A PRINCESA E A LUA
Pasme, a lua é ele!
*Por Chico Cardoso
A lua, agora composição de um Clown, observa distante e poeticamente a trajetória de uma trupe de um circo muito pequeno criado no espetáculo “A princesa e a lua”, escrito e dirigido por Ana Cláudia Mota, para a Cia Arte Brasil. O que a Lua não espera é que nesta trupe circense, a Clown Princesa, desperta uma paixão transformadora em si própria (o).
Aliás, “poetas, seresteiros, namorados correi! É chegada a hora de escrever e cantar...”, porque o espetáculo “A Princesa e a Lua”, mostra a Lua como um Príncipe à espera do amor.
A inversão desses valores veio de uma livre inspiração de Ana Cláudia, na lenda amazônica da vitória régia, onde a flor se apaixona pela Lua, representada no universo indígena, como um guerreiro transformado por Tupã. Embora o texto tenha ingredientes belíssimos, ainda precisa de ajustes, desde uma carpintaria mais dinâmica, até a construção mais definitiva de suas personagens, o que é comum numa experimentação como esta que está apenas em seu início.
A Lua, colocada ao fundo do palco suspensa por uma escadaria/balcão, só vai se relacionar com a trupe, através dos sonhos da Princesa. Essa trupe instala seu circo para o grande show, onde números mambembes e hilariantes atraem a Lua para o picadeiro, para perto da Princesa, portanto. Esse plano, entre os Clowns e a Lua Clown, fica espacialmente distanciado, para simbolizar dois universos paralelos que, no decorrer do espetáculo, se encontram para desaguar no imaginário do espectador. E, mesmo que o desnível nas interpretações seja atenuante, o elenco consegue segurar o interesse do espectador até o fim.
O destaque está justamente na forma como a Lua foi concebida, tanto pela diretora, quanto pelo ator Hely Pinto. O Clown Lua é de uma doçura, capaz de despertar no espectador, os mesmos sentimentos em que poetas e seresteiros se inspiram para falar de amor.
O que parecia impossível no plano real é transportado para o possível pelo imaginário, que permite o encontro da Princesa e da Lua, para o final feliz - mesmo sendo habitantes de universos diferentes. Essa proeza dramatúrgica cresce na autora e vai se fortalecer ainda mais, quando ajustar sua carpintaria teatral, trabalhando os detalhes que são tão raros ao aprimoramento do jogo dramático do ator e lhes permite achar o time adequado ao espetáculo circense.
É muito bom ver os atores respondendo, ainda que de forma embrionária, ao estilo clownesco empregado na encenação, que teve o auxílio luxuoso de Selma Bustamant, defendido com vigor pelo jovem elenco. Se os pequenos buracos que aparecem durante os intervalos de quadro para quadro fossem tapados, o espetáculo estaria no ponto.
Mas torna-se um pouco linear, quando a direção não observa os times e permite blackouts entre cenas, tornando o espetáculo mais longo que o necessário. Figurinos simples e precisos, na cenografia um circo minúsculo ao centro do palco e muitos adereços compõem a vestimenta do espetáculo. A trilha composta por Paulo Marinho é precisa e bem humorada, poderia ser mais econômica em alguns momentos, entretanto.
O espetáculo vai amadurecer e tornar-se impecável, com certeza. Cláudia é criativa e sensível, não se conforma com pouco, por isso aposto no sucesso deste espetáculo. Apenas uma preocupação funesta paira sobre o bom reino do Arte Brasil. Será que o elenco irá conseguir firmar-se desta vez?
Três de seus atores estão em pelo menos outros dois espetáculos, Hely Pinto, Jean Paladino e Dennys Carvalho. Isso acontece em quase todas as Companhias. A Fetam precisa conversar com seus Grupos federados, para que fortaleça o teatro local com o mínimo de compromisso dos atores e suas companhias, e essas por sua vez com suas estéticas e planos de formação de seus elencos.
Essa migração é positiva por um lado e esmagadora por outro. Cabe uma reflexão sobre o processo de comprometimento com as experimentações e fortalecimento das linguagens do teatro no Amazonas.
* Chico Cardoso, diretor teatral.
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