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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

7º Festival de Teatro da Amazônia / Flicts


FLICTS - O MUSICAL



UMA OUTRA FANTASIA PARA FLICTS


Por Leidson Ferraz*


Já perdi as contas de quantas versões teatrais do Flicts, obra magistral do mineiro Ziraldo, pude assistir. Lembro, em especial, de uma ousada encenação alagoana, com texto onomatopaico e objetos animados em cena. Aquela experiência me marcou muito! Neste ano de 2010, acompanhando pela primeira vez a programação do Festival de Teatro da Amazônia, com o evento em sua sétima edição, eis que me surge, de Manaus, mais um mergulho cênico partindo do livro deste cartunista e escritor de clássicos da literatura para crianças de todas as idades, agora sob o título Flicts – O Musical, uma realização da Companhia de Teatro Apareceu a Margarida, sob direção de Chico Cardoso. É ele o responsável por quase todos os elementos em cena.

A obra original do Ziraldo foi escrita em 1968, ano de revoluções em todo o mundo, e editada já no ano seguinte, exatamente quando o homem chegou a Lua (este é um dado importante). No enredo, Flicts é uma cor frágil, até então não catalogada em paleta alguma de cores, que decide encontrar sua própria identidade. Dialogando com outras cores de uma caixa de lápis de cor, ela parte pelo mundo, tentando inserir-se em algum lugar que a compreenda e a aceite. No texto original, Flicts, depois de muito vagar, se depara com um astronauta que a leva para o espaço. Somente próxima à Lua, ela descobre resposta para os seus por quês. Confesso que várias vezes me emocionei com esse achado poético, afinal, “tudo no mundo tem cor”, e até mesmo a incompreendida Flicts pode desfrutar deste sentimento de pertencimento.

No palco do Teatro Amazonas, Flicts – O Musical, adaptação mais do que personalíssima do próprio Cardoso a partir dos escritos “ziraldianos”, passa a ser uma outra fantasia, que veste esta cor como se fosse diferente do original, sendo o mesmo em sua essência. Uma adaptação com muitas qualidades, que aposta num clima bastante festivo (apesar de estarmos tratando da terrível exclusão e da eterna busca que nos coloca em existência), mas sem esquecer a poeticidade também. No conjunto, mesmo com algumas referências locais e até uma certa espetacularização ou carnavalização dos figurinos – a peça é fruto de uma cidade que respira opulência –, o espetáculo supera essa territorialidade e dialoga com os públicos mais diversos. Vale ressaltar as belas canções originais de Paulo Marinho e do próprio Chico Cardoso, que pontuam toda a trama, com os atores cantando ao vivo sob uma excelente gravação instrumental em play-back.

Se há senões nesta dramaturgia própria, apenas as inserções de personagens que, no meu entender, não dialogam com o caminho percorrido pelo protagonista. Refiro-me aos momentos em que há uma clara valorização pela busca do sucesso, seja no mundo dos negócios ou do esporte. Os encontros que Flicts mantém com o papel reciclado, as folhas dos livros de uma biblioteca ou as possíveis misturas de cores em tecidos, ganham muito mais sentido nesta procura de um “eu” interno e não de expor-se “aos outros”. No entanto, há achados em todo o desenrolar da história, principalmente na homenagem que o dramaturgo faz a própria arte, pontuando a peça, em seu início e final, com a voz sonora de um pintor que ainda não utilizou Flicts em seus quadros por não ter encontrado o momento especial que necessitará desta quase impensável cor – é a boa voz do próprio diretor quem personifica a personagem.

Com esta referência, impossível não lembrar da figura mítica de alguém ou algo que provavelmente rege nosso mundo, mas espera que tracemos o nosso próprio caminho, mesmo diante de percalços vários, como o faz a singela corzinha Flicts. A direção de arte também merece destaque, principalmente nestes momentos. A cena é aberta com uma profusão de telas vazadas em perspectivas, com o palco quase sempre nu e negro em todo o restante, o que valoriza a profusão de cores dos figurinos e adereços. O único elemento sempre presente na cenografia da peça é um guarda pincéis que serve de camarim para as três cantoras/bailarinas coadjuvantes viverem várias backings, de uma energia vibrante. São elas: Tina Cristina, Magda Carvalho e Hammyle Nobre.

No papel-título de Flicts – O Musical, Zezinho Corrêa, esbanjando simpatia em cena, com ótima voz, mas precisando apenas fugir de uma certa linearidade em sua fragilidade, tanto corporal quanto de intenções, no desenrolar da trama. Os outros atores (Márcia Siqueira, Michel Guerrero, Ana Cláudia Mota, Vicente Henrique e Arthemys Moreno), além de excelentes vozes, dão o tom certo na personalidade de cada uma das cores, com movimentação coreográfica precisa e divertidíssima. É preciso ter cuidado apenas com as enormes pausas que pontuam as cenas em que o conjunto de intérpretes não está presente. Ao final, depois de percebermos que o azul é sinônimo de harmonia; o amarelo, otimismo; o verde é atitude; o laranja, equilíbrio; e o vermelho é revolução, a corzinha Flicts ganha um significado antropofágico com essa nova dramaturgia que, pautada em uma bem cuidada produção, passa a ser um deleite para olhos, ouvidos e pensamento. Autenticamente singular.


Algumas curiosidades que não posso deixar de registrar:
- O Chico Cardoso integra a comissão de direção do Boi-Bumbá Garantido de Parintins;
- O Zezinho Corrêa (Flicts) era o vocalista da Banda Carrapicho (Bate Forte o Tambor...).
- A montagem foi realizada graças ao incentivo do Prêmio Myriam Muniz, da Funarte, e do Programa Proarte, da Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas.


*Leidson Ferraz é jornalista, ator e pesquisador teatral.

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