Márcio Braz
Com o título “Paralelas do Tempo – a Teatralidade do não ser” a Fiandeiros Companhia de Teatro realizou um exercício delicado e bem estruturado na tarde do último dia 29 no Teatro Capiba. Tratou-se de um ensaio aberto, um espetáculo em processo, onde o universo poético da peça gira em torno dos moradores de rua na cidade do Recife.
Realizado a partir das experiências do elenco em trabalho de campo o espetáculo não pretendeu contar a história desses moradores e sim utilizar como fio condutor da dramaturgia os temas sugeridos pelo contato direto com esses personagens do cotidiano como sexualidade, solidão e agressividade.
O trabalho apresentado guarda muitas qualidades a começar pela própria dramaturgia. O texto do diretor André Filho – em parceria com o elenco – é refinado, criativo e com boa execução do tempo dramático. O acabamento do texto é esmerado, privilegia a teia de circunstâncias entre as personagens e foge da armadilha do melodrama. O elenco acompanha o brilhantismo do texto em interpretações vigorosas enriquecendo a trama de acontecimentos.
O espetáculo busca no drama o caminho para abordar o tema. O drama, gênero que exige uma técnica específica, é sempre o vivido, o aqui e agora, e não há espaço para excessos narrativos. O envolvimento da plateia é um fator fulcral e todos os elementos do espetáculo são erguidos objetivando este “encantamento”.
Enquanto o texto e o elenco se mantêm coesos em seus propósitos, o figurino se distancia da proposta dramática apresentando roupas bem desenhadas, bem cortadas, bem costuradas, com toques artesanais de fino trato, o que já provoca um distanciamento do universo das histórias para outro plano.
A verossimilhança perde terreno no colorido das roupas feitas com retalhos e no saco plástico (elemento comum, inclusive, das três cenas) costuradas esmeradamente. Outro ponto de distância diz respeito à partitura corporal do elenco no exercício da expressão corporal. As personagens, com exceção do palhaço e da mulher cega, apresentam um físico vigoroso, cheio de movimentos e tensão na parte superior do corpo (sobretudo a última cena), o que faz com que a ideia de fome e cansaço afastem o espectador do envolvimento pretendido pelo espetáculo.
A encenação calca na interpretação toda a condução do espetáculo. Não há, ainda, pois se trata de um exercício, um trabalho voltado para a construção da cena no sentido de aprimorar o universo poético com música e iluminação. A trilha sonora utilizada no exercício servia apenas para sublinhar a passagem entre uma e outra cena.
A Fiandeiros Companhia de Teatro nos apresenta, como exercício, um espetáculo comprometido com um processo de pesquisa sério e dedicado. A aproximação com o público de moradores de rua poderá somar ainda mais ao espetáculo e certamente podemos esperar que “Noturnos” – título do espetáculo onde as três cenas se enfeixam – falará muito sobre a condição humana neste mundo cada vez mais apocalíptico.
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