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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Em Tempos de pedra para comer...

Em tempos de pedra para comer, o teatro oferece o pão



Por Vinícius Vieira

Professor e jornalista



Clima de desalienação e resistência dão o tom ao novo espetáculo da Companhia do Latão, “O pão e a pedra”. A peça foi encenada dentro da programação do Festival Recife do Teatro Nacional, de 23 a 27 de novembro, no Teatro Hermilo Borba Filho.



Os momentos de greves dos trabalhadores metalúrgicos do ABC paulista no fim da década de 70, o novo movimento sindicalista, a interferência da Igreja, a mobilização estudantil e o surgimento do líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva são revisitados por meio da escrita cênica épica. Aliás, os pressupostos bretchianos são afirmados com a premissa de que o público não pode perder sua criticidade perante os conflitos retratados. O panorama de democratização e busca de direitos dialoga bastante com o atual cenário de inquietação política nacional, o que levou a plateia a manter os olhos vidrados na encenação e aplaudir calorosamente o trabalho após quase três horas de apresentação.



As relações de gênero e as injustiças cometidas pelas questões trabalhistas machistas também são refletidas em “O pão e a pedra”. Joana, uma trabalhadora metalúrgica, se traveste de homem para receber melhor salário. Essa escolha possibilita um salto positivo em sua vida e ecoa o absurdo da inferiorização da mulher no mercado profissional, na sociedade. A personagem ganha espaço em nosso imaginário por encontrarmos nela uma válvula que evoca tantas outras figuras femininas as quais se desdobram para garantir a sustentação da casa e conseguir educar os filhos. Somos assim, envolvidos em um jogo de aproximação devido a humanização das relações observadas, mas também somos convidados a ter um olhar atento e crítico às contradições, aos acontecimentos históricos descortinados pela teatralidade.



Sérgio de Carvalho é quem assina a dramaturgia e a direção da obra a qual enveredou pelos caminhos da criação coletiva para expor as contradições sociais. Aquilo que foi posto em cena tem um quê de documental com ressonância ficcional entre as figuras exibidas.



Na encenação, o ex-presidente Lula não é fisicalizado pela presença de um ator, mas ganha espaço a partir da gravação de seu discurso quanto presidente do sindicato dos metalúrgicos.



Em cena, os atores e atrizes cantam para explicar ou contextualizar as situações compartilhadas e desempenham essa ação com qualidade técnica. Entretanto, as vozes faladas, em alguns momentos, poderiam alcançar maior volume e intensidade. A peça conta com atores bastante habilidosos, porém, a direção não consegue atingir uma unidade interpretativa, o que torna o elenco desnivelado.



São múltiplos e profundos os signos postos em cena. O sexo entre dois namorados no carro e a fala nada carinhosa da mulher ao afirmar “você só quer me foder”, ou a imagem cênica de um garoto sentado em uma cruz, deflagram uma série de sentidos os quais povoam nossas mentes dias após a apresentação. São construções muito bem elaboradas e assertivas que reiteram a necessidade de estranhamento dos fatos, das coisas.



A peça convida a ir além das superfícies, das decodificações óbvias e incita na plateia o ímpeto de transformação. Em tempos difíceis, fincados na escolha entre o pão ou a pedra para comer, fica a certeza: o Latão faz jus a verve do Teatro Político.

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