Fios visíveis de nossa cabeça
Mi”che”lotto
Vou tentar ser acadêmico:1. A parte interna da problemática queeerrrrrrrrrrrrrr
1.1. Você sabia quer aquele barulhinho queeeeeeeeerrrrrrrrr que algumas máquinas fotográficas fazem- Oh Modernidade! Oh Technologia! Oh!uôtâuonddeerfulluôrd! (em inglês de tradutor Google) pode ser corrigido com um simples apertar da tecla Mute? Confesso que consegui também tirar duas fotos, two pics, mas a minha máquina- oh invejosos! – é uma Rolex Pinter a duplo carburador icônico, total reflex de braçadeiraseauinorombóides puras com censor de ruídos embutido, modelo 2.400 xtall... E, sobretudo, NÃO é madeinchina, visse?!
1.2. Você sabia que aquele barulhinho tem por função dizer, em linguagem queeeerrrrr: “olha eu aí, bonecas, falando para o mundo!!!!”? É uma gravação no chip e não um ruído mecânico.
1.3 Você sabia que depois que me enfronhei com essa coisa de querer-ser-queerrr já não sei mais bem como falar sobre alguns temas como: sexualidade, sexualidade, ou sexualidade? Acho que vou ter que reler (tenho todos) o, às vezes tremendamente chato e fatigante colega e depois disso ex- amigo, Trevisan (Trevisan= de Treviso, o que tem 3 olhos, segundo meu tradutor Google.)
1.4. Você sabia que Hooligans, Google são criações de Swift tanto quanto Quark, a partícula mágica do Universo é de Joyce? Literatura, como vêem ainda pode servir para alguma coisa neste nosso mundo techno.
2. A parte externa da problemática queeerrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
Quero também contribuir com minhas anotações para o estudo da problemática queerrr. Mas aquela começada nos anos 60 com o Woman´s Lib. Sou mais mulher.
Creio que fiquei com essa problemática queerrr na cabeça, por me parecer que ela está to-tal-men-te ligada ao teatro. O ator é seu duplo, dizia Artaud, aqui to-tal-men-te fora de contexto. E é também um dupla face, um duas caras, um Janus- breve, para muitos, um tremendo sacana- enquanto que para os meus gregos e o Nelson Rodrigues ele é apenas um hipócrites (Google= hipócrita. E dessa vez acertou!!!!) desde Eurípedes, Sófocles, Ésquilo e todos os gregos.
O ator segundo os gregos do andar aí de cima e segundo Caio, tem um fio ligando sua cabeça à do outro. Então ele nunca está só. Então como poderia ele em cena ser a nossa solidão?
O meu tradutor Google, esse desgraçado, traduz Solidão por Desamparo.
Desamparo tem algo de choro por si mesmo, auto-piedade. Solidão, não.
Beckett é solidão. O resto é desamparo. Beckett diz que existe em algum ponto uma cadeira de balanço onde, seja lá como for, a solidão humana se encontra e é amparada sem choro. Amparada no outro, na mãe da senhora que desce ao porão como ela já havia descido e veste seu melhor vestido para sair à noite, como ela havia vestido. E etc.
Discordo, pois da fala posterior de Breno (acho um crime obrigar o artista a falar sobre sua obra e sobre si, como se a obra não tivesse acabado de ser vista e falada por todos os buracos de sua cabeça) quando disse que Beckett tem algo a ver com religião. É um papo corrente em Recife, mas insisto, NÃO veio de mim, apesar de ter sido o iniciador desses estudos por aqui. Andam por aí reduzindo duas guerras mundiais a essa bobagem de religiosidade. A crise européia foi muito, muito maior. Graças a deus. Tentando esclarecer (sou teólogo, vige!!!): a morte de deus é um tema muito falado na teologia dos anos 60 sobretudo, como um problema decorrente do desenvolvimento do capitalismo no ocidente. E não exatamente como um problema de deus. Teologal, portanto. Deus só vive e morre para os que creem n’Ele. Nós, Joyce, Samuel, eu, ateus muitos e vários, não estamos nem aí para isso. Oh ele é ateu, então, viu, tem algo a ver com deus. Não, cacêta, evitei a palavra AGNÓSTICO para não cair nessa sua versão google. Eu não quero ser chamado de ignorante, que é o que significa a-gnóstico...
Tenho dificuldades teóricas de imaginar Samuel, Joyce ou esse humílimo Eu, caindo de joelhos. “No de rodillas, no”- já gritou La Pasionaria.
Samuel não cai. Joyce não cai. Eu não Caio.
Voltemos então a Caio, ou melhor, a Henrique, alias Digger do fabuloso Encruzilhada Hamlet. Esse personagenzinho que deu há muiiiito tempo o nome à nossa Companhia de Teatro e Dança Pós- Contemporânea: DIG. Dig it, saca?!
Eu amooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo Henrique! Ô puta ator!
(viu que a linguagem resolve problemas de gênero? Eu não disse “ô ator puta!”) Eu queria muito mesmo ser ele! Já o cantei para vir trabalhar conosco no Dig- o que não vai dar certo porque o michelotto, logo o Dig, não suporta ficar de joelhos à porta da Igrejinha da Cultura Universal, esperando vergonhosas esmolas dos Fundos, que nos corrompem a alma e travam nossa ação. O Dig espera outra coisa dos Fundos, por isso também somos queer. Somos baixos e pro- fundos (trad. Google: bas-fond).
Mas quem não é?!
3. Sem problemas queer
O fio de Caio, Henrique, Breno, Caetano, Samuel, Lenon e de toda ficha técnica me comoveu profundamente a primeira vez que eu o vi. É um desamparo total, em tom morno, mofado. Como os morangos de Bergman. Saca o clima de P. Alegre: o bar, o papo, o frio lá fora, o mundo em si, a noite em si, sem choro, sem choro?!
No Sesc a luz estava violenta e abrupta. O som, explosão e nervoso. O diretor nervoso. Uma sala nervosa que não quer ou não pode se adaptar ao pequenino tamanho gigante interno de Caio. E tudo isso, senhores, caiu por sobre os ombros de nosso Síssifo Henrique, o ator, que só queria entrar naquela porta, que só queria entrar naquela porta, que só queria entrar naquela porta (e eu já estou me arrepiando pois estou vendo Henrique bater lá e bater lá e me fazer chorar filhodaputa que eu quero usar um pouco minha razão acadêmica hoje mas não consigo pois o filhodaputa do Henrique está batendo naquela porta. Por detrás da qual, sabemos todos já de antemão, não há ninguém, não há ninguém e esse é o texto mais chupado de Lenon e do Berceuse de Samuel que já vi na minha vida então chorei, pôrra, homem também chora e foi aí que me encontrei nesse conto adaptado para cena por esses dois preciosos e lindos meninos, o Breno e o Henrique foi aí que me encontrei com o Caio, do qual eu tinha alguma birra sei lá por quê, enrustimento talvez, sifu, sei lá. Caio, na primeira vez que vi o Fio de Henrique e Breno, ligou o fio de sua cabeça à cabeças tão grandes e generosas. De falar bonito e generoso, fluente e curto de meu Joyce, Lenon, Samuel, sem cobrar nada, nada de imposto. Só liberdade. Só. Só lhe dão o quê, se lhe dão tudo? Cabeça dos pardais frágeis de Ophélia, dos passarinhos de Manoel de Barros. Cabeça de seres que como eu e Manoel, somos doutores em formigas.
Penso que é isso que é ser queer.
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Notas de Rodapé (não há trabalho acadêmico sem elas. Podemos quase dizer que o trabalho acadêmico SÃO elas!!!!)
1- Breno, me devolve o Neruda que você me roubou. Digo, os Beckett.
2- O Caio conto é aqui MONÓLOGO. Mas que diabos seria um monólogo deveria se perguntar Sábato ao afirmar que monólogo não é teatro, em uma revista cujo nome, ano, número esqueço, mas caramba não posso botar um rodapé de notas no rodapé. E quem vai se lembrar (com alegria) de tudo isso um dia? Entendo que em teatro não há nunca monólogo, Caio já disse: há um fio ligando uma cabeça a outra, mesmo que estejamos perdidamente, miseravelmente desamparados por cima de um palco perdido nos fundos de uma Casa Amarela. Talvez por usar uma noção antiga e rasteira de monólogo (pô Proust taí, Joyce taí com o já cansável monologo interior etc)
Sábato acabou por se esquecer a natureza mesma de tudo isso que fazemos, o angu da cena, a luz, alimento e sopro do mundo: em cena NUNCA há um só ator, NUNCA um só personagem, NUNCA uma só humanidade, NUNCA uma só história, NUNCA um só FIM ( Lano de Lins já nos ensinou no outro dia!).
Há apenas um caminhar, sempre caminhar. Para dentro da longa noite dos tempos. Que certamente é a noite de nosso Desejo, do humano desejo.
Rodrigo, em sua palestra sobre o Universo Queer, entre seus pontos de pesquisa, anunciou, bri-lhan-te-men-te, a retomada da Problemática do Desejo. Tão maltratada depois que se esqueceram de Freud, Lacan e tantos.
A essa caminhada do desejo por entre a Noite dos Tempos nomeamos ação, disse o Hamlet. E por isso João Denis, belamente, o travou no meio do palco, naquele cenário bico de seio de Oh happy days! de Samuel. Diabos por que tanta gente se recusou a ver a ação de Denis e sobretudo, sobretudo, desse gigante chamado Henrique?
3- Lembrando para Leydson: Trevisan é de uma leitura pé-no-saco. Conseguiu fazer Jô Soares dormir, quando esteve naquele programa. A abertura do livro sobre Thomas Mann foi re-escrita e discutida na sala de meu ex-apartamento aqui em Candeias.
Trê (pros íntimos), é sério demais.
CAI A NOITE. CAIO
Por Jorge Bandeira*
A espera desespera. Eis o mote central deste monólogo FIO INVISÍVEL DA MINHA CABEÇA, texto teatral elaborado coletivamente a partir do conto “Além do Ponto”, de Caio Fernando Abreu. A Companhia do Ator Nu, de forma econômica e certeira, nos brinda com este espetáculo onde a chuva torrencial e emocional do personagem nos faz adentrar neste Teatro minimalista, solitário. E o faz com força de atuação e precisão nos diversos elementos da cena. Uma espera brutal, que no plano do tempo real do espetáculo se condensa em pouco mais de quarenta minutos.
No início temos um preparação no hall, já com uma situação de saudosismo, num ambiente com discos de vinil e um aparelho de som recheado de algumas cantoras muito referendadas pelo autor do conto, entre elas, Bethânia e Angela Rô Rô. E um sensual barman que nos oferece o conhaque, aquele fatal conhaque que colocará, minutos depois, nosso personagem numa situação um tanto quanto absurda, esperando o que não virá. Não precisamos citar Beckett, pois a referência não minimiza em nenhum aspecto a originalidade da situação orquestrada por Breno Fittipaldi(diretor) e Henrique Ponzi(atuação). Essa garrafa de conhaque barato, juntamento com a chuva, o frio e a umidade transformam a atmosfera teatral em reminiscências que ganham vida pela força de atuação e controle gestual e de fala do intérprete, mesmo nos eventuais elementos de interferência que ocorreram no decorrer desta apresentação.
A verve interpretativa de Ponzi se estabelece mesmo nos momentos de aparente inércia do personagem solitário, na abertura, em especial, com a VAMPIRO de Mautner, cantada por Caetano, temos este rigor interpretativo. Aliás, a música nos remete, ocasionalmente, ao próprio personagem solitário e eremita como um vampiro que sai na noite em busca de seu sangue essencial para a sua vida, sua busca pelo homem que ama, ou que pensa amar...
Henrique Ponzi demonstra sua total entrega em cenas de aprumo e perícia como ator, destaco àquelas onde lida inteligentemente com as extremidades de seu corpo, onde mãos e pés também clamam e “falam”, por esta corporeidade, de sentimentos e momentos de tensão e relaxamentos. No conto original temos uma referência importante da forma em que Caio Fernando Abreu visualizou este homem solitário, com “sua sola fina esburacada dos sapatos”, o que não foi uma opção da direção, mas que não elimina a possível vinculação deste universo becketiano pela via do clown, que aliás chega em minhas retinas pela composição de figurino e pelos percalços de silêncios que volta e meia fazem com que o personagem solitário volte-se à sua condição existencial de observador de sua condição, mas sem a capacidade de mudá-la em sua jornada de padecimentos.
Os objetos de cena, uma pequena árvore, um banco, salientam este isolamento de uma busca pelo invisível, pelo que foi perdido, pelo inexistente. Só o sentimento de afeto vigora nesta condição colocada em cena, de forma nua e crua pela Companhia do Ator Nu. Em meia hora de atuação Henrique Ponzi nos alenta nesta trágica condição: esperar, e esperar, e nada ter, e tudo clamar por ele, seu Godot, seu coração, seu amor, sua eterna espera. Momento especial de sua atuação é aquele onde o banco(mais um objeto de solidão!) é transmutado, metamorfoseado ante nossos olhos em seu objeto de procura , na qual conduz nosso imaginário ao plano real da satisfação de seus prazeres desconhecidos. Somente pelo pensamento ele terá está satisfação e gozo garantidos.
Nada se completa verdadeiramente para este personagem habitante de um deserto, onde o óasis de seu coração apenas visualiza miragens, imagens que aparecem e somem com a mesma rapidez. A iluminação é eficaz e também insere-se nesta pesquisa minimalista de tornar o simples em total, sem prolongamentos desnecessários para arroubos ou exageros, aliás outra marca segura deste espetáculo.
O diretor, de forma bastante coerente, garantiu as “rubricas” do conto “Além do Ponto”, onde destaco esta passagem, “...coloca um pé após o outro, equilibrando a cabeça sobre os ombros, mantendo ereta ereta a coluna vertebral...”, movimentos corporais executados integralmente pelo personagem posto em cena por Ponzi. Outra referência literária que temos é do estranho personagem de Franz Kafka, do conto “Diante da Justiça”, que foi inserido em passagem de sua obra-prima “O Processo”. O personagem de Kafka bate infinitamente numa porta, e quando chega seu interlocutor, o aviso é simples, a porta não abrirá jamais. E por falar nisso, curioso lembrar que o nome do ator, Ponzi, me faz pensar em POZZO. A certeza é uma só: um bom Teatro não precisa de muito, apenas da verdade. Fio Invisível traz essa verdade ao palco.
*Ator, diretor e crítico de arte, Amazonense. Membro do Conselho de Cultura de Manaus, tradutor, poeta, escritor e dramaturgo.
e-mail: vicaflag@hotmail.com
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