BRINCADEIRA E CIDADANIA
*Jorge Bandeira
A tradição nordestina na linhagem de Ariano Suassuna apresenta-se no Teatro brincante de TIRA A CANGA DO BOI, do Grupo Raízes do Porto, com direção de Suely Rodrigues. Os repentes e as trovas, com os eventuais sons de percussão e pandeiro, recheiam o espetáculo , que lida com as trovas e também com o caricatural dos personagens típicos do nordeste, carregando no sotaque e nos trejeitos atuleimados dos atuadores.
É um auto de Bumba-meu-boi, com boizinho e tudo. E a graciosa Ema, pivô das situações que desencadeiam a divertida trama. A vida dos brasileiros que vivem e sobrevivem na estrutura corrompida pelo poder e pela política é tratada aqui com a merecida e bem-vinda jocosidade, caso contrário estaríamos num eterno rio de lágrimas e de promessas políticas de melhorias, essas sim duradouras e intermináveis.
O populismo é o condutor do enredo, as loas que rimam com “mulher boa”, o “pitititito” para reforçar o menorzinho, e um cabedal de termos que pululam do texto de Marcos Freitas e que adjetivam as mais prosaicas situações desta montagem teatral. A referência a fatos recentes de nossa vergonhosa política são inseridos na história, as malas de dinheiro(mala preta) e o dinheiro na meia são duas destas referências, e que fazem o público rir de imediato.
Mateus, o matuto, Catirina e Bastião, o Patrão gorducho, tipos teatrais de uma tradição que perde-se no tempo, mas que são devedores de uma tradição que tem início nos longínguos tempos da formação do povo brasileiro, ainda na colonização do Brasil. O Capitão de merda, desculpe, LACERDA, é a representação deste coronel de barranco tão caro na vida de nortistas e nordestinos. Em alguns momentos percebe-se que a trama perde fôlego, o que é decorrência de 50 minutos de dança, música e interpretação neste jogo feito às vistas do público, numa arena no palco do Teatro Amazonas. Dona Joana, por exemplo, é a que mais deixa transparecer esta falta de vigor, e os figurinos que ela trocava em cena, ocasionalmente causavam dispersão na atriz, com excessivo zelo na troca de seu figurino em cena aberta.
A sequência de maior hilariedade, sem dúvida, é aquela onde o Capitão é castigado, sua roupa é tirada e ele fica de ceroulas, e ainda propõe-se que ele seja “amarrado a um pé de tucumã”. É sado-masoquismo puro. A sequência da morte do boi é bem executada, sob as marcas de um bumbo, num féretro contagiante, de choro e saudade pelo boizinho perdido, mas que depois regressa ao mundo do brincar.
O espetáculo de uma hora de duração, com as cores vibrantes de seu figurino, na tradição dos autos folclóricos do Brasil, dos bois de axixá, de mamão, enfim, dos bois que percorrem este Brasil continental, deixa uma mensagem ao eleitor, nas vésperas de uma eleição presidencial, na patética figura de um Dr. Vitalício, que leva o engodo em seu comício, na esperança de um novo 171, todos são convidados pelo Raízes do Porto a refletir sobre o poder de decisão neste momento crucial da vida brasileira.
Educação, saúde, segurança, cultura, copa do mundo, desmatamento, para tudo o Dr. Vitalício tem uma solução imediata para este pacato eleitor: DEIXE COMIGO! Um espetáculo da cidadania, no dia do primeiro debate dos dois candidatos a Presidente do Brasil no segundo turno. E assistimos ao melhor debate, com arte e divertimento.
*Jorge Bandeira é autor do texto As Donas do Apocalipse.
Manaus, 11 de outubro de 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário