Música, cor e... POESIA!
Por Vinícius Vieira
A platéia era formada por uma pequena quantidade de pessoas, pais que haviam levado seus filhos para se divertir. A ansiedade tomava conta até que o palco, finalmente, ficou iluminado. “Vai começar o espetáculo”, pensamos imediatamente. Mas, onde estão os atores? Eis que de súbito aparecem quatro figuras mambembes, são seres coloridos que surgem na platéia com a energia de um pique – esconde, queimado e barra bandeira, contagiando a todos com o mesmo frescor de ganhar uma festa surpresa ou aquele presente tão desejado no natal. Embalado pela música o espetáculo Brincadeiras, da Cia Metamorfose (MA), apresentado domingo (21) no Teatro Barreto Jr, começa e encanta.
O cenário é composto por vários objetos que remetem a um espaço de idéias e experimentações, entre eles, três bancos, malas, várias roupas agrupadas no centro e quatro sombrinhas erguidas no alto, simplicidade transformada em pura poesia. No decorrer do espetáculo os elementos ganhavam diversos significados dentro de uma proposta de encenação que valorizou o jogo, a expressividade e a ludicidade infantil para contar diversas histórias que surgem da brincadeira, como O papagaio da vó Rosinha, que foge de camisola para dançar o Boi Bumbá, e a Revolta dos Bonecos, que trata de temas caros a todo ser humano, como a liberdade e a possibilidade de sonhar.
A iluminação é sensível, o figurino é harmônico, a sonoplastia casa muito bem com os momentos do espetáculo e a maquilagem é belíssima. Para criá-la, o maquiador Jonas Sales utilizou o recurso de aplicações cutâneas nas duas atrizes (os dois atores apenas com a coloração facial) e cores diversas que destacavam a região dos olhos deixando as demais partes do rosto em tom de pele e algumas áreas esbranquiçadas, solução criativa que foge do clichê de preencher a face inteira com pancake branco, muito comum em espetáculos para a infância e juventude.
O elenco é bastante equilibrado, com bom trabalho de interpretação, expressão corporal e vocal (tanto na voz cantada quanto na falada). A este segundo aspecto vale ressaltar que em pequenos instantes a sonoplastia chegou a cobrir a voz dos atores, impossibilitando a compreensão do texto. Os personagens carismáticos convidavam a platéia a entrar no universo brincante, como no momento em que todos se levantaram e se transformaram em árvores, fazendo com que adultos e crianças erguessem as mãos ao alto de uma só vez. O público estava, literalmente, na mão desses atores. E falando em carisma, um dos momentos de destaque é a aparição do gato “mEau” que roubou a cena e fez brilhar os olhos de muitos marmanjos que ali estavam.
A dramaturgia contém pinceladas de humor e “sacadas” interessantes que se aproximam das crianças N-gen (Net generation ou geração net), aquelas que estão crescendo no âmbito cada vez mais digitalizado. Expressões utilizadas pelos personagens como “me passa teu face” ou “vou atualizar meu blog” e ainda “vou levar meu moldem”, são pontos fortes no texto que se aproxima da linguagem desse público cybernético. Assuntos emergentes como a problemática do meio ambiente também fazem parte do espetáculo sem se tornar panfletário. O grupo utilizou referências do Recife trazendo elementos presentes em nossa região, a exemplo, o frevo e o terminal da Macaxeira, que acabaram ganhando espaço na apresentação e levou a platéia a uma maior identificação, sem falar da cultura de Manaus que foi bastante explorada.
E quando os ponteiros do relógio começam a girar somos avisados por uma personagem que o espetáculo chegou ao fim:
“Tá na hora de ir embora, mas qualquer dia a gente se vê.”
Espero que esse dia seja breve e que outros espetáculos surjam com o mesmo respeito e cuidado que a Cia Metamorfoses revelou ter com o público, seja ele criança, jovem ou adulto.
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