Paulo Michelotto
“Acostumando-me, no decorrer dos anos, a aceitar minhas limitações,
confesso que tenho pelo besteirol indisfarçável horror.” Sábato Magaldi - aquele da foto do Seminário de Crítica de 2005- foi quem disse isso, um ano antes, em sua edição do Panorama do Teatro Brasileiro, p. 322.
Permitam-me, como bom acadêmico, dar como título uma citação emblemática. Mas isso aqui não é mais jornalismo de papel, graças a deus, é eletrônico e aí a gente tem espaço à vontade. E menos censores.
Temos no DIG (http://www.dimprovizzogang.blogspot.com/) uma norma aprendida com Paul Vauchon do Théâtre du Soleil, segundo a qual toda crítica só pode ser construtiva, positiva. Negatividades só servem para demonstrar a fraqueza do crítico. Positividade significa: falar e mostrar caminho. Se não souber fazer isso, melhor calar-se. Claro essa NÃO é a regra da ácida Bárbara e nos parece que nem do nobre Sábato, nem de meu amigo Décio de Almeida Prado. Nem, a bem da verdade, da antiga crítica. Eles se levavam muito a sério.
Vocês sabem bem que quando um crítico começa com muito arrodeio é por que está com problema.
E eu estou.
Talvez por que se minha cabeleira punk o nega, a sua parte coberta de neve insiste em me colocar no banco desses meus antiqüíssimos colegas citados ai acima.
O fato é simples: eu adooooooorei e ao mesmo tempo achei um monte de, a meu ver, erros.
E para seguir a regra áurea do DIG e do Soleil eu deveria falar a parte maldita apenas para o elenco, pois só a eles interessa. O caso é que o público, senhores, o nosso inescrutável público sempre pede sangue. Quem é o público? “Essa senhora gorda” dizia Nelson um tempo em que se podia erradamente rir dessa associação. Sábato que é um nobre senhor foi quem mais escreveu sobre Nelson e foi amigo dele. Não lembro de uma linha sequer dele relembrando a Nelson seus defeitos. Talvez os dissesse em particular.
Mas eu vou dizer aqui. Pois espero, espero mesmo, que os editores permitam respostas. O que em jornal impresso é uma piada de mau gosto.
Paloma para matar tem atores que dançam bem. Tem atores que zombam das interpretações recomendadas por Stanislaviski e outros ETs de dois séculos atrás. Todos têm um bom timing em cena. Breve eu (não Sábato, não Bárbara, não Celarént, não Darií, nem Ferió...) os acho muito bons atores. Mas sendo um mezzo-musical eles precisam também cantar ao vivo.
Cantem até desafinado, mas cantem. Parem por favor com essa mania velhuska de botar música gravada e dublar. Estamos no século XXI: o Vivencial Diversiones foi há já um século atrás, não se esqueçam. Então, meninas, cantem, como passarinhos que são.
Eu, crítico, passarei, vocês passarinhos. (Obrigado, grandioso Mário Quintana, pela piada!)
Não conheço o texto original da peça. Deve ser um horror indisfarçável, diria o insuspeito Sábato. Eu apenas acho que ele comporta algumas correções. Lano de Lins já fez algumas e muito bem feitas como aquele final tríplice. Divertido por que inteligente.
As piadas politicamente incorretas: sobre negros, religião afro, ou gordos merecem maior atenção da parte de vocês do que a dada pelo aplauso fácil de uma platéia via de regra racista, preconceituosa, como somos todos nós aqui no Brasil.
Não quero ser um Sábato, andando pelo século XXI horrorizado. Não creio em nada politicamente correto. Política, no século XXI NÃO é coisa correta!
Mas parece-me que nós, implicados em tudo isso (e não críticos vacinados) precisamos urgentemente repensar tudo isso.
Inclusive as piadas sobre viado.
Conheço muitos gays – e são muitos – que não se sentem nada confortáveis com nossas pequenas piadas, internas ao teatro, “sem má intenção”.
Mas qual seria a diferença entre intenção e gesto? Nem Ruy Guerra, nem Chico nem Fernando Pessoa responderam. Sobrou para nós.
Nem todos somos os mesmos gays, nem todos somos os mesmos negros, nem todos somos os mesmos brancos. Somos todos apenas um monte de belas diferenças.
O que nos dá semelhança e nossa cara é apenas a pobreza cultural e econômica generalizada & brasileira, que se espalha feito um fantasma amedrontando o século XXI – diria meu bom Marx se estivesse aqui a meu lado.
Isso se confunde com nossa suburbanidade. Da qual Nelson Rodrigues foi o primeiro grande escritor. E é essa a parte mais horrorosa para uns e mais saudável para outros – como eu – do trabalho de vocês. Ninguém, em nosso panorama mal contado do teatro nacional, foi tão Nelson quanto vocês, as Vivecas ou a Trupe do Barulho.
Historiadores – que colecionam coisas prontas – odeiam admitir que aqui, em Recife, tem um Nelson nascendo todo dia em cada esquina. Mas para crescer com um Nelson, há que se lapidar, há que se cortar, há que se cuidar, há que se estudar mais dramaturgia, há que se olhar nosso povo com mais carinho, talvez mesmo ler mais, sei lá...
Afinal, dizia ele, tem-se que conhecer toda a dramaturgia grega para se escrever uma só crônica esportiva!
Mais que ninguém, Nelson soube se divertir.
Virou um carioca, “essa gente mais afeita às manifestações ligeiras” (Sábato, 322).
E isso me dá o gancho para voltar a Lano Lins que, como ótimo rodrigueano, afirmou: "Teatro é diversão!".
Quem esquece disso são os falsos sérios, os falsos moedeiros. Que ganham suas vidas e dinheiro com o choro fácil.
Alguém ainda tem que lembrar a esses senhores sérios, desmemoriados & passados da crítica, que fazer rir é mais difícil que fazer chorar? Já que é para se ensinar, vamos ensinar: di-versão está com a mesma raiz de di-versidade, de com-versão, de re-versão, de in-versão e de per-versão. Bacon colocava o teatro entre as “traditivas”. É arte por ser tra-dução, versão, ou ver-são. Nos anos 60 chamavam-se as bichas de “invertidos”. Não é curioso? Será que se espera que através da diversão teatral se convertam em alguma coisa? Mas qual?
Tento responder a mim mesmo, uma vez que crítica também é apenas uma versão:
"Acostumando-me, no decorrer dos anos, a NÃO aceitar minhas limitações, confesso que tenho pelo besteirol indisfarçável amor."
Mickey Mausssss, aliás Michelotto,
direto do século V, Elas.
Pô, mano, tu é muito bom cara!!!!!
ResponderExcluirSe eu não o disser, quem o dirá? Vá em frente Lano!
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ResponderExcluirpô!
Belíssima crítica, Michelotto.
ResponderExcluirBruna - Aluna de "Cênicas da UFPE