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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

sábado, 3 de dezembro de 2016

O pão e pedra

O pão e a pedra: o teatro e a práxis política de uma companhia
Por Bruno Siqueira

Recife já conhece a Companhia do Latão de longas datas. Foi por conta de algumas das edições do Festival Recife do Teatro Nacional que pudemos assistir deles Ensaio para Danton, Ensaio sobre o Latão, A Comédia do Trabalho, O nome do sujeito. Nesta sua décima oitava edição, o festival trouxe, mais uma vez, o grupo paulista capitaneado por Sérgio de Carvalho, agora com o espetáculo O pão e a pedra. Vale registrar aqui que nosso contato com a companhia só se deu graças a Romildo Moreira, nos anos em que esteve à frente da organização de nosso festival. A ele somos gratos por nos dar a oportunidade de conhecer e apreciar, em nossa cidade, o trabalho de um grupo que se empenha na pesquisa estética e na politização da cena teatral.

Herdeira de uma estética brechtiana, a Companhia do Latão adota, desde seus primeiros trabalhos, a perspectiva de um teatro político, dialético, épico em sua construção, com o intento de encontrar uma cena teatral que tenha poder de intervenção na realidade concreta e cheia de contradições. Do ponto de vista político, assume o lado da esquerda de tradição marxista. Todos esses atributos estão presentes no espetáculo O pão e a pedra. Dessa vez, a pesquisa se preocupou em investigar a participação da igreja católica nas lutas políticas contra as ditaduras na América Latina, em particular no Brasil, por meio da Teologia da Libertação, corrente que surgiu na segunda metade do século XX. 

No entanto, o que foi o mote do novo trabalho da companhia findou por se mostrar parte de uma totalidade maior: as mobilizações sociais contra a exploração do capital. Em cena, a greve dos metalúrgicos no ABC paulista, em 1979. A dramaturgia, assinada por Sérgio de Carvalho, parte dos documentos históricos desse acontecimento que contou com a participação de mais de 70 mil trabalhadores sindicalizados, junto à igreja progressista e a estudantes da esquerda. Ao reconstruir esse momento histórico, a cena passa a estabelecer uma relação dialética com o tempo atual. E está aí a força política do trabalho do Latão, a meu ver.

A narrativa foca a mobilização de operários, religiosos e estudantes em busca de uma maior adesão à proposta de greve em prol de melhores condições de trabalho. Muitas das personagens passam a se convencer da relevância de uma greve como forma legítima de pressão política por parte dos trabalhadores assalariados. Como não poderia deixar de acontecer, Luís Inácio Lula da Silva, personagem histórico desse momento, está presente na peça, seja quando seu nome é mencionado pelos demais personagens fictícios, seja quando seu discurso é projetado em off, num áudio gravado à ocasião da referida greve. É na figura de Lula que as personagens depositam sua crença na mudança. O clímax da narrativa se dá quando o líder sindical, após negociação com os donos das metalúrgicas, aconselha os operários a voltarem a seus trabalhos, sem terem alcançado o que reivindicavam na greve. A decepção e a desolação marcam as expressões das personagens, que se veem traídas pelo seu líder. Daí o nome do espetáculo, inspirado numa passagem do Evangelho segundo São Mateus: “Quem dentre vós dará uma pedra a seu filho, se este lhe pedir pão.”

A recente história do governo Lula serve de contraponto dialético para a fábula criada por Sérgio de Carvalho. O momento histórico mais recente nos ajuda a compreender o passado no que ele já apresentava de potência para o desenvolvimento da história em curso. Para manter a liderança e a organização, o sindicato faz concessão aos capitalistas e convence os grevistas a recuarem. Situação semelhante se deu quando do governo Lula, que precisou fazer alianças com partidos de direita, em prol do capital, para que o partido dos trabalhadores se mantivesse na liderança. O governo Lula assumiu um discurso antineoliberal, mas não atingiu as bases do sistema capitalista nem modificou o quadro de desigualdades sociais. Da mesma forma que, na greve de 1979, muitos operários se decepcionaram e passaram a não se ver mais representados pelo líder sindical, muitos partidários do PT se viram traídos nas escolhas políticas de seu líder, o Lula, durante seus dois mandatos.

Mas a cena se torna o espaço do real nas suas múltiplas determinações. A despeito de tudo, o recuo dos grevistas naquele momento se mostrou como estratégico para o que viria depois na história, com a política do PT, num movimento mais efetivo e bem sucedido. Será que, no nosso olhar do tempo presente, Lula ainda teria a credibilidade de outrora para fazer um governo que revertesse a ordem do capital usurpador e criasse uma política com ênfase no social e na diminuição gradual das desigualdades sociais?

Toda essa reflexão me foi suscitada pelo tipo de teatro – dialético – que a Companhia do Latão nos ofereceu com seu O pão e a pedra. Por vezes ficava me questionando, enquanto assistia ao espetáculo: será que a cena construída com os procedimentos do teatro épico brechtiano, da forma como o grupo vem interpretando o legado de Brecht, teria espaço no mundo contemporâneo? Ou seja, essa cena, na sua forma estética específica, cumpriria com seu papel político de intervir no real para transformá-lo, na medida em que consegue ainda criar um espaço de discussão política com seus espectadores (lembro: os de hoje)?


A depender de mim e dos espectadores que estavam assistindo ao espetáculo ao meu lado, diria que sim. O teatro épico, político e dialético feito pelo Latão, com a qualidade de acabamento e de atuação, ainda cumpre com sua função política: emociona, suscita reflexões e pensamentos que nos acompanham para além do término do espetáculo. Foram quase três horas de espetáculo que, para mim, proporcionaram prazer e satisfação; sobretudo, por saber que nos ajudou a compreender um pouco mais de nossa realidade e por nos ter reabastecido da esperança de que podemos construir um país melhor. 

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