Se a arte alimenta a alma, porque o crioulo doido samba?
Vamos começar! Pegue um fauno, junte a seis seres encantados da floresta, suprima sete anões, coloque duas rainhas, sendo uma, fruto da mente criativa dos irmãos Grimm e outra vinda da África com seus orixás, adicione um espelho mágico, um caçador que se multiplica sem nenhuma lógica, retire aquela bruxa fora de moda e, em seu lugar, valorize a terceira idade na vendedora de maçãs, mate um rei e, já próximo do final, dê uma pitadinha de sarcasmo e, ao invés de um príncipe que despertará a princesa com um beijo, coloque outro rei, mais chato que o primeiro. Melhor ainda, use a “Xangô” para despertar a princesa adormecida, isso cai bem pro discurso de inclusão racial. Agora junte tudo num mesmo espetáculo, misture o mais que puder, sem ligar muito para a trilha sonora e sua importância cênica. Não ligue também para o estilo do figurino ou da concepção estética de cenografia, de coreografia, da adereçagem, nada! Continue misturando Vangelis com Era e canção popular, tudo ao vivo, no melhor estilo Arte e Fato... Agora dê um título a esse espetáculo.
Vamos entender! Didha Pereira é dramaturgo pernambucano, especialista em ensino de artes, de crítica literária, professor de línguas, literatura e artes. Foi jurado no 4º. Festival de Teatro da Amazônia e é autor do espetáculo “Era uma vez...”, apresentado neste domingo, por uma jovem companhia de teatro, anunciada com o nome de um dos diretores, Roberto Carlos Junior. Acredito ter havido desencontro na hora da inscrição, de fato se chama Cia Amatthores Eventos Artísticos. Pois bem, Didha, em seu original, dá o título de “Branca de Neve e os Sete Anões”. Provavelmente, a companhia após constatar que seria impossível encontrar sete anões em Manaus, resolveu, deliberadamente, reorganizar a carpintaria do texto e propor uma co-autoria ao Didha, trocando o título de seu texto para “Era uma vez...”. Ainda não se sabe ao certo, se o professor passou recibo ao que sucedeu. De qualquer forma, pergunto: sabe o crioulo doido? E respondo: Pois é, maior samba!
Lastimo que essa jovem companhia, não tenha sido paciente para seguir os passos necessários na construção de um espetáculo de teatro. Lastimo mais ainda, ver que os diretores Fabiene Priscila e Roberto Carlos Junior, não dedicaram mais tempo ao seu próprio aprendizado no teatro e já saltaram numa incursão precipitada para direção teatral, como se fosse muito fácil escalar os degraus necessários a esta função. Não se pode, sequer, calcular o potencial dos atores, já que os diretores em cena são muito fracos e desafinados.
Não existe cenário, seu improviso, foi aleatório. A floresta não tem nenhuma conexão com o salão do trono, ambientes em que se dá o episódio. O arranjo de ramos verdes onde o espelho mágico surge, foi colocado tão a ermo, que insulta os piores decoradores de festas de salão da cidade. Há uma confusão generalizada de linguagem no figurino, ora futurista, como é o espelho e a rainha em sua “mágica” e enfadonha transformação, ora absolutamente tradicional como nas conhecidas representações dos contos de fada. Quanto à interferência negra no figurino, da outra rainha, que veio da África e virou escrava, difícil viu. A coreografia é simplória, mas entra justamente nos momentos certos, para que o espectador possa descansar de tanta confusão. A luz, ah! Cleinaldo, tanto esforço e criatividade... Intrigante como desde que se entra no teatro a luz fala sozinha e assim vai até o final, criando o monólogo de focos e cores.
Com mais atenção, a companhia Amatthores, pode cometer menos erros, pode buscar uma linguagem própria, sem querer ser outro. Teatro, por mais livre que possa parecer, em sua execução, tem rigor. Se não cobrada pelo júri ou pela classe, dentro do Festival, fatalmente a companhia será cobrada pelo próprio publico. A Fetam precisa abrir seminários, quase que permanentes, para discutir processos e linguagens teatrais. Contribuindo para a formação intelectualmente dos artistas de teatro. Assim, os jovens podem conhecer e respeitar mais a função do ator e do teatro na alma de seus espectadores.
* Chico Cardoso, diretor teatral.
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