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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

sábado, 3 de dezembro de 2016

H(EU)stória


salada mix, muda




Paulo Vieira



Eu vinha esta manhã andando pela calçada de Boa Viagem quando um homem, um senhor, com olhar messiânico e um maço de papeiszinhos nas mãos se dirigiu a mim e me estendendo um deles me perguntou se eu receberia a palavra do Senhor. Eu tenho por hábito receber todos os papéis que me dão nas ruas, nos sinais. Sem dizer palavra, estendi a mão e recebi a tal palavra do Senhor. Fiquei pensando que o tempo que vivemos é de um messianismo atroz. Aquele senhor é um militante da palavra do Senhor. E eu que não sou militante de nada,  eu que tenho o mau hábito de desconfiar de todas as verdades, eu que sofro do mal de Pilatos, fico me perguntando sobre as verdades desse mundo, e me espanto quando as vejo proclamadas em nossas caras com tamanhas certezas. Fiquei pensando estas coisas não apenas pelo papelzinho com a palavra do Senhor, mas igualmente pelo espetáculo que ontem eu vi no Teatro Barreto Júnior, dentro da programação do Seminário Internacional de Crítica Teatral, em Recife. Um teatro da militância, um teatro da verdade, a palavra do senhor Marx batendo na cara da plateia. Gente, digo para mim mesmo, não conheço nada mais chato do que teatro de militância. Não conheço nada mais desalentador do que ator gritando em transe as verdades eternas das lutas de classe. E esse foi justamente o caso do espetáculo H(EU)stória - o tempo em transe, que apresenta a trajetória de Glauber Rocha na vida brasileira. O problema da militância é que ela não é racional, embora queira ser a própria expressão da racionalidade. O problema daquilo que se pretende teatro dialético é porque não contém dialética alguma, porque se contivesse as contradições que emergem no discurso seriam postas em questão, mas o teatro militante não está preocupado com as suas contradições, senão com as contradições do… sei lá… vamos chamar de “sistema”. Por exemplo: os discursos políticos de Glauber Rocha contra o sistema são gritados, literalmente, pelos atores, e pela quantidade de perdigotos expelidos, eu diria mesmo que são cuspidos na cara da plateia, que, por sorte, se encontra em salvaguarda deste desconforto, pela distância que se encontra dos atores. Mas não se ouve uma única palavra de elogio ao sistema por parte do Glauber Rocha. E ele o fez aos montes: inclusive rasgando-se em louvor a ditadura militar. E isso pela TV em programa semanal. E isso o espetáculo não leva em conta, talvez porque não contenha, aos olhos dos atores, um gérmen sequer de verdade, porque a verdade não é o que houve, mas aquilo em que se quer acreditar. Ou aquilo que interessa à propaganda ideológica.

            Nunca houve uma pergunta tão sincera e tão angustiante quanto a de Pilatos para Jesus que, aliás, diante da sua própria loucura ideológica, confrontado em seu momento crucial, talvez até despertando do seu torpor messiânico, no mutismo em que se encerrou diante do poderoso romano, talvez tivesse feito a si mesmo esta mesma pergunta, e por isso tenha se calado. Então, eu que não creio em Jesus nem em Marx, eu que não creio nos deuses nem nos homens, eu que não creio na militância nem na pureza, eu que não creio em partidos nem em igrejas, diante de espetáculos dessa natureza, eu me calo. Pronto.

            Mas não posso deixar de dizer que antes mesmo do espetáculo os atores, recebendo o público do lado de fora do teatro, são muito simpáticos, inclusive oferendo-nos uma bebida gostosinha, quentinha, docinha, deliciosa. Quando entramos na sala de espetáculos, deparamo-nos com uns arranjos de velas, folhas e incensos que nos remetem para algum tipo de ritual místico, religioso, sei lá. Ora, isso por si já nos dá a leitura do que está por vir no espetáculo, que acaba tomando um caminho inesperado até então, e nele se mantém. O que me parece é que falta alguma definição no sentido da encenação. No começo me parecia que espetáculo que tenha algum caráter místico necessite de uma sonoridade própria, com instrumentos de percussão sendo executados ao vivo, ao invés de se valer da solução mais fácil que é a sonoridade de uma reprodução mecânica. Ao depois, aquilo que parecia não era, e os atores, na sequência, passaram a gritar desesperadamente as verdades das suas verdades, e aquilo que deveria ser um espetáculo de teatro passou a ser um espetáculo de messianismo ideológico, e com isso os elementos do teatro, atores e tudo o mais, se perderam na sua função. E havia um tom de raiva na interpretação dos atores, um tom intimidador, laudatório, bem diferente do que foi na entrada do teatro, quando tudo parecia paz, quando o encontro parecia o desejo, quando os atores não haviam ainda revelado o que estava escondido: a certeza na frente e a história na mão.

            Não me incomoda o teatro, qualquer que seja, se há teatro. Todos os discursos são possíveis e desejáveis no teatro. Mas para isso, do meu ponto de vista, é necessário atentar para o teatro enquanto linguagem, começando pelos atores que devem buscar a expressão em si mesmos. Há um belo momento no espetáculo, quando um ator rodopia com um alguidar repleto de incenso criando uma imagem poética linda, desenhando o espaço com a fumaça, e nos dando a ilusão de que aquele seria o tom do espetáculo. Também não foi. Então, apenas nos restou comer uma salada em silêncio. E ir para a cama, calado.

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