Espetáculo bebe da cultura popular para contestar a corrupção
Por Vinícius Vieira
Professor e jornalista
As produções cênicas não têm passado ilesas sem serem afetadas em suas temáticas pelo panorama político os quais assolam o Brasil. Não foi diferente com o espetáculo baiano “Teodorico Majestade – As últimas horas de um prefeito”, encenado sob a batuta do Teatro Popular de Ilhéus (TPI), no Teatro Luiz Mendonça, no domingo (27). A peça encerrou, entre risos e músicas, o 18° Festival Recife do Teatro Nacional.
Na obra, escrita e dirigida por Romualdo Lisboa, o prefeito Teodorico tem suas atitudes corruptas estranhadas pela população que não se dobra as tentativas de silenciamento e coerção. A narrativa avança entre ações cômicas e canções tocadas ao vivo pelo próprio elenco, além das falas proferias por um ator/músico que, do proscênio, tece comentários ácidos perante os absurdos expostos. A montagem se alimenta da cultura popular, do cordel e, por isso, leva ao palco falas rimadas entre as personagens e xilogravuras para criar a ambientação.
Se por um lado a obra continua atual por sua vontade de estranhar as relações de privilégios e omissões dos governantes – dilema há muito não superado pela população brasileira, a qual lida com estratégias de corrupção em todas as esferas e subcamadas da composição social -, por outro, as piadas feitas pelas personagens, somadas as soluções cênicas, mostram a marca do tempo de um trabalho que soma dez anos de permanência. Sem dúvida, esse longo período precisa ser celebrado e honrado, mas também não seria o momento de refletir sobre algumas escolhas dramatúrgicas e da cena?
Embora os exaustivos, mas ainda insuficientes discursos acerca da pluralidade da subjetividade humana, estudos e reflexões que defendem a legitimidade das identidades de gênero e de sexualidade, a encenação opta por oferecer ao público o riso fácil com o estereótipo da “bicha” afetada, a qual conquista a simpatia alheia somente pelo “jocoso” jeito de ser. É “engraçado” porque foge à norma. É o caso do assistente do prefeito que protege o patrão e tenta camuflar seu desvio de caráter a todo custo. Está aí uma relação de subjugação e poder às identidades dissidentes que recebem, na obra, manutenção e permanece apenas pela possibilidade de provocar o risível.
O riso, aliás, surge de outro estímulo fácil: os palavrões, que se repetem como redes de segurança para garantir a alegria da plateia. Embora o recurso demasiadamente explorado, as situações conflitantes entre as personagens caricaturadas já conseguem a aderência do público pelas suas formas de ser. As figuras apresentadas já causam uma aproximação quase que imediata no espectador, o que torna o uso recorrente do palavrão, ao nosso olhar, desnecessário.
Na cena, as personagens são desenhadas com expressões faciais e ações dilatadas, exageradas. O corpo inteiro comunica um sentimento. Essa escolha interpretativa quer expor o ridículo e o absurdo das relações humanas e faz pensar sobre a frivolidade de certas atitudes, o egoísmo, a ganância. Essa vontade da produção interferir nos jogos de poder é tão intensa que chega a fazer da montagem uma obra panfletária.
Outra questão que merece um olhar atento é o ritmo do espetáculo, que entra, em vários momentos, em uma dilatação sem justificativa. Por vezes, a demora da concretização de uma ação - como acontece no início e final do espetáculo -, além das repetições dos mesmos dilemas entre as personagens tornam alguns pontos da encenação menos atraentes.
Vale destacar aqui a atuação do ator Ely Izidro, que interpreta com muita precisão, desenvoltura corporal e carisma o prefeito Teodorico. A peça, escrita em 2006, já circulou por várias cidades brasileiras e participou da Mostra Latino Americana de Teatro em São Paulo. Além disso, o espetáculo recebeu duas indicações no Prêmio Braskem de Teatro.
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