Por Paulo Michelotto
Meu filho foi criado dentro das salas de teatro do recife nos idos de 70/80.
Tirado o Mamulengo Sorriso, os espetáculos de Boneco do Cedoc, com Carlos Borromeu à frente- ali na Madalena – e o Chapeuzinho Vermelho de Guilhermina Ferraz, tenho que dizer que meu filho foi muito mal orientado na vida.
Teatro infantil – apesar de ter havido alguns musos aqui na terra mas nada que realmente prestasse além do trio acima – era coisinha bem difícil de se fazer. Dizíamos até que era mais difícil que comédia, que todos sabem ser mais difícil que tragédia. Chorar, o brasileiro já chora com o salário, com seus pais, professores, com seus governantes (que ele mesmo escolhe, o que vira comédia, a bem da verdade). E etc.
Depois a gente cresceu e descobriu que não é nada disso, a gente é que não sabia fazer teatro. E apareceram dramaturgias e encenações que realmente honram as crianças e as nossas calças.
É dessa estirpe sagrada a presente encenação de Brincadeiras.
Permitam-me iniciar com os nomes, porque se a crítica serve para alguma coisa é para nos lembrar um dia desses monstros:
Raimundo (autor) Socorro, aquela alma generosa e boa, que ainda faz figurino & pesquisa musical junto com David, o quarteto precioso, brilhante: Camila, Dinne, Clayson, Idelson, a Paula – Eles se dão ao luxo de ter um diretor e um diretor de ator... quem sabe, pode! – Sininho, Leonel, Weldson e Jonatas, meu brow de moicano.
O grupo tem feito espetáculo nas ruas e – tenho certeza se a gente se encontra mais vezes – é prá lá que se orientará definitivamente corrigindo assim o teatro de um desvio renascentista estranho, que foi o de nos meter naquela caixa miserável chamada palco italiano. Eles já se nomearam ”Companhia Metamorfose de Teatro”! Então, metamorfoseiem-se! Pulem fora desse palco e voem, voem à frente e acima de todos.
Teatro infantil é sempre apenas pre-texto para se exercitar a inteligência da meninada e ir preparando aqueles que nos substituirão pelos palcos & ruas da vida. Então o que a gente faz? Brinca, ora! E eu não estou falando das imbecilidades que pululam por ai chamadas “coisas para criança”. Criança é de extrema seriedade quando se trata dele rir. Segue tudo com os olhinhos miseravelmente cruéis – e que se continuarem assim vida a fora, darão essa casta de gente weary chamada “crítico teatral”.
O garoto à minha frente, viu a Companhia cobrir o universo de verde, enquanto a menina dormia, virou prá sua irmãzinha seríssima e concentrada em transe e sacou: “quando ela acordar, vai gostar muito!!!”
Quando aparece a moça com máscara de moça para comprar do chinês (o que lhe deu imenso trabalho, pois perguntava toda hora a sua mãe se era chinês ou japonês e ainda bem que seu conhecimento dos povos de olhinhos puxados terminava ai senão ele iria soltar a ladainha toda pra pobre mãe) cidadãozinho minúsculo vira para a sisuda e indefinidamente concentrada irmãzinha e chuta:
- “ela esta se passando por ela”.
-”Como assim?”.
- “Uma mulher se passa por uma mulher!”
E isso foi talvez a maior descoberta da vida dessa duplinha de irmãos que quero homenagear botando aqui a foto que pedi para tirar deles (pedi licença ao senhor que os acompanhava para essa utilização, pois criança TAMBÉM tem direito à sua imagem), Esse momentinho foi um dos infinitos momentinhos em que me disse e jurei que iria escrever em homenagem à tarde maravilhosa e inteligente que essa companhia me deu de presente hoje. Por que colocar em cena uma mulher com máscara de mulher é exercitar a inteligência viva do universo. Nós aprendemos, brincando, o que é uma atriz, um personagem – sem precisarmos fazer aquelas quebras da quarta parede absolutamente sisudas e mal humoradas do Brecht, que a teorizou e nos terrorizou. Elementar, meu caro Brecht, uma máscara de mulher em uma atriz explica tudo o que você explicou sobre Verfrendung, mas que nós é que tivemos que fazer com tremenda canseira geral. O gurizinho já está sacando Brecht, commedia dell´arte [...máscaras, uai!], construção do personagem,bem ...e aprendeu sobre gréia geral também, por que ninguém é de ferro e teatro não é para adulterar crianças, fazendo-as se imaginar adultinhos maus porque bem comportados, o que elas definitivamente não são.
Vocês precisavam ter visto meu colega de coluna aqui de baixo, o Paulo Vieira, aquele crianção grandalhão e meio desajeitado, rindo à vontade com os olhos por debaixo daquela basta cabeleira branca que lhe envelhece apenas. Em tantos outros, envilesce.
Polly, minha adorável, lindíssima, cultíssima, atrizíssima e gostosíssima esposa se encantou perdidamente pelo Gato fujão que se endereçava a ela em espanhol para ficar chique. Quase não larga o ator quando o Gato tinha a seguinte marca “agora que você abagunçou o coreto lá no meio da meninada, dê meia volta, uma ligeira rabissaca e exclame:
- [como um bom gato de desenho animado] MEOW!!!”
Como os dois, o público todo se divertia muito. Não era tanto público assim, por que esse é um dos problemas, creio, do Seminário. Ele está entrando numa nova fase. A anterior era meio sisuda demais, troço assim pros críticos do Olimpo ficarem lá se perguntando um pro outro por que aqui vieram quando vieram pro teatro, qual era mesmo o sentido da vida antes de entrarem numa sala e essas coisas profundas em que todo crítico se exercita todo dia na frente do espelho ao se barbear. O Seminário está mais para Encontro Internacional, cheio de peças, vindas de todo lado, indo-se pra todo lado. Enfim parece-me que está na fase “spread your wings!” E no início dessas fases a gente nem tem muito tempo de avisar ao público que estamos de mudança. O que mesmo que eu queria dizer? Ah, que o seminário tem que programar melhor pro futuro a vinda do público. Produzam isso também com a competência que estão produzindo o resto.
Ô Michelotto, mas não era para falar dos meninos aqui e não dessas mazelas? É porque, meus irmãos, aquela sala devia estar lotada. Se o pessoal de teatro não vier em massa, chamem os mendigos, chamem os passantes. Porque eu te juro que o pobre do miserável do Michelotto aqui – diferente de Paulo e Polly e toda a sala, ficou lá remoendo, pensando, anotando tudo o que via e ouvia não só dos atores, mas da meninada-público por que é para eles que a gente faz teatro, não?
E essa vida de crítico é miserável e eu quero abandonar.
E juro por deus que por um momento, quando a trupe passou de ônibus carregando público para o palco eu tive que me agarrar fortemente à cadeira, pois a tentação foi enorme de entrar naquele ônibus com a meninada, subir pro palco com eles e não sair mais dali. Pois teatro bom é quando a gente o faz.
A vida de crítico é que é uma desgraça tragediosa só!!
Por isso eu quase subi e fui me embora pra fazer teatro junto com eles láaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa [daneira de lugar longe o nosso, né não?] em Manaus.
Porque essa turma de lá é boa pra cacêta, juro!
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