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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

7º Festival de Teatro da Amazônia / Hoje sou um, Amanhã outro

Hoje Sou um Amanhã Outro

O REI NÃO ESTÁ NU, ESTÁ DE FRALDA! Valei-me Qorpo-Santo!
*Jorge Bandeira


O Rei geriátrico é posto em cena na peça HOJE SOU UM: E AMANHÃ OUTRO, pela Cia Vitória Régia, regida por Nonato Tavares, na sequência de uma trilogia programada para este singular e inclassificável autor doTeatroBrasileiro: Qorpo-Santo. O ciclo fecha-se, segundo nos indicam, com “As Relações Naturais”. Vamos à peça: O regime político aos frangalhos, um reinado louco que está perdido nas próprias burocracias que engendrou, mas trata-se de uma farsa barroca, onde o encenador prioriza o que de melhor encontra-se em Qorpo-Santo, o brincar na cena, a liberdade sem limites no criar as mais prosaícas circunstâncias que fazem da trama uma delícia de se acompanhar, feito súditos da insanidade. E a brincadeira não nos deixou nestes 40 minutos em que pontificou este rei, da mesma linhagem que fez surgir, tempos depois, obviamente por pura coincidência, o UBU REI de um certo Alfred Jarry.

A inserção dos elementos “regionais”: o boi, a toada, os políticos locais, nada escapou dos éditos e decretos lunáticos deste barroco rei, que ostenta como forma ultrapassada, a linguagem quinhentista. Isso nos meados do século XIX,, quando o romantismo que envolvia a realeza no Brasil já estava sucumbindo às trapaças republicanas, ou seja, o Rei já está velho, caduco e as fraldas devem ser colocadas nele para que a merda real não escorra pelo palácio, para que o poder republicano não entre com sua higienização e peça a cabeça do Rei, como aconteceu na Revolução Francesa. Coisas do poder, uns estão equilibrados nele, enquanto outros tentam entrar e se locupletar dele, de qualquer forma ou meio. Maquiavélico Rei, mas que trama apenas em sua incapacidade de ser são, lúcido.

A montagem de Nonato Taveres é de uma elegência em detalhes, como é de praxe em suas obras. A roupa como estética do barroco acompanha o zeloso trabalho de Koia Refkalefsky(que também é a Rainha), e importante destacar que este barroco funciona com poucas variações cromáticas, onde o vermelho e o negro são as mais evidentes no palco, o que facilita a iluminação, com precisas alternâncias de focos e de refletores e suas tonalidades.

O quinhentismo linguístico foi uma opção de garantir o registro da época de Qorpo-Santo, e a cavalaria galopa de forma absurda, e lembra os cavaleiros medevais do Monthy Pyton no “em busca do cálice sagrado”. As referências a Alfred Jarry e ao clássico personagem do Ubu Rei são notórias, e que coroa de Rei é aquela, o efeito cênico é deslumbrante, não dá para imaginar mais aquele Rei sem a sua estonteante coroa. A pomposidade do figurino, a maquiagem, tudo foi calculado com zelo máximo pela produção e pelo encenador.

A loucura pelo poder atravessa etapas históricas, e prossegue por toda civilização, antiga e futura, e entre a tênue linha entre sanidade e loucura, encontra-se o poder, os mandatários, semi-loucos num mundo que teima a se tornar curado, uma tarefa vã, de terrível constatação. Qorpo-Santo já alertava em seus textos sobre estas questões paradoxais, existencais e políticas. Vivemos a insanidade de nossos refluxos de lucidez. A música na medida certa, sem arroubos desnecessários ,fazem da sonoplastia ao vivo desta obra de 40 minutos um espetáculo meticuloso, não barulhento, que chega aos ouvidos de forma suave, mas contundente.

As damas que acompanham a Rainha são involúcros de uma disfarçatez, dançarinas provocantes de um boi bumbá de “Paristins”, por isso que o Rei passeia em seu boullevard de Versailles. Para relaxar, para se esquecer...Os Soldados, com seus figurinos à la sadomasoquismo, lembram os centuriões na versão moderna das dominatrix. Os decretos absurdos pululam deste palácio feito colônia de loucos, onde o ministro tenta, em vão, subverter uma ordem, claro que não consegue, pois o caos domina sempre o ambiente, mesmo nos momentos de aparente controle físico e emocional do Rei, mesmo nos seus destemperos de personilidade e na sua senilidade.

Um dado curioso e que remete aos aparatos da nobreza no Brasil: nos tempos do império realmente havia uma equipe que tratava da higiene do Rei, e alguns tronos tinham um fundo falso, espécie de vaso sanitário, para quando o Rei participasse de uma longa reunião não precisasse interrompê-la, evacuando ali mesmo no “trono-vaso”. Um escravo, então, recolhia a merda real e a levava no penico real para a rua real. Era desta forma mesmo. A Atualidade em Qorpo-Santo é incontestável, e por mais que seja uma precipitação e até mesmo preciosismo patriótico vincula-lo às vanguardas teatrais que o sucederam, é notória sua capacidade de inovar nas letras e na dramaturgia feitas naquele momento histórico, nos meados do século XIX.

Um teatro límpido e objetivo, de uma trupe que funciona perfeitamente bem no que se propões a colocar em cena, e mesmo que algumas falas tenham se “atropelado” ou que engasgaram na voz da Rainha, tudo isso é irrelevante, pois a perda de voz da Rainha também representa no meu ensejo de observador não implacável, a própria fraqueza do poder real. A Cenografia econômica de Nonato Tavares, um bobo musical e um trovador que são este duo da sala real, tudo se encaixa nesta proposta de cena. Uma cena, aliás, que de tão simples levou o público a aplaudir o “voo da cavalaria”, num movimento tão simples, mas que transmitia uma maneira de brincar e de sonhar, tal qual uma Cavalgada das Valquírias num palco onde este mesmo público fez esforços pendulares com a cabeça e pescoço, este um único problema a ser resolvido, evitar este incômodo ao espectador, pois o mesmo plano de cadeira no palco do Teatro Amazonas impossibilita visão total das cenas. Mais isso não chega nem a coçar, pois o riso aparece e depois a gente trata do torcicolo. E viva o Rei!

*Jorge Bandeira é dramaturgo, autor de A Carroça de Pandora do Largo de Sabá Tião I e II.

Manaus, 10 de outubro de 2010.



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