“A GENTE É SÓ POEIRA”
Vinícius Vieira
A companhia Fiandeiros de Teatro é um grupo que vem se destacando na produção cênica do Recife. Seu mais recente trabalho foi a pesquisa Paralelas do Tempo – A Teatralidade do Não Ser, projeto que investigou o universo marginalizado dos moradores de rua e que na segunda-feira (29) apresentou no Teatro Capiba (SESC Casa Amarela) cenas que compõe a etapa de transformar em espetáculo as experiências vividas pelos atores-investigadores.
A disponibilidade do grupo em se abrir durante um processo delicado de construção de uma peça já é uma atitude plausível e bastante frutífera para a reflexão e prática teatral. Esperamos com sinceridade que essa flexibilidade reverbere nas produções cênicas da cidade.
Nessa etapa do projeto a dramaturgia já está construída e tecida por linhas poéticas marcantes, traço característico do diretor e dramaturgo André Filho. As três cenas foram apresentadas em um teatro que estaria vazio, se não fosse a presença dos organizadores e críticos do evento, uma situação lamentável perante a qualidade do trabalho exibido. As personagens surgem e revelam o invisível, não só das ruas, mas do humano (SERÁ QUE ISSO É POSSÍVEL?) e trazem consigo a necessidade de ser contemplado perante um eu de solidão. Eles estão sempre à espera de algo que nunca aparece e caminham para um lugar que pode não existir. Para essas figuras o destino é o vento.
A encenação investe na teatralidade das cenas, mas em contraposição, a interpretação é interiorizada, com perceptível produção de imagens internas que atingem as sensações do ator e explodem no olhar e na respiração que muitas vezes preenche o silêncio com palavras mudas, receita que afirma a qualidade interpretativa do elenco.
Um aspecto que é muito presente no trabalho da Fiandeiros é a musicalidade, que de certa forma acompanha as personagens, seja na “musicista” que sonha em fazer sucesso, embora saiba tocar apenas uma canção, ou na fala das personagens:
“Eu ouço a música, eu ouço as palavras”
Ou cantada:
“Se você pretende saber quem eu sou, eu posso lhe dizer” (Nas curvas da estrada de Roberto Carlos)
Dizer... Tentar desvelar quem somos perante um sistema alienante que massacra. Essa é o que propõe o teatro (as artes em geral) e que nesse espetáculo in process nos atinge com dúvidas em momentos de suspensão filosófica.
Cuidado é uma palavra que caracteriza muito bem esse exercício que mostrou com esmero um trabalho consistente de qualidade, mergulho e aprofundamento teatral.
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