Perda da liberdade e violência em "Barrela"
Márcio Bastos
peça discute sistema carcerário e natureza humana.
A violência, enquanto recurso dramático para trabalhar a condição humana como um todo, é uma ferramenta que pode levar a resultados indesejados. Isso porque, por ser um elemento tão presente no cotidiano dos brasileiros, por muitas vezes o tema perde a força, porque, entre outros motivos, nos desnuda, nos revela e confronta.
Desde a chegada ao local de exibição do espetáculo “Barrela”, em um galpão, o público é submetido a uma espécie de tortura psicológica. Policiais obrigam-nos a ficar do lado de fora, enfrentando frio e uma certa humilhação, como numa preparação para o que se veria lá dentro. É certo que no começo a situações é um pouco risível e não funciona como esperado, mas, no contexto geral, é importante para situar o espectador no clima da peça.
Toda a ação inicial procura emular a entrada do público em uma unidade carcerária. Ao descermos uma escada que dá em uma espécie de porão (não antes de sermos revistados), chegamos a um primeiro espaço, onde pode-se observar algumas cartas aparentemente escrita por detentos reais, além de fotos de programas de ressocialização. Só então chegamos ao local de encenação da peça (se bem que, desde a entrada, já não estávamos todos representando?).
Passada basicamente dentro de uma representação de uma cela de presídio, "Barrela" aposta em uma encenação forte, marcada pela tensão, para despertar no espectador uma reflexão sobre a sociedade e a natureza humana. Em um lugar onde, supostamente, nada mais se tem a perder, a agressividade e o individualismo parecem ser armas essenciais para a sobrevivência. Apoiado em um elenco, em geral, afiado, o espetáculo é provocador.
A questão da liberdade, discutida a partir do ponto de vista de personagens encarcerados, pode soar um pouco clichê. Aqui, no entanto, funciona muito bem, até porque o universo dos presídios sugere uma grande massa - os presos - o que, quase sempre, apaga o indivíduo. Por isso, foi muito acertado optar por, de certa forma, desde a entrada no espaço de exibição, fazer o espectador experienciar um pouco a violência implícita naquele ambiente.
Aqueles homens, que passam o dia ociosos, têm na violência, na luxúria e nas drogas os únicos artifícios para suportar a lenta passagem do tempo. O texto, produzido a partir da convivência com presidiários, peca em alguns momentos, em que soa um pouco artificial, mas, na maioria do tempo, é excelente. Outra sacada interessante foi dispor a platéia de forma que alguns espectadores ficassem dentro do espaço da cela, aumentando a impressão de cumplicidade do público com o que acontece ali - representação do sistema carcerário como um todo, e da cegueira da sociedade diante da situação.
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