Desejo, morte e ressurreição na natureza
Essa Tal de Natureza, encenada por Douglas Rodrigues para a companhia Arte & Fato foi baseada no livro de mesmo título da jornalista Leyla Leong, e concorre na categoria infantil no 7º Festival de Teatro da Amazônia. O enredo do drama, numa só linha, narra a trajetória de um pássaro da Amazônia que resolve descobrir o que tem além da floresta e encontra um reino de pedra e metal, onde se fere mortalmente e ressurge para reconhecer a natureza como a própria vida. O livro está em sua terceira edição e, em dias de devastação, propõe que as crianças de hoje sejam, num futuro próximo, seres melhores, que respeitem a vida, conscientes da importância da preservação da natureza. A encenação segue com fidelidade a proposta da autora em diálogos elaborados com maturidade, na adaptação dramática de Douglas Rodrigues.
Premiadíssimo nas edições anteriores do Festival de Teatro da Amazônia, entre outros prêmios importantes conquistados a nível nacional, a Companhia Arte & Fato, tem uma linguagem muito própria, baseada na limpeza de elementos cênicos, na simplicidade com que cria e executa a estética de seus espetáculos. É um teatro que encanta e estimula o espectador na reflexão do mundo que nos cerca. Dentro dessas características particulares, que a cada montagem vai radicalizando mais, ressalta-se a música ao vivo, que aparece grandiosamente em seus espetáculos e sublinham as emoções desenhadas nas ações das personagens, o que ajuda a mexer com os sentidos da platéia. Uma Companhia estável e respeitada pelo seu trabalho, portanto.
Essa tal de Natureza, o espetáculo, tem momentos simbólicos de grande beleza plástica, como a ritualização da travessia do reino da Natureza até o reino de pedra e metal da personagem Senhora do Limiar, interpretado por Elines Medeiros, que borrifa um perfume peculiar da floresta na platéia, simbolizando a essência da vida e da Natureza.
Outro momento onde a poesia é companheira do encenador mostra o jovem Pássaro, em coreografia que utiliza diversos planos, aprendendo a voar com o Pássaro Transitório, interpretado por Weldson Rodrigues, e parte num vôo para o reino de pedra e metal onde encontra sua própria morte. Com essas cenas fantásticas, a trama nos remete aos clássicos da arte, como Dersu Uzala, filme de Akira Kurosawa, onde um explorador salvo por um velho caçador, decide levá-lo para a cidade, confrontando seus costumes de forma esmagadora com o modo de vida burocrático na cidade, fazendo-o questionar diversos padrões da sociedade. No desfecho dessa trama, o Rei resolve aprisionar a Natureza e acaba perecendo junto com ela, quando uma bomba explode e devasta a vida. Mas a esperança ressurge no Jovem Pássaro que volta à vida, completando o ciclo dramático sustentado pelo tripé desejo, morte e ressurreição.
Mesmo diante de tantos acertos, alguns ingredientes teatrais no espetáculo ainda estão em formatação, principalmente no que diz respeito à interpretação. Existe uma overdose na construção dramática das personagens, que pode ser reparada até o ponto onde não seja incomodo para o espectador. O exagero não remete à emoção, ao contrário, provoca o distanciamento crítico na platéia e a encenação pode perder o jogo dramático essencial do teatro. Douglas é um encenador talentoso, criativo, pode corrigir e nivelar a interpretação do elenco, a fim de que a lanterna de todos acenda durante a próxima sessão d´Essa Tal de Natureza.
*Chico Cardoso, diretor teatral.
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