ESSE FIO QUE NÃO SE PARTE
Duda Martins
O Fio Invisível da Minha Cabeça, da cabeça dele e da sua também. Breno Fittipaldi pega Além do Ponto, conto de Caio Fernando Abreu e joga no palco. Não, joga não. Coloca lá com todo o cuidado. Não mexe em nada. Em respeito, e até mesmo num gesto de precaução, foram mantidas todas as vírgulas, todos os pontos. E o que vem além do ponto chega através da interpretação de Henrique Ponzi. Um ator nu revelando o fio invisível da nossa cabeça.
Chovia, chovia, chovia e quem estava no pequeno Teatro Capiba na noite de ontem quase sentia os pingos molharem. Não, não haviam falhas nas instalações. Mas é que tudo nos fazia sentir mergulhados no cenário urbano de Porto Alegre, de Caio, e também de Henrique. A luz de Luciana Raposo e a sonoplastia de Sônia Guimarães trabalharam tão bem que impulsionaram o ator para fora do palco até que entrasse o personagem vivo, real. Beckett vinha e voltava à medida que seu niilismo se distanciava da realidade exposta ali, dilacerada e ao mesmo tempo tão escondida. Se o conto de Caio é verdadeiro, no palco ele foi ainda mais na movimentação de Ponzi. Preciso, ele vai até onde quer e pára. Chega no limite da emoção e não se permite transbordar. É um ator que segura firme as rédeas do seu personagem.
Ele queria entrar, mas não podia. A espera não valeu, a indecisão não valeu e era melhor que tivesse se embriagado com o conhaque barato. Nós também bebemos do conhaque barato. Nós também nos molhamos e nos sujamos na lama. Nós também sentimos muito frio e vergonha de chegar bêbados. Nós também batemos, batemos e não conseguimos entrar. Estávamos ligados por um fio invisível que me acompanhou até em casa. E até agora está na minha cabeça, chovendo, chovendo....
Eu tenho te acompanhado aqui de minha cadeira de balanço quando leio meu Jornal do Commercio.
ResponderExcluirNós também bebemos do conhaque barato, não é mesmo, minha querida Duda?
Continue sempre, assim, carinhosa com nossos meninos.
Um grande beijo.
DUDA
ResponderExcluirME DESCULPE PEGAR CARONA EM TEU COMENTÁRIO, MAS NÃO RESISTO e quero disponbibilizar para todomundo, POIS SÓ CONSEGUI LER HOJE A SAGA DE UMA JAPONESA E UM LEGÍTIMO ÍNDIO BRASILEIRO PERDIDOS NA NOITE MARAVILHOSA DE RECIFE
(e foi escrito em minha homenagem, cacêta, isso é que é homenagem! eu amo o Bandeira!)
SIM NÃO
Jorge Bandeira
Ao libertário Paulo Michelotto
Personae Dramaticae
Myiuki
Jorge
(Myiuki, oriental vestida de verde, estilo colsplay)
(Jorge, índio, sem camisa, com cocar e de sunga estilo “índio no Globo Réporter”)
(Ambiente cênico – No interior de um táxi, módulo claustrofóbico)
(Ao som de uma porta de carro que se fecha, entram Myiuki e Jorge)
(Estilo de representação clownesco, com mímica e pantomima)
Jorge – Myiuki (balança a cabeça, afirmativamente)
Myiuki - Jorge (balança a cabeça, afirmativamente)
Jorge- Michelotto.
Myiuki – Sim.
(buzinas em off)
Jorge – Hoje.
Myiuki – Sim. (sorri)
Jorge – Hoje sim.
Myiuki – Michelotto
Jorge – Sim.
Myiuki – (tosse)
Jorge – (tosse)
Myiuki – (ri)
Jorge – (ri)
(carro para)
Myiuki – Chegamos.
Jorge – Não
Myiuki- Michelotto.
Jorge – Não
Myiuki – Michelotto não.
Jorge – Sim.
Myiuki – Chegamos.
Jorge – Não
Myiuki – Não Michelotto
Jorge – Sim
(carro prossegue viagem)
Myiuki – Carro veloz.
Jorge – Sim
Myiuki – Michelotto longe
Jorge – Sim Não
Myiuki – Michelotto perto
Jorge – Não sim
Myiuki – carro lento.
Jorge – Sim
Myiuki – Michelotto perto
Jorge – Sim
Myiuki – Sim
(Jorge pergunta ao motorista invísivel algo, sussurrando)
Jorge – Michelotto não
Myiuki – Sim
Jorge – Não Michelotto
Myiuki – Sim
Jorge- Michelotto não
Myiuki – Não
Jorge – Sim
Myiuki – carro veloz, de novo.
Jorge – Sim
Myiuki – Sim
Jorge – Michelotto perto
Myiuki – Sim
(Jorge pergunta algo ao motorista invisível, sussurrando)
Jorge (espantado)
Myiuki – Michelotto perto
Jorge – Não Michelotto
Myiuki (triste)
Jorge – Michelotto não
Myiuki – Sim
(buzinas em profusão)
(Myiuki e Jorge mudam de posição, caracterizando o retorno do carro ao início da viagem, da corrida perdida, do nada para o lugar nenhum)
Jorge – Michelotto não
Myiuki – Sim
Jorge- Sim
Myiuki – Michelotto
Jorge – Não
Myiuki – Carro lento, de novo
Jorge – Sim
(uma buzina, persistente, longa)
Myiuki – Carro veloz, agora
Jorge – Sim
Myiuki – Michelotto
(buzinas e buzinas)
Jorge – Michelotto
(buzinas e buzinas)
(Myiuki e Jorge conversam algo ininteligível, devido ao barulho das buzinas, denotando uma viagem longa, com paradas ocasionais pelos semáforos, paradas bruscas pela negligência de pedestres e motoristas, e paradas normais, porém as buzinas imperam neste retorno ao mesmo lugar do início. Apesar da intensa conversa entre Myiuki e Jorge, é impossível saber minimamente sobre o que estariam conversando)
(cinco buzinas diferentes soam. O carro para. Som de porta de carro que se abre. Descem Myiuki e Jorge)
Myiuki – Michelotto não
Jorge – Sim
Myiuki – Sim
Jorge – Não Michelotto
Myiuki – Não
Jorge – Tchau, Myiuki.
Myiuki – Tchau, Jorge.
(Myiuki e Jorge estão saindo de cena,som de desastre, colisão entre veículos. Myiuki e Jorge olham rápido para trás, simultaneamente. Quando um olha para o outro. BLACK OUT)
FIM
Recife, 22 de agosto de 2010.
“Vai em silêncio
O vazio de um cio
Atmosfera de fera
Na ânsia da espera
Uma divisão da alegria
Que jamais silencia”
(poema dedicado ao Orleilson Monteiro, suicidado em 13.08.2010 em Manaus, Amazonas)
Jorge Bandeira contatos: vicaflag@hotmail.com