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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Leitura Crítica - Paralelas do tempo - A teatralidade do não ser

AS FASES DA RUA NA LUA DAS SARJETAS

Jorge Bandeira

São três momentos que nos remetem, inequivocamente, ao universo poético dos moradores de rua. Sim, uma poesia que transborda de forma muito eficaz neste trabalho que resulta neste estágio, de uma minuciosa pesquisa nos pontos cruciais desta sociedade recifense e de seus paradigmas e desequilíbrios. A Fiandeiros Companhia de Teatro coloca em cena estas questões, fugindo do óbvio ululante tão em voga de tratar estes temas pelo caminho do simplismo, do panfletário.

Algo na contramão desta cultura hiperbólica da responsabilidade social, que virou elemento maior de captação de recursos do que de mudança intrínseca neste ser humano tão carente destas “minúcias da alma”. André Filho, o diretor desta fiação ímpar, que também assina o processo desta dramaturgia, num processo colaborativo bastante feliz, é o observador atento destas filtragens, resultando, neste momento do trabalho ainda em processo, nas cenas emblemáticas que se interligam pela crescente poesia de um texto forjado nas calçadas, sobre viadutos, sobre a permanência deste “lixo humano” que contamina as grandes cidades, num universo de particularidades destas vítimas sociais, porém este drama não se contenta em choramingar sobre uma situação macro, mas prioriza a fortaleza dos personagens que nascem nestas ruas, mas que ganham sua teatralidade nos palcos.

As cenas de O Presente, A Cura e História do Rio não prestam a uma denúncia direta, captada facilmente por qualquer transeunte mais consciente dos planos da rua. Não, Fiandeiros quis tecer um material mais robusto, sem arroubos ou soluções mágicas para se resolver este problema tão complexo.

A revolução pela palavra é aqui um ultimato, uma revolução do interior, onde o palhaço e sua singela interpretação nos trazem este lirismo, suas palavras são pérolas desta existência miserável, os embates com a mulher perpassam por nossas mentes e ali ficam cristalizadas, pois a força dos intérpretes nos conduz nessa história de um triste palhaço que invisível está, de uma cega que é conduzida pelo seu amor em visões amplificadas de rancores e amparos, onde o beijo carregado de sofrer e de verdades inenarráveis contaminam como derrisões existenciais.

A alienação da sociedade dos homens, a invisibilidade desta proposta na pele destes personagens anônimos das ruas que ganham vida pelo fio de Ariadne da FIANDEIROS, que sabiamente coloca a palavra liberdade e a falta dela nos três momentos desta encenação. Vejo também que cada ser (personagem) vive dentro de seu próprio mundo e realmente não consegue esta comunicação com seu próprio mundo, quiçá com o mundo exterior, da indiferença. Porém a sua consciência, de todos estes personagens, em seus delírios ou racionalidades pontuais, é exatamente esta liberdade de sentir algo é que os permite escolher. As atuações são precisas, os intérpretes Daniela Travassos, Kellia Phayza, Paula Carolina, Jefferson Larbos, Manuel Carlos e Renata Teles fazem um exemplar jogo de atuação, com muita inteireza de seus personagens, sem excessos e com uma límpida atuação. Curioso é que nesta direção estética a limpeza do exterior, dos aparatos cênicos dos figurinos e demais objetos de cena, como os sacos, paradoxalmente abrem caminho suave para a visualização da inexorabilidade destas destruições das “almas”, do padecimento interior destes seres.

FIANDEIROS torna visível, pela poética de suas cenas, este invisível que está soterrado pelas carcaças destroçadas dos moradores de rua. Ao optar por este caminho longe da obviedade e do panfletário, causa esta sensação teatral de reflexão imediata, trata-se de uma poética da cena, feita com os “resíduos” humanos desta urbanidade doentia.

A sensação de circularidade é premente, de um beco sem saída, de voltas executadas pelos personagens, seus recuos, suas ambiquidades e a solidão, a terrível solidão. Esta solidão é exemplarmente colocada na última sequência, onde o manequim mutilado é o ponto de apoio para o lunático morador da rua, numa interpretação brilhante de Jefferson Larbos, que nos infere mais um fantástico símbolo, o das mudanças da Lua, as vibrações do intérprete nos remetem às fases de uma Lua ensandecida pelas sarjetas.

Vale para todas as sequências as sensações de temor, da solidão e do desconhecido obriga estes personagens a prosseguir suas trajetórias, suas errantes vidas, como uma espécie de calendário circular, um prenúncio de uma tragédia. A poesia da cena não descamba para uma exacerbação destes olhares, não há resquícios de niilismo no que se contempla, estes personagens clamam por viver, mesmo nestas terríveis adversidades.

A sina destes seres é aquela que acumula em seu âmago uma tensão tão grande que lhe provoca uma enorme angústia e uma sensação de que a vida é absurda, mas isso não lhes dá o direito ao suicídio, pois estes seres assumem a responsabilidade de afrontar e conviver com as consequências decorrentes desta decisão. Outro mérito, exemplar, é não tornar estes seres transcendentais, mesmo no plano poético, pois são feitos do tecido social que perpassam por nossos olhos diariamente, são seres humanos passíveis de erros, como qualquer cidadão. Suas sensações orbitam na universalidade, suas calçadas, sarjetas e viadutos estão em qualquer ponto do mundo, eles habitam dentro de nós. Eles nos permitem este encontro, nos colocam nas ruas de seus corações sem taxímetros.

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