteca cair. Na rua não existe a proteção de um palco dividindo o espaço cênico da platéia, não há acústica, o ambiente é dispersivo e o risco de qualquer situação controversa acontecer é extremo, mas brincar com esses momentos é o que faz esse teatro flamejar.
A participação do público, não se contesta, é atividade garantida. Em meio aos poemas de Luna um espaço é aberto para quem quiser aproveitar “um minuto de fama”.  Surgiu duas figuras da platéia, cada um a seu tempo, e se colocavam a declamar palavras poéticas com um microfone na mão que ajudava na propagação da voz. Esse recurso mecânico causou microfonia em alguns momentos do espetáculo, talvez a passagem de som antes da apresentação eliminasse esse tipo de ruído.         
Os atores, com a projeção de voz prejudicada, cantavam e tocavam em uma arena. As vezes sentavam em alguns banquinhos alojados em círculo, andavam em direção a platéia pedindo para abrir passagem ou circulavam ao redor do público. O elenco parecia está bastante aberto para dialogar com quem quisesse entrar no jogo. As vezes aconteciam alguns esbarros entre eles e olhares inseguros que tentavam perceber se a “marca” havia sido bem executada. Apenas uma atriz parecia estar sempre desatenta, como se não soubesse ao certo o que fazer, ou fizesse suas ações de qualquer maneira. Os demais atores estavam íntegros no trabalho, atuando com a verdade do teatro, da rua, da boemia e de Luna.
E ao som do blues, essa conversa cantada, somos embalados ao passeio nostálgico de felicidade cinza que emerge na poesia marginal do último dos beatnicks. UM POEMA PARA CONHECER
CANTO DE AMOR
E LAMA I
Choveu
e há lama em Santo Amaro
nas ruas
nas casas
vós contornais
eu não
a mim a lama não suja
em mim há lama não suja
eu sou a lama das chuvas
que caem em Santo Amaro
Vosso Scotch
pode me sujar por dentro
cachaça não
vosso perfume
pode me sujar por fora
suor nunca
porque sou suor
a cachaça e a lama
das chuvas que caem
em Santo Amaro das Salinas
(Erickson Luna)
CONHEÇA A MÚSICA DO POETA MARGINAL:

Leitura Crítica - Barrela


Vinícius Vieira
“Faço TEATRO PARA INCOMODAR os que estão sossegados.”


A afirmação acima é do ator, diretor, jornalista e dramaturgo, Plínio Marcos. Essa necessidade de causar incômodo foi muito bem explorada na apresentação de Barrela, texto de sua autoria, apresentado no sábado (03) no Espaço Cultural Tancredo Neves em Caruaru, com a direção de Moisés Gonçalves. O lugar havia se transformado em penitenciária, a própria arquitetura do espaço já lembrava uma prisão. Na entrada uma grade imensa, nenhuma janela e três agentes penitenciários (que por um instante não sabemos que são atores) criam uma atmosfera repressora. Algumas pessoas que aguardam na escadaria ainda não perceberam, mas o espetáculo já começou.

Somos conduzidos para dentro do espaço de acordo com o comando dos agentes. Após um tempo de espera em uma fila, cada pessoa entra em outro compartimento e recebe um “baculejo”, gíria que se refere a busca pessoal em que o policial revista uma pessoa a procura de objetos suspeitos. A situação de agressividade e de invasão ao seu corpo provoca medo, incômodo e revolta. É como se o público perdesse a sua autonomia, o direito de ir e vir que é anulado pela lógica carcerária como prática repressiva aos detratores da lei. Estamos vulneráveis. Em seguida descemos para um alçapão, escuro e sujo. As pessoas se aglomeraram em uma ante-sala com teto coberto por uma tela que reafirma a sensação de prisão. Nas paredes imagens do cotidiano dos presos e algumas cartas penduradas que revelam arrependimento e a dor da solidão. Observamos tudo isso com grande expectativa sobre o que está por vir. Caminhamos para outro lugar, o espaço é dividido entre cela e plateia, o público também pode escolher sentar dentro da área cênica, onde as sensações, por sinal, são potencializadas. Os personagens já estão ali, no chão, no canto da parede, em um beliche, banhados pelo escuro. O cheiro forte de cigarro invade as narinas e a aflição de sentir a respiração ofegante de um desconhecido que está ao seu lado apavora. Ele encara, desafia e rapidamente duvidamos se tudo aquilo é teatro. No alto, próximo as janelas, avistamos outro agente que nos vigia e que durante as cenas vai compor a iluminação do espetáculo. A sensação de liberdade fora definitivamente suprimida.

A penumbra dá lugar a claridade e os personagens encarcerados aparecem sem sombras dentro de um espaço pequeno onde as regras da vida lá fora não impera. A peça narra os conflitos de seis presos, Portuga, Bahia, Tirica, Fumaça, Louco e Bereco. O motim é intensificado com a chegada de um playboy que é violentado sexualmente em uma cena impactante que suspende a respiração de todos que assistem.

A interpretação quer convencer sobre a veracidade dessas figuras aprisionadas e o figurino se aproxima dessa realidade. A direção soube aproveitar muito bem o potencial interpretativo de cada ator de acordo com a necessidade dos personagens. Os diálogos carregam rótulos, estigmas, preconceitos que reduzem a auto-estima e criam situações de teste em que o preso deverá mostrar sua masculinidade e honra. Por vezes a correta conjugação dos verbos e a boa pronúncia das palavras soam esquisito se levarmos em consideração o contexto em que elas surgem. Em alguns momentos o feedback entre um ator e outro também é prejudicado, ocasionando momentos de espera gratuita. A iluminação é artesanal, feita por isqueiros, lanternas e algumas luminárias em frente ao espaço cênico, provocando um excelente resultado.

A encenação pretende levar o público para dentro do universo das personagens e consegue fazer isso muito bem. A platéia experimenta a miscelânea de estados psicológicos no qual eles estão submergidos, o que nos faz refletir sobre um sistema que pretende reabilitar o indivíduo, mas que não consegue atingir sua proposta.

O sistema penitenciário do Brasil é cruel por destruir a subjetividade do homem impedindo a racionalização do mesmo sobre a situação em que se encontra. A sua individualidade é massacrada pela freqüente vigilância e são sempre lembrados de sua condição de inferioridade. Eles perdem também o contato com o sexo oposto acarretando, algumas vezes, na perda de sua identidade sexual.

Essas questões mostram a relevância de se montar os textos de Plínio Marcos além de que a solução de ressignificar um espaço “não teatral” da cidade, como também faz o Teatro da Vertigem, traz ao grupo um caráter de experimentação necessária a todo artista. Sem dúvida um dos pontos fortes da encenação é levar o público para dentro desse universo transformado-o em população carcerária. Porém, depois de todo desenvoltura repressiva que contemplou o período inicial da peça, a flexibilidade de deixar alguns retardatários entrarem no meio da apresentação quebrou o clima conquistado e tirou a atenção dos que chegaram na hora exata.

Leitura Crítica - Mãe in Loco

MÃE – IN LOCO

AUSÊNCIAS E GLACIARES.

*Jorge Bandeira

Aqui não temos um Brecht temático bradando por uma revolução que hoje sabemos fracassada. Vamos pela fragmentação, pelo degelo, derretimento deste Bertolt Brecht que assim foi diluído, porém pasmem, ampliado em seus delírios e sensações no descortinar deste século XXI. A Cia Cacos de Teatro coloca em cena a mãe e seus apetrechos afetivos, suas tramas e circularidades, nos lembra inclusive aqueles clowns que buscavam respostas que não vinham, que se tornam perigosas e nefastas.

Teatro das Sensações. Indelével. De imagens criadas num caldeirão de simbologias e aspectos da corporeidade. Lembranças me ocorrem das incontáveis performances e interferências que pululam no cyber universo, todas registradas e de livre acesso. Uma em especial merece ser citada: Lady Pain. Pesquisem e assistam. Não há similaridade com a pesquisa ora implementada pela cacos, mas estes momentos são muito século XXI, estão aqui do nosso lado.

Estes momentos perturbam o coro dos contentes. Teatro assim é para poucos, intelectuais, gente “cabeça”? Não sei responder, mas que é um bom exercício de reflexão da obra de Brecht não há dúvida. O ambiente é claustrofóbico, insano, e nos faz entrar nele com uma sofreguidão tão calculada que depois não sabemos mais o caminho de volta, o fio de Ariadne está perdido. Mesa, prato, talheres, caixa, carrinho de mão, um pássaro misterioso em seu automatismo, gelos espalhados pelo chão, gelo em saco, máscara monstruosa que deixa a performer/atriz com cara de cachorro-cavalo-égua. Ousaria definir como arquétipos que estão soltos e que se encontram quando nossos olhos cúmplices os avistam.

É como uma sinergia, um experimento, e isso requer estudo,laboratório, comprovando a força e a verdade nessa execução. Não pensem em facilidades, a atriz sofre, a coisa toda é real, mas eximiamente controlada. Não sei se necessita de um aparto médico de urgência, mas nisso vai uma dica legal para a Cia Cacos, que sabe lidar de forma peculiar com os limites físicos dos atuantes: um curso de primeiro socorros. Podem achar besteira, mas eu, que acompanho a feliz jornada da Cacos não é de hoje, tenho alertado para estes deslizes que algumas vezes os deuses do teatro impingem aos infratores do óbvio, e a Cacos é inimiga pública número um deste óbvio.

E nisso não se quer “inventar a roda”, como um dos integrantes comentou num chamado “open space”, mas inventar “uma verdade aprofundada da cena, a partir de seu fragmento”. È uma espécie de bloco que se parte e que depois se tenta reconstruir, assim vejo as cenas de Mãe – In Loco, desta mãe marionete que a cada compasso do choque de um metal de cozinha, e aqui a ideia de alimentar e regurgitar, de uma imaginária alimentação que não chega, e quando aparece vem postergar um caminho de salvação desta mãe sofrida, penalizada, dispersa, que recebe as agruras deste cruel destino, que vê o filho sob uma ótica de artificialidade, na perspicaz cena do boneco filho vídeo-criatura, personagem tão caro na inovação performática do século passado.

Esta mãe de Brecht provoca uma novíssima revolução, a revolução da dor, da consagração do tentar agüentar a pressão pelas perdas, e por isso seu sofrimento é como o grito dilacerante que tanto causou espanto na encenação do Berlinner Emsamble. Esse grito volta aqui, misturado aos processos urbanos terríveis que encontramos em diversas esquinas da insensibilidade.

O simbólico, no entanto, não segue a rigidez dos catecismos marxistas, pois aprofunda outra esfera dinâmica de sentir algo, de ver algo. A representação de Carol Santa Ana é comovente, e no final a atuante demonstra que realmente o jogo é lúdico, mas é uma brincadeira extremamente séria. Algo como “não tentem fazer em casa...” Atualidade que talvez poucos façam um link, mas que preciso comentar.

A Revolução fracassou? O gelo derrete e dificulta a vida da Mãe? O aquecimento global coloca em perigo a vida? Cada um decodifique o seu símbolo no seu IN LOCO. Por isso considero que a tendência natural dos projetos adultos da Cia Cacos de Teatro brevemente vão alcançar a exaustão... No sentido positivo de que quando este momento chegar, e está muito próximo disso, pela superação que cada trabalho determina aos atuantes, outro elemento surgirá, visto que cada experimento traz em seu bojo novos vislumbres, de contenção, de amplidão, de recuos necessários, não sei, e nem a Cacos, com toda sua minúcia, saberá.

As coisas acontecem neste ritmo, e o trabalho que tem nesse corpo sua majestade, tende a fazer sua própria releitura de seus condicionantes. Ainda sobre a interpretação da atuante e do interventor, destaco a tranqüilidade que angustia de Taciano Soares, que consegue ser cruel mantendo o dial numa tonalidade de terrível silêncio, com pausas preciosas, num tempo certo para a resposta da sofredora Mãe... Excelente no contraponto com as cenas mais acachapantes de Carol Santa Ana.

A bela e cruel cena dos santos petrificados no corpo nu da atuante é um momento de extrema grandeza estética, e a nudez pela Cacos é colocada a serviço da cena, e nunca o contrário. Neste mundo de taras obsessivas, eis que a Cacos dosa com perícia suas cenas mais arbitrárias, e nisso tudo há uma poética da cena, de uma cena vigorosa e translúcida, por mais que não estejamos acostumados a sentir prazer nos horrores da existência e da alma perdida do homem no socialismo. No capitalismo, em qualquer ismo, não há revanchismo, nada é panfletário. E nisso a Cia Cacos faz da ideia basilar de Brecht uma interessante Mãe Coragem, uma mãe que chora pelo derretimento das almas perdidas na loucura da contemporaneidade.

Leitura Crítica - Open Space Cia Cacos de Teatro

UM PROCESSO DE CRIAÇÃO E TANTO!

Diego Albuck

A Cia amazonense Cacos de teatro traz para o Seminário Internacional de Crítica Teatral demonstrações e apresentações de exercícios que compuseram seus espetáculos. Antes de começarem a falar de seus projetos, os atores ritualisticamente estavam em pé em circulo e iniciaram seus trabalhos com uma salva de palmas. Dyego Monnzaho, Taciano Gomes, Francis Madson (que não veio, por conta de uma cirurgia), Carol Santa Ana e Ana Paula Costa compõe o elenco do grupo.

Enquanto Taciano e Carol falavam um pouco da história do grupo, Dyego e Ana Paula faziam alguns exercícios com algumas pessoas que se disponibilizaram a exercitar com ele alguns movimentos corporais. O que se tornou algo bem interessante de se ver, mas ao mesmo tempo causava muita informação, visto que tínhamos que prestar atenção em Taciano e Carol ao mesmo tempo observar os exercícios praticados por Dyego e Ana Paula.

Taciano nos conta um pouco do processo do espetáculo “Marinheiro” primeiro espetáculo do grupo escrito por Fernando Pessoa e também do infantil “Por que Pular Degrau se a Gente Pode Voar? escrito e dirigido por Francis. Com um método totalmente voltado para o corpo, este último espetáculo se tornou um desafio, já que o corpo, neste caso, teria que ser diferenciado, ou seja, seria um corpo presente no universo infantil.

O trabalho corporal do grupo varia entre dança contemporânea, viewpoints, danças urbanas, técnica vocal e também o tai chi chu an. Vale ressaltar que, enquanto, Taciano e Carol nos relatavam; Dyego, Ana e os outros faziam movimentos de luta, e depois conversavam sobre aqueles movimentos.

O mais interessante é que o grupo sempre parte de trabalhos experimentais, numa esfera coletiva em processos que podem ou não se tornar um espetáculo. Eles frisaram também que é comum no grupo haver sempre um revezamento nas funções tais como: atuação, direção do espetáculo e de arte. Os trabalhos se dão de forma colaborativa, o que eles denominam “momentos de colaboração” que se concretizam ora juntos ora separados, também ocorre divisões em equipe que ao final de cada experimento todos se reúnem para comentar o que viram.

São através desses experimentos que nascem OFF – Inferno ou lave os céus para que eu morra; Diário de um Louco; Trans – ; Mãe – in loco. Exceto o último, todos foram adaptações de clássicos da literatura dramática. Taciano diz que o objetivo do grupo era transfigurar para o palco o clássico. E assim surge o projeto “Em companhia de um só” que é um projeto em que adéqua novas possibilidades de pesquisas no universo artístico permitindo o encontro de cada ator da Cia com essas ferramentas. Esse projeto surge da necessidade dos atores de criarem sua formação através de suas próprias identidades. Tivemos a oportunidade de ver o experimento TRANS - com desempenho de Ana Paula Costa.

SELF

EU PAGO R$1,00 POR ALGO QUE EU NÃO GOSTO EM VOCÊ.

Você já notou que a aparência física tem se tornado uma questão importante na vida do ser humano? Todo mundo tem alguma coisa que não goste, é um pé grande, é um desleixo, um dente cerrado, uma barriguinha saliente. O que se dá em troca do corpo perfeito, da beleza ideal? Essas são questões que são abordadas na performance de Ana Paula Costa.

Com a frase acima a atriz ia perguntando ao público qual parte do corpo a pessoa não gostava, à medida que ia respondendo ela tirava uma foto da parte específica e pagava um real pela fotografia. Não é de hoje que o culto ao corpo perfeito existe desde a Antiguidade os gregos acreditavam no físico e na estética e que esses fatores eram fundamentais na busca pela perfeição.

A intérprete ao longo da apresentação tira de uma mala de viagem, bonecas de todos os tamanhos e vários pratos com plaquinhas de R$1,00 com vários objetos como tesoura, serrote, martelo, isqueiro e uma faca. Ela pega um dos objetos e corta uma perna da boneca e se marca com um lápis hidrocor. As pessoas que receberam o dinheiro compram cada objeto e mutilam as bonecas. Enquanto isso a atriz tira a sua roupa, ficando apenas com um short curto, se maquia e se risca com o lápis. Quando os presentes terminam a mutilação, ela retira os pratos e os objetos.

Ao ver essa cena me recordou uma passagem de “Amor, poesia e mutilação” de J.B. Donadon-Leal que fala que enquanto a mutilação do corpo é a experiência de perda de partes, com cicatrizes e marcas escondidas, ocultadas por plásticas e próteses, a mutilação da alma não se dá na perda, mas na superação, na decisão de modificar-se para o outro.

É justamente nessa modificação, ou melhor, nessa transformação pessoal vemos uma metamorfose da atriz em que ela usa uma espécie de imobilizador, sapatos altos, uma chapa e um plástico cobrindo a sua cabeça. Longe de querer fazer de uma crítica, um artigo científico, mas não tinha como não pensar e/ou fazer conexões com algumas teorias importantes sobre o corpo. Já de acordo com a filosofia platônica o corpo é considerado a parte inferior ao homem, considerado como sendo a sepultura da alma, sua prisão, sua mortalha. Nesse sentido o corpo representa a queda, corrupção, o pecado para os religiosos. A alma é divina, é imortal. Mas nesse caso, Ana Paula é mortal e sua experiência me causou um estranhamento ao vê-la sufocada pelo plástico. O trabalho aqui existia enquanto acontecimento, ou seja, o corpo aqui servia a uma experiência estética em uma auto-apropriação da artista enquanto sujeito a seu desempenho e da sua forma artística.

O corpo é social, é individual, aqui a atriz historiciza sua experiência ao situar seu próprio corpo como uma conexão das inquietudes sociais suscitando algumas questões éticas das relações dos seres humanos com o seu corpo. Aqui, o corpo, se transforma e começa a habitar no campo da liberdade tal qual quando acontece com a atriz tira o imobilizador e a chapa e enquanto toma uma bebida, nesse momento Dyego passa com um notebook mostrando fotos das partes do corpo das pessoas. Ao fim ela derrama a bebida pelo próprio corpo, faz movimentos de dança, encara o público, menciona vomitar e sai de cena.

O interessante do trabalho é perceber as fronteiras de uma obra que vai sendo gerada na frente do público, onde o espectador faz parte do processo e participar da construção da performance que está sendo apresentado. Além disso, percebemos a obra acontecendo em tempo real, em que o corpo da intérprete se transmuta e vemos a própria vida ser tratada como algo performático.

Leitura Crítica - Do Moço e do Bêbado Luna

DO MOÇO E BÊBADO LUNA


O FELIZ ENCONTRO DE BACO E BAKUNIN.

*Jorge Bandeira

A poesia está para a vida como a vida está para a morte, sorrateiramente elas espreitam o seu dileto público e os brinda com surpresas que nos transbordam feito chuva desabando sobre nossas cabeças. Um poeta de nome Erickson Luna, homem das letras e das sarjetas de Santo Amaro, vivencia na sua vida que já nos abandonou um sereno regozijo por sua vida contada e declamada pelo Grupo Teatro de Rua Loucos e Oprimidos da Maciel. Tudo convergindo para uma apresentação de forte impacto, mas o Teatro de rua exige bem mais de seus feitores.

A voz, elemento essencial para a compreensão da trajetória do poeta, ficou apagada, sumindo, causando um vazio inesperado. Não do todo, mas em momentos cruciais da função aberta da rua. Melhor seria, naquele espaço da terça negra, usar o microfone, mesmo que o “boca de ferro” limitasse alguns movimentos. Por isso minha estranheza quando uma das atrizes recebeu o dito cujo metálico e não o aceitou, continuando uma movimentação livre, o que, certamente, atrapalhou e muito seu desempenho.

Os atuantes são bons no que fazem, mais o desleixo da precisão estética do poeta, sua carcaça útil deveria ter sido mais cotejada. Senti falta desta força da poesia de Luna em declamações que ficaram aquém do que se cotejava para uma rica poesia, para palavras forjadas com o breu das sarjetas carcomidas.

Muitos ainda não sabem de quem se trata, mesmo os recifenses, por isso uma ajuda bastante didática seria a colocação de painéis com os viscerais poemas do Luna e também uma foto, desenho, ou seja lá o que o valha para que todos que se compenetram com a trupe vejam a referência mais direta e didática deste poeta tão importante e pouco lido pela manguetown. Coisas da vida, da morte, da rua, do teatro de rua, desta rua que foi o palco por excelência deste Luna, de suas batalhas e por sua vida inapelavelmente etílica, voraz, e genial.

Os atuantes começam com um ritual do aguardente, o que alegrou e muito os dependentes que por ali estavam, e nisso tudo despejavam de forma muito teatral e lúdica os acordes de canções com rimas eficazes, tocadas por um violeiro bastante presente no decorrer de toda a encenação. Nesse meio termo a vida errática do poeta é contada, ora em modelo circular ora com peripécias, e como num passe de mágica a chuva que foi evocada pela canção desaba verdadeiramente sobre os atuantes e os espectadores. Coisas de poeta, de sua poesia, ou da meteorologia.

A verdade é que o grupo, e também o público, não se travou e lutou com brios formidáveis com esta chuva, tornou-a sua aliada e continuou na sua função de dissecar este poeta Luna, pois ele merecia estar por lá ouvindo e vendo aquelas estripulias. A roda do povo agradecia, aplaudia e se adentrava na caravana da trupe, contagiando a todos, e o efeito teria sido em maior, insisto, se as vozes pudessem ser todas audíveis nos diversos momentos da biografia e da declamação dos poemas do Luna. La Luna de las sarjetas, de las calles, de las transfiguraciones de las almas e de los corpos e máscaras. Máscaras que se usam e que causam um efeito de estranhamento, frente ao verso direto e por vezes ácido do poeta que revive pelo espetáculo.

O momento de fama chega e a festa continua, dando vazão aos que querem demonstrar um pouco de seus talentos. O poeta é generoso, e o teatro de rua aproxima-se desta forma de seu dileto público, de seu espectador FORA DO EIXO, eixo feito da mais pujante poesia urbana trabalhada como forja vulcânica nas ruas de Santo Amaro e do Recife. É hora de a chuva desabar, depois dos bons auspícios que antecederam à representação de DO MOÇO E BÊBADO LUNA, com um afoxé e a tradição da Africanidades imperando naquela praça, um chuva para limpar e purificar com cachaça e poesia caiu muito bem, a roda anterior dos orixás foi feita complemento pelo jorro circular da cachaça pitu, erigindo Dionísio no panteão nordestino com seus caranguejos anárquicos, com a verve de Luna ao redor disso tudo.

Citou-se a banda Ave Sangria, que foi importante nos anos 70, que misturava o blues com a tradição trovadoresca mais refinada, criando uma espécie de psicodelia do agreste...LSD natural, Luna Sem Determinacíon,LSD poético. Ao final deste ritual, deste resgate da trupe da rua, a impressão que temos é que o poeta Luna espreita a todos nós e nos instiga a colocar algum trocado naquele chapéu para que ele, Luna, possa comprar sua cachacinha lá no Mercado que carrega sua história.

O mais emblemático, e nisso não posso me atrever a explicar, é que cheguei de Manaus para essas críticas pertinentes ou não, com músicas de Ave Sangria no notebook, e pasmem, ao pulsar dos orixás que me conduziram ao poeta Luna através dos atuantes dos Loucos e Oprimidos da Maciel (quem terá sido Maciel? Quem terá sido Erickson Luna?), embasbacado constato que o poeta, sempre matreiro, deixou para morrer num dia 19 de abril, ano 2007. Dia do Índio, terra de um descendente de índio que escreveria sobre Luna, ou melhor, DO MOÇO E BÊBADO LUNA. E como foi bom ter assistido esse Teatro de rua, fora do eixo, mas me centrando na poesia, na vida, nos reencontros, nas saudades, nos recifenses, nas crianças, queridas crianças do poeta Erickson Luna. Salve Pátio de São Pedro!

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Leitura Crítica - Barrela

Paulo Vieira

Barrela é o primeiro texto escrito por Plínio Marcos, em 1958, quando contava com cerca de vinte anos, pouco mais ou pouco menos, não importa, ainda em Santos, onde nasceu e se criou. Depois, Plínio, quando já era um sucesso nacional, o reescreveu e tentou montá-lo em 1968, mas foi proibido pela censura política. Ele somente conseguiu pôr Barrela em cena em 1980, numa montagem dirigida pelo próprio Plínio Marcos.

Barrela é um dos textos antológicos do maldito mais querido no teatro brasileiro. Uma situação dramática simples: homens encarcerados numa cela minúscula levam o tempo e o dia a se agredirem mutuamente, a se ameaçarem de morte e estupro, até quando um jovem de classe média, preso por brigar em um bar, acaba sendo jogado no meio da bandidagem e termina sendo estuprado, para logo em seguida um dos presos ser assassinado por outro que o jurara de morte.

Este texto provocou certa admiração em Patrícia Galvão, musa do modernismo de 1922, que, àquela altura, morava em Santos, onde mantinha uma coluna de crítica teatral. Patrícia enxergou no texto do jovem Plínio motivos condutores de um teatro que ainda não se sabia no Brasil o que isso fosse, e que ela chamava de “teatro filosófico”, mas que depois ficou mesmo conhecido como “teatro do absurdo”.

Barrela, na direção de Moisés Gonçalves, é um espetáculo que vai na exata direção do que, tenho certeza, o próprio Plínio Marcos gostaria, nada menos porque é um teatro sem concessões. É radical, duro, grosso, visceral, forte, macho, estúpido; fede a homem duro, grosso, visceral, forte, macho e estúpido. É a própria barrela, a água podre que se dá aos porcos.

Para fazer o espetáculo o grupo Trup foi conviver com os presos na penitenciária de Caruaru. Sentou no chão da cela com eles, conversou com eles, fumou com eles, comeu com eles, e somente não dormia na cadeia porque isto não é permitido. Um trabalho de prospecção do universo bandido que se traduz na sinceridade e na inteireza com que o elenco se mostra em cena. A recusa por um

teatro comum vem, talvez, da certeza de que num teatro o submundo de Barrela se perderia por completo. Pena que o grupo não o tenha apresentado numa cela de verdade, mas, de todo modo, o cenário reproduz uma cadeia infecta, auxiliado pelo fato de que o espetáculo está sendo apresentado no subsolo de uma antiga fábrica.

O espetáculo começa ainda na entrada da fábrica, quando os espectadores são tratados como se fossem visitantes em uma penitenciária. Os atores, vestidos de soldados, são rudes e grosseiros com o público, mandando-o fazer fila separada por gênero, homem de um lado, mulher de outro. Um grupo é conduzido de cada vez para dentro do teatro, e ainda antes de entrar, bolsas e corpos são revisados. Depois,quando se é conduzido para a plateia propriamente dita, vê-se que o espaço destinado ao espectador é minúsculo, o que reduz em muito o número de pessoas que o possam assistir a cada vez.

Chega a causar medo. E o impacto só não é maior por conta de dois detalhes que talvez devessem ser revistos: o primeiro é uma exposição de cartas e coisas que os atores colheram durante a permanência com os presos na penitenciária. O outro, é uma música em play back que não me parece adequada para aquele ambiente onde tudo é feio, menos a música, que tem o poder de desviar a atenção, aliviando a tensão que, a meu ver, já deveria estar posta, e esta me parece que seja a intenção do elenco, desde a entrada com os seus guardas grosseiros.

Mas como diria o Plínio Marcos, sempre tem um porém. E o porém deste espetáculo é exatamente a trilha sonora, porque dentro da cela o que se vê é o sonoplasta operando a música por um computador, algo que é visualmente estranho aquele ambiente. Na sequência do espetáculo a trilha sonora quebra a todo o momento a tensão que a ação estabelece. Por exemplo: na cena em que Tirica raspa a colher no chão para afiar a arma com a qual posteriormente matará o Portuga, o som do metal no chão já produz por si mesmo a sonoplastia da cena, mas que acaba abafada pelo som mecânico que vem do sonoplasta, quando me parece que bastava apenas a colher, e tudo estaria dito. Este talvez seja um espetáculo em que a trilha sonora deva ser os sons que os atores produzam: gemidos, gritos, arrotos, assoar de narizes, enfim, tudo aquilo que causa repulsa, tudo o que provoca mal-estar.

Existem textos que são tão perfeitos em sua arquitetura que retirar um ou outro elemento pode comprometer a intenção a que se destina. O louco, por exemplo, está sempre dizendo “enraba ele, enraba”, e isto é uma ameaça terrível naquele ambiente, algo para meter medo. Os cortes realizados no texto levaram boa parte da fala do louco, que, a meu ver, pode estar colocada em qualquer ponto da cena, à disposição do ator, para que seja sempre uma ameaça a mais.

Outra fala da maior importância: Bereco diz por algumas vezes “tenho nojo de puto”. No espetáculo lembro de apenas uma vez ter ouvido o ator dizer algo como

“não gosto de veado”. Percebam que a substituição tira a força da expressão de Bereco, que, aliás, é o único que não participa do estupro do garoto.

Por fim, o último porém: o espectador sentado no chão dentro da cena/cela. Eu fui um deles e tive a sensação de que apenas perdi boa parte da cena, porque embora eu estivesse dentro, estava por trás dos atores, assistindo ao espetáculo pelas suas costas. Eu creio que Barrela não deveria ter ninguém dentro do cenário, nem espectador nem sonoplasta, a bem da cena, para que esse absurdo filosófico realista de Plínio Marcos atinja ao público como uma porrada no estômago.

Mais um porém ainda: independente de tudo isto que a crítica aponta no sentido de dialogar com o elenco, o espetáculo é lindo, é forte, é envolvente.

Viva o Plínio, viva o teatro vivo.