A Metamorfose do Teatro Infantil
Por Chico Cardoso*
Justamente no dia das crianças o Teatro Amazonas recebeu, dentro do 7º Festival de Teatro da Amazônia, o espetáculo infantil Brincadeiras, escrito por Raimundo Matos de Leão, dirigido por Socorro Andrade para a Companhia Metamorfose. O dia já favorecia a comunicação com um teatro voltado para a “gurizada”. O autor baiano destaca seu envolvimento com esse gênero de teatro que, segundo ele, é considerado menor pelos próprios artistas de teatro. Discordo número 01. Essa consideração não se aplica à Manaus, por exemplo. O Teatro Infantil aqui é tão ou mais vigoroso que o teatro para adultos. Muitas vezes, é até difícil decidir o gênero, posto que algumas companhias trabalham essa relação tão aberta na comunicação de seus espetáculos, que o gênero dissolve no ar.
Outra consideração do autor é que o teatro para criança deve incluir todos os temas, e que eles encontrem a forma adequada para ir à cena. Discordo número 2. A dramaturgia em Brincadeiras revela essa vastidão que o autor segue como regra para sua criação, entretanto, “Brincadeiras”, tem como espinha dorsal, quatro crianças que se divertem em várias jogos e brincadeiras. Já para a diretora, trata-se de uma trupe que viaja contando estórias e brincando pelo mundo. Se o autor tivesse amarrado melhor, o espectador não ficaria na dúvida se são crianças no faz de conta ou saltimbancos adultos brincando de ser criança para divertir crianças. Essa é uma confusão do espetáculo. Então é preciso que a dramaturgia feche rigorosamente o tema, seu desenvolvimento e sua conclusão, para que direção e elenco não caiam na cilada de estar percorrendo caminho avesso ao do autor. E como as brincadeiras propostas no espetáculo não se fecham, suspeito que este realmente tenha sido o primeiro texto de Raimundo Matos.
Fora essas discordâncias, é preciso que se registre a qualidade com que o espetáculo é interpretado. Não se tem como dizer quem está melhor em cena. Camila Duarte, Sidney Fernandes, Dinne Queiroz e Idelson Mouta são os atores que brilham nas brincadeiras. Alguns com mais experiência, como é o caso do Sidney, emprestado pelo TESC para compor este elenco da Metamorfose. O que não chega a provocar desnível na unidade da representação, pois os outros atores estão tão bem quanto. Isso se deve a batuta da Paula Andrade, que arregaçou as mangas e fez o tralho que sabe fazer com precisão cirúrgica, dirigir atores.
Os ricos figurinos e adereços vão compor o cenário, aquele varal típico dos saltimbancos nordestinos, de onde surgem vários universos. A luz, assinada por Daniel Mazzaro, enquanto foi permitido o fornecimento de energia, esteve surpreendente (faltou energia durante o espetáculo e os atores tiveram que continuar no escuro). Iluminação simples e cheia de detalhes que ajudaram as cenas a crescer nos olhos atentos da “curuminzada”.
Acredito que o primor com que a produção chegou ao palco do Festival, merece que a dramaturgia se resolva melhor, fechando as brincadeiras e conduzindo-as para algum lugar. Resolvido isso, sucesso na certa. É daqueles espetáculos de repertório que nunca deveriam sair de cartaz e não precisa de todos aqueles “efeitos” que sobem e descem para contagiar de alegria o publico. A Cia Metamorfose tem uma trajetória em teatro infantil desde sua fundação, em 1993. Entretanto, percebo que é na dramaturgia que a Cia deva radicalizar sua investigação. Os outros campos da encenação já defendem com técnica e qualidade. A FETAM deveria propor um seminário específico de teatro infantil para toda Região Amazônica ainda este ano. Aproximando os vários olhares para um teatro que, por via de regra, precisa dizer-se para criança.
*Chico Cardoso, diretor teatral.
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