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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

7º Festival de Teatro da Amazônia / É Proibido Jogar Lixo Neste Local


É PROIBIDO JOGAR LIXO NESTE LOCAL





MUITO ALÉM DO ARCO-ÍRIS : É PROIBIDO JOGAR LIXO NESTE LOCAL


Por Jorge Bandeira

Existe uma espécie de conspiração mágica quando as coisas insistem em existir, apesar dos reveses e obstáculos enfrentados. E o Teatro é pródigo em nos demonstrar sabiamente essas sutilezas da existência em doses estéticas inesperadas, e aqui coloco a noite iluminada em que floresceu esta centelha criativa, da qual o público foi brindado pelo competente e primoroso jogo teatral de É PROIBIDO JOGAR LIXO NESTE LOCAL, texto de Wagner Melo e com a direção de Leonel Worton. Num espaço exíguo onde a coexistência está sempre por um fio, surgem dois personagens que muito se assemelham aos condenados existenciais e sociais de um Plínio Marcos, relembro imediatamente a “Dois Perdidos Numa Noite Suja”. Saliento que a comparação não desmerece em nada este teatro de fortaleza interpretativa e de uma dramaturgia que sobrevive pela permanência do sofrer comum ao povo, ao artista. Este elemento de comparação e analogia ergue como ode triunfal ao nome do dramaturgo, nome tão importante ao Teatro amazonense como o de Plínio Marcos no cinturão cultural de São Paulo e da região Sudeste.

Grata satisfação é a do crítico que entra no Teatro e sai dele com uma respiração melhor, depois de ter visto e escutado as trombetas heroícas desta arte teatral que perpassa eras. Ocorre uma organicidade feliz entre estes artífices da nobre arte, pois o resultado é de todo convicente, mesmo com os deslizes insignificantes de uma mudança de cena, espaço e temporalidade. Nada diminui a beleza trágica desta peça, feita de uma argamassa tão sólida, que prende a atenção dos espectadores do início ao fim do espetáculo. E este texto vertido em imagens e sons ganha uma força e dinamismo que somente os que se dedicam com amor e paixão podem exemplificar. As palavras, aqui não bastam para orientar o leitor da grandeza desta obra levada ao palco de um teatro, onde o cenário e a iluminação de Daniel Mazzaro funciona de forma econômica, segura, sem arroubos e exacerbações desnecessárias, e aqui Mazzaro, também ator renomado na cena local, foi de uma grata generosidade com os intérpretes Eduardo Gomes(Mário) e Tony Ferreira(Fifi), estampando cada detalhe de sua função sem encobrir as atuações, tornando, assim, seu trabalho ligado naturalmente à cena, sem eclipsar nenhuma vez as pugentes e urgentes ações dos personagens deuteragonistas, visto que é impossível estabelecer um desiquilíbrio que coloque a balança cênica pendendo a um ator ou outro.

Os dois atores são eixos de um mesmo motor de explosão teatral, carne e unha, cara e coroa, e a vida do outro confunde-se com a própria, como diria um certo Arthur Rimbaud, “O Eu é um Outro”. A primorosa obra artística é despojada, porém encontra seu porto seguro com as pesquisas de um figurino de corte histórico exato(assinado por Adroaldo Pereira e Sibele Gomes), e de uma economia cromática que o deixa clean aos olhos do público, e mesmo os farrapos carregam uma estranha luminosidade e brilho, o que torna as cenas ora suaves, líricas ou violentas, dependendo das situações enfrentadas por Mário e Fifi, num jogo sádico, cruel, sadomasoquista, e que transita entre uma pancadaria inesperada que eclode por um simples gesto ou fala, desencadeadores de momentos fortes, mas não vulgares. Aliás, a vulgaridade passa longe, mesmo nos terríveis lampejos da violência e do sadismo, eis que o lírico aparece, inesperadamente, infringindo ao espectador mais uma das muitas surpresas, e esta é uma das vitórias estéticas deste espetáculo.

A complexidade no nível do simples, mas não simplório, o que a sensibilidade de um diretor como Leonel Worton soube captar de forma grandiosa. A direção de atores feita por Mazzaro responde por esta cumplicidade de acertos, e aqui permito-me observar que a juventude destes atores já está é “velha”, pois não reconheço níveis de insegurança, parecendo que estes “jovens velhos” já estão no palco há tempos, o que me impressionou sobremaneira, pois não esperava uma estreia tão avassaladora a meus sentidos, e isto senhores, não há tempo ou idade que compre, e a isto chamo de entrega consciente a um projeto estético. Algo raro de encontrar-se, em qualquer ponto onde brota um afã teatral com vontade de superar-se a si mesmo. Claro, as vozes não atravessam do início ao fim com a mesma galardia, mas isso não importa, a certeza que este não será um obstáculo aos “jovens velhos atores” me convence de uma inevitável e substancial melhora e aprimoramento de deslizes eventuais, facilmente alinhados, um galho fraco para a equipe.

Atento fiquei ao trabalho corporal dos atores, de uma simbiose perfeita, mesmo quando o figurino teimava em não obedecer aos seus ditames e trocas nas transferências cênicas, o corpo destes intérpretes falava pelos poros, as quedas, os tapas, os espancamentos conduziam as cenas numa progressão de sinceridade e realidade, sendo um fio condutor, mais um critério que a encenação soube valorizar em níveis de convencimento satisfatórios, e algumas vezes senti meu corpo ser vitimado pela capacidade da catarse que os atores jogavam à plateia, atenta aos seus percalços e superações.

Existe uma precipitação em tratar o texto teatral produzido na época da ditadura militar como um texto “de um passado datado”, e que não se inseri nesta dramaturgia, por mais que ela insista em alguns rótulos passadistas. O texto de Wagner Mello vai além de uma denúncia, pois apavora a uma direita pudorosa e envergonha uma esquerda que hoje é a sombra do que foi neste passado recente. A massa preparada por Wagner Mello é uma condicionante da existência dos seres marginalizados, nos planos sociais e sexuais, e aqui não se levanta uma bandeira por uma causa, pois isso tornaria tudo um planfeto irrisório, ideológico, trata-se de um pensar sobre a existência, sobre um trancendente, sobre os preconceitos que não se resolvem, seja do capitalista da TFP ou do comunista que pensa na revolução vinda do exterior, e não de uma revolução mais sútil e ao mesmo tempo mais duradoira, a transformação da alma, do espírito, sem usar o termo aqui na esfera do misticismo, mas do existencial.

Por isso que este Teatro de Wagner Mello incomoda até hoje, é que ele como Teatro tem uma carne flácida e apodrecida, feito um amontoado de cores disformes e estonteantes de um Francis Bacon, e que ganha vida com montagens audaciosas e despretenciosas como esta de Leonel Worton. Não é a nudez dos personagens que agride aos incautos, é a vestimenta desavergonhada de um teatro tacanho, pequeno, o oposto de É PROIBIDO JOGAR LIXO NESTE LOCAL. Se você nunca viu uma cena de sexo explícito sem penetração, assista a esta peça, o lirismo de um ato sexual penetrará em você, se o seu coração estiver desarmado para fortes sensações. Os lixos são recolhidos nas madrugadas da alma...

Manaus, 27 de julho de 2010. Jorge Bandeira 3233-7316 / 9116-6775 / vicaflag@hotmail.com



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