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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

sábado, 16 de outubro de 2010

7º Festival de Teatro da Amazônia / Gilda

GILDA

QUANDO O CINEMA VIRA TEATRO, E O TEATRO REVIVE O CINEMA


Por Jorge Bandeira*

Já estava mais que na hora de escrever sobre GILDA, O ROMANCE DA MOÇA MORTA NA CIDADE FLUTUANTE, escrita pelo dramaturgo dramático Sérgio Cardoso, o nosso mais profícuo escritor para o Teatro no Amazonas. E que também é um de nossos espectadores mais assíduos, o que é invejável, pois assistir o Teatro atual feito por nossos artistas só engrandece a nossa cena. E a dele, que sabe de nossos problemas e busca, em seu Teatro, as soluções possíveis.

Sérgio Cardoso, por isso, talve seja um dos poucos representantes deste Teatro da emergência, da atualidade, do século XXI. Saudosismo não combina, em nada, com este furacão de cena, deste escritor ácido e sarcástico, deste avatar que atira em todas as direções, mas que nos faz pensar sempre sobre a Manaus de nossos sonhos pueris. Gilda, seu trabalho em cartaz, sob a direção de Douglas Rodrigues e com produção de Sérgio Lima, exacerba estas sensações de profundo pesar que recai sobre nossa história. Sérgio é também, neste sentido, um historiador. Sua trama perpassa esta Manaus construída de forma atuleimada, com matizes desbotados pelo tempo e que retorna, triunfal, pela ótica do encenador e de um elenco bastante coeso e firme, onde a atriz Amanda Paiva revigora o papel feminino neste caótico universo em que se engendra a história tragicômica de sua personagem.

Apesar de ser a protagonista destes causos escabrosos, deste comércio desenfreado de seu corpo pelos figurões arrastados pelo crime e pelo vício e taras e manias, temos uma Gilda ciente de que para funcionar a contento, Amanda rebaixou-se ao mesmo nível de seus algozes. Ponto perfeito, nota singular de sua atuação, que estaria num nível confortável mais perigoso se caisse na fácil premissa de ser “a dona da cena”. Ainda bem que esta tentação não vingou em seu trabalho. É uma atriz generosa com seus colegas de cena. E que coadjuvantes de luxo e talento.

Sérgio Lima faz entrar em cena um Lopevega tacanho e irrascível, mas de feitura cênica gentil, feito uma raposa. Roberto Carlos e seu patético inspetor Cintra, na trama selvagem que busca um mundo de lixo e de malversações, aliás, situação que permeia do início ao fim do espetáculo. Por trás de tudo o fétido cheiro do dinheiro podre invade os corpos e as mentes dos devassos comerciais e sexuais. Júlia Soutello é uma Alice que vive dos sonhos gosados por Gilda, de suas práticas sexuais, sendo a cafetina sórdida, manipuladora desta bolsa de valores da putaria generalizada. Fu(o)der é poder!

Gilda, teatro que somente comprova o óbvio, nosso Teatro não deixa nada a desejar aos outros centros produtores de uma cena taetral, capaz de surpreender a muitos que ainda vão ao Teatro pensando numa simples diversão sem reflexão. Agora este modelo está completo, você ri descontroladamente de muitas cenas de Gilda, mas ao sair, creio eu, em minha inútil pretensão de crítico, que algo se preencheu ao seu ser, que aprende um pouco mais de nossa história citadina pelo fio cortante e esclarecedor do dramaturgo e desta montagem. Voltemos ao elenco, pois a valorização destes atores é o que me importa, e não escrevo de encomenda, o que me move é minha emoção e a razão que faço prevalecer quando sinto que estou saindo do foco crítico. E escrevo somente sobre o que me inquieta, que me faz pensar.

O ator Cleinaldo Marinho detém a rara qualidade de uma voz vigorosa em nossa cena local, e seu trabalho de ator certamente um primor neste Gilda, especilamente a delirante cena em cadeiras de roda como Pontes Corvo Morgado, o poeta “poeteiro”, aleijado e pernóstico. Sérgio Cardoso, digitei linhas atrás, não está preocupado em ser politicamente incorreto, pois a política já é carregada por si mesmo de incorreções. Sérgio Cardoso extrapola os limites para chocar mesmo, é um profano, nosso Aristófanes da floresta amazônica, para detonar as falsidades encontradas nos mais escondidos esconderijos do poder, seja o poder político ou da intelectualidade, dos figurões que se locupletam nesta Manaus feita de um passado sempre presentificado. Papel de um dramaturgo que resvala pelo viés da História. Sérgio Cardoso é um historiador, insisto.

Hely Pinto, Arnaldo Barreto, Richard Harts, Jean Palladino, Larissa Rufino, Antonio Carlos Junior e Paulo Altallegre completam esta obra cênica, este lampejo de um turbilhão que adentra no teatro amazonense a cada nova investida deste autor que produz vulcanicamente, forjando ásperas cenas que ora são de puro cinema, ora diminuem o diafragma de nossa retina para que nosso foco histórico e crítico alcance com maior precisão(e diversão, senão seria entediante) o labirinto histórico de Manaus. Ao fazer sua ficção, Sérgio Cardoso toca no ponto fucral deste real, através de suas imagens acordamos para brindar este Teatro, estes artistas, nós mesmos.

*Jorge Bandeira é espectador do Teatro Amazonense.

Manaus, 1 de setembro de 2010.



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