Círculos que não se fecham
Paulo Vieira
O hip hop surgiu no Bronx, bairro de maioria negra de Nova York, por volta dos anos setenta, e desde então foi se espalhando pelo mundo, chegando ao Brasil através de São Paulo, durante a década de oitenta.
Cultura essencialmente urbana e contemporânea, o hip hop foi erguido pelo seu criador, Afrika Bambaataa, sobre quatro pilares fundamentais: o rap, o DJ, a breakdance e o grafite.
O hip hop costuma expressar a rebeldia de adolescentes através de batidas e ritmos sincopados, nas quais o canto se confunde com a fala e esta com aquele, e, neste sentido, nada muito diferente do que fazia Bob Dylan desde a década de sessenta.
Sendo uma cultura essencialmente urbana, nascida num tempo em que todas as formas se entrecruzam com todos os conceitos, nada mais natural de que em algum momento o hip hop pudesse absorver a cultura do circo, ou esta absorver aquela. Eu não saberia como definir a ordem das coisas, mas creio que isso pouco importa.
Somente sei que é isto que se observa no espetáculo Círculos que não se fecham que a Trupe Circus da Escola Pernambucana de Circo apresentou durante o Seminário Internacional de Crítica Teatral: um mix de circo, dança, música e teatro, conforme está escrito no programa do Seminário.
A pretensão do espetáculo é a de “pensar a juventude contemporânea, e tornar relevantes seus espaços, pensamentos, ideias e práticas”, mas também deseja tratar de realidades que consideram assombrosas, tais como a violência e as drogas.
Sob esse viés, o espetáculo termina revelando algo de incômodo à primeira vista, e isto nada mais é do que a sensação para o espectador de que ele está assistindo não ao produto de um trabalho artístico, mas de algo que mais se assemelha a programas sociais e de assistencialismo a jovens de periferia. Nada contra programas semelhantes, a não ser o fato de via de regra não se constituírem em espetáculos de caráter artístico, mas assistenciais, mais conduzidos pelo bom mocismo do que por valores estéticos. Não demora muito e esta primeira impressão se dissipa quando se ver a energia, a dinâmica imposta à cena por um grupo razoavelmente grande de atores, de bailarinos, de acróbatas e de tantas outras habilidades que o circo tenha, muitas delas são realizadas com bastante competência, força e técnica por parte dos seus componentes.
O ponto verdadeiramente frágil do espetáculo se encontra no nível interpretativo, quando em algumas cenas parte do elenco é chamado pela direção para representar, seja a professora repressora, sejam policiais ou alunos rebeldes. Vê-se que aí se necessita de um trabalho específico melhor elaborado, mesmo que sejam os atores alunos de uma escola de circo, não de teatro, mas uma vez que se propõem a trabalhar teatralmente, então que se trabalhe técnicas interpretativas do mesmo modo que se fez com malabares, trapézio e outras técnicas circenses, ou mesmo a coreografia das danças hip hop.
Embora frágil, a teatralidade que se busca em algumas poucas cenas não chega a incomodar, pois que o teatro propriamente dito acontece em uma cena ou outra, não se constituindo nem de longe o objetivo principal das ações. E por não ser o teatro o objetivo, uma fugaz dramaturgia desenha uma linha de ação para que se possa atingir aquilo que deseja a direção, ou seja, introduzir referências às drogas enquanto problema social.
Felizmente essa parte é breve, pois o que está valendo mesmo são as exibições de técnicas circenses, e tudo misturado com as danças.
Mas se o caráter teatral não se resolveu bem no espetáculo, isto não se constitui nenhum demérito, pois que uma das buscas mais difíceis, quando não inúteis, é produzir a junção de teatro e dança, quando fatalmente o teatro é o ponto mais frágil na relação teatro-dança, ou teatro-circo, ou teatro e qualquer outra coisa na qual a formação do artista é visivelmente concentrada na outra coisa.
O espetáculo proposto pela direção de Fátima Pontes vale pela imensa sinceridade do elenco e pela entrega apaixonada às técnicas circenses exibidas. O elenco, do início até determinado momento, se mostrava sério e carrancudo, a partir de outro instante se mostrou risonho, caso que tornou o espetáculo ainda mais simpático aos olhos do público presente a sede da ONG onde funciona a escola de circo, que por sua vez recebe apoio do Cirque du Soleil.
Enfim, Círculos que não se fecham é um espetáculo que consegue movimentar uma energia extremamente positiva e envolvente, e isto ficou visível no modo como a plateia recebeu o espetáculo que nos foi presenteado.
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ResponderExcluirPrezado Paulo Vieira, primeiramente gostaríamos de agradecer sua atenção na análise do nosso espetáculo e que em muito contribuirá para nosso aperfeiçoamento artístico. Gostaríamos apenas de fazer um esclarecimento que se faz necessário por questões institucionais. A Escola Pernambucana de Circo não tem apoio do Cirque du Soleil, principalmente apoio financeiro. Quem tem apoio pontual do Cirque du Soleil e apenas para uma formação anual de educadores de circo social é a Rede Circo do Mundo Brasil da qual fazemos parte junto com outras 20 instituições do país que trabalham com a pedagogia do circo social. Este esclarecimento se faz necessário visto que o Cirque du Soleil, que hoje está espalhado e reconhecido no mundo todo, tem todo um trâmite para liberação da utilização de sua marca/nome, o que tem toda razão, haja vista a força que seu nome/marca imprime a quem utiliza, assim como traz problemas a quem a utiliza de forma inverídica, o que ocorre neste caso de sua citação. Lógico que, compreendemos que você tido esta informação de alguma forma por conta da nossa participação na Rede Circo do Mundo Brasil o que lhe levou a interpretar como apoio do Cirque à nossa instituição, o que não é o caso. Pedimos desculpas se alguma informação equivocada de alguma pessoa ou de algum material lhe levou a esta interpretação e agradecemos mais uma vez sua atenção e generosidade.
ResponderExcluirAtenciosamente
Fátima Pontes