Quem sou eu

Minha foto
A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Leitura Crítica - Bodas de Sangue


Por Paulo Michelotto
"en el sitio
donde tiembla enmarañada
la oscura raíz del grito".

Poupem-me o trabalho de repetir a ficha técnica, pois se encontra no blog com facilidade.

Lorca é um tremendo monstro sagrado da dramaturgia e quando ouço seu nome eu tremo só de lembrar o que Aragon disse dele: “que silêncio que se faz, ao se matar um poeta!”

O pecado maior da encenação foi o tom alto com que se deram a maioria das falas.

Porque começar com os pecados? Sei lá, aquele canto religioso final inspirou meu cristianismo adormecido quando ouvi:

"Dulces clavos,
dulce cruz,
dulce nombre
de Jesús."

Todos nós sabemos e esses atores também que a cena exige modulação, ainda mais num texto absurdamente poético, quase não teatral, como esse de Lorca. Que por vezes mais vale um silêncio que qualquer grito, que por vezes a fúria suprema se apresenta mais poderosa sob forma doce e que atos de extremada bondade exigem um chicote em punho. Quem assim o fez foi o tal doce Jesus aí de cima que andou derrubando mesas e espancando vendedores em seu templo. Para falar sobre o poder do silêncio ou da fúria contida, ninguém melhor que o próprio Lorca:

"Oye, hijo mío, el silencio.
Es un silencio ondulado,
un silencio
donde resbalan valles y ecos
y que inclina las frentes
hacia el suelo".

Desculpem-me, meninos, se comecei por aí, se comecei pelo pior. A culpa é de meu entranhando cristianismo – esse aí de Lorca, coitado- que adora punir. A escura raiz do grito é a culpabilidade. E o cristianismo, sem dúvida histórica, a regou e podou com muito zelo. Ainda mais na pobre Espanha, da Inquisição e do Idiota do Franco, assassinando Lorca e toda Guernica. E o fez em nome de Cristo.

Metade da obra de Lorca pode ser entendida sob esse viés poderosamente sombrio. Todos seus personagens tem no fundo um, bravo sentimento de culpabilidade.

Mantenho-me então dentro do espírito profundamente espanhol e doentio ao começar pelo pior.

O que ficou insistindo em minha pobre cabeça foi a pergunta: por que uma companhia com qualidades tão espantosas poderia ter cometido esse miserável erro de manter Lorca sob um volume exagerado?

Quais qualidades da companhia?

1 – Visual admiravelmente limpo. Não tenho palavras para falar desse Lorca desenvolvido na solidão de um palco com pouquíssimos – e muito bem colocados – objetos de cena. Que cenário!
2 – Atores tranquilos em enfrentar um texto extremamente difícil, já que Lorca não consegue falar um “Bom dia” sem inserir aí uma metáfora, ou um arrodeio poético qualquer. Sei que irão me odiar, mas eu pessoalmente acho que Lorca é mais para ser lido que encenado. A história do teatro teve vários dramaturgos com essa estranha qualidade, leia-se Corneille, Racine só para lhes lembrar alguns.
3 – Alguns atores de primeiríssimo time. Os outros se entregando bem. A Mãe, a Lua são poderosas em cena, só para citar alguns.
4 – Atores que cantam e dançam, de modo a fazer inveja a 90 % de nossas companhias locais.
5 – Músicos tocando e cantando ao vivo! Meu deus, que luxo! Mikelane, que trabalho lindo!
6 – Figurinos e luz extremamente criativos, maquiagem exata.

Uma recente encenação recifense de Lorca não chega ao dedão dos pés desses meninos, só para usar uma expressão de Shakespeare sobre coveiros.

Então o que foi que falhou no espetáculo?

Esse som alto, pelo qual eles NÂO foram responsáveis.

Então, em nome da classe não podemos deixar de registrar nossa agradável surpresa em verificar que os arquitetos responsáveis por nossas casas continuam a criar-nos salas com mania de grandeza imperial.

E a intelligentsia [governadores, políticos, classes abastadas] desse país ainda continua a bater palmas para esses ignaros velhotes que não acompanham mais o nosso mundo há uns dois séculos.

O infeliz que arquitetou o teatro Luiz Mendonça devia ser expulso da profissão. Não pensem que não sei quem é.

Acompanhem com cuidado as obras que andou espalhando por esse país e mundo e verão porque a palavra obra no nordeste pegou um sentido tão pejorativo.

O som do teatro é todo errado. Vocês viram umas caixas pretas bem ali no proscênio, prá lá de fora de lugar?. “vixe”!!! Tá bom que estamos em plena era do teatro fora de lugar como diz o bom Wellington, mas cacêta, o que é válido para teatro não é válido para caixas de som! Viram as outras dependuradas nas laterais do palco? Ô mamãe, alguém tem que internar o responsável!

O palco é palco pra show de rock, não para teatro. Modo de falar pois sem sistema de som só teremos Rock em libras.

Pareceu-me que aquele lugar que estão chamando indevidamente de palco não tem fosso de orquestra. O espetáculo ficaria cem milhões de vezes mais gracioso com os músicos tocando lá, em vez de nas costas do público. Músico foi feito para brilhar e Lorca, conhecí-o bem na minha infância, teria agradecido a tão bons músicos por terem melhorado seu texto. E olha que isso não é fácil quando falamos Lorca.

Alguém vai ter que rachar a duríssima cabeça de nossos famosíssimos arquitetos explicar para eles o que é que nós, gente do teatro, faz ali em cima. A platéia pode ser gigantesca, mas o nosso palco NUNCA pode ser aquela tripa esticada da esquerda para a direita. Quando um ator quer dizer que andou muito faz como a cavalgada dos fugitivos ontem, belíssima. Cortam uma vez ao fundo sob véus e outra vez à frente. Os personagens parecem ter andado léguas e léguas em apenas uns pouquíssimos metros. Ora se o palco fosse lugar de espaços realísticos amplos, precisaria iniciar em Caruaru e terminar do outro lado em Petrolina, para se representar a fuga dos amantes de Lorca. Aí sim, teríamos que dizer que não somos governados nem por governadores ou prefeitos, mas faraós.

Vergonha absoluta caia sobre quem arquitetou a voz alta desnecessária de nossas Bodas de Sangue. Uma companhia linda, vem de Manaus para dar brilho às nossas atividades, obrigada a suportar o vexame de não poder interpretar como sabe, porque a droga da acústica e do sistema de som é uma droga e a droga do arquiteto está dormindo em casa feliz.

Em nome de Dona Lindu eu peço humildes desculpas a nossos amigos lá de cima e deixo aqui meu mais entusiástico aplauso pelo trabalho que vêm realizando.

Parabéns a Douglas, Bety, Larissa, Fagner, Sérgio, Hely, Rivaldo, Raquel, Munik, Vanessa, Denis, Ednelza. Parabéns, claro, a meu amigo e professor Jorge Bandeira pela assessoria do espetáculo.

PS.1: Volta Kil, esse ano tá muito bom cara!

PS. 2: O teatro Milton Baccarelli da UFPE anda sofrendo há mais de ano do mesmo mal sonoro: o sistema está pifado, mas já era tão ruim quanto o do Luis Mendonça. Quem terá que consertar isso, hein, hein??? “O mundo entrou em desequilíbrio, maldição eu ter nascido para consertá-lo (Hamlet/ Shakespeare)

Nenhum comentário:

Postar um comentário