Quem sou eu

Minha foto
A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

sábado, 3 de dezembro de 2016

O MENINO E A CEREJEIRA

Quando o melhor adubo é o tempo e a resiliência
Por Vinícius Vieira
Professor e jornalista

Um pássaro de origami, manipulado por um ator, pousa suavemente na mão do menino Taiti, sentado em frente a uma cerejeira. Após breve estadia, a ave alça voo pelos céus da cena arrancando um doce sorriso do garoto em momento sublime. Em outro instante, a mesma cerejeira é banhada em flocos suaves de neve que caem, delicadamente, das mãos de outro ator, regando os galhos e formando um manto branco e gélido sobre a planta. A lua e o sol, representados por sombrinhas, cruzam a cena revelando a passagem da noite para o dia. É assim, com muita poesia, que a escritura cênica de “O menino e a cerejeira” estabelece uma relação amistosa com o tempo, enlace diferente ao que a cultura ocidental está acostumada a viver.

 A peça foi apresentada no sábado (26), no Teatro Barreto Júnior, compondo a grade de espetáculos do 18° Festival Recife do Teatro Nacional. O marco zero da encenação é o livro homônimo do escritor Daisaku Ikeda. A propósito, é a primeira vez que a obra é adaptada e levada aos palcos.

No referido evento, Stella Tobar tem se mostrado como uma exímia diretora, preocupada em levar ao público infantil temáticas caras à existência humana. No mesmo teatro, Tobar também encenou “Dois idiotas sentados cada qual no seu barril”, na noite anterior - outro trabalho erigido a partir de adaptação da literatura para o universo teatral. A artista tem se posicionado no lugar para além das montagens de contos de fadas ou duplos, no teatro, de personagens que povoam o cinema e a TV.

O protagonista da peça, Taiti, mora em um povoado com sua mãe em uma vida nada fácil após a morte do pai em período de guerra. Sua genitora precisa trabalhar e, para isso, deixa-o sozinho em casa. O menino passa o dia só, sem a supervisão de um adulto. Ele tem momentos de melancolia e sofre com a ausência paterna. Não fosse a presença de um amigo que o estimula a sair de casa para brincar, os dias poderiam ser ainda mais penosos.

A história é desenrolada entre as estruturas épica e dramática. Os atores, ora narram as vivências da personagem, tecendo comentários, ora vivem na pele dos seres ficcionais em um divertido jogo de antecipar acontecimentos e realizar as situações. Por vezes, as próprias personagens verbalizam sobre si mesmas e quebram a quarta parede estabelecendo contato próximo ao público. Aliás, nesses momentos, Taiti consegue nos arrebatar com sua simpatia e também com seus conflitos existenciais puramente humanos acerca da solidão, a saudade, o medo, a morte.

A encenação é inteligente e goza de escolhas assertivas para estabelecer trocas de lugares e alterações de tempo: Taiti “corre” parado no centro do palco, enquanto biombos movidos pelos atores transformam o cenário ao fundo com poucos, mas sugestivos, elementos de cena; Caminhadas circulares também são usadas em uma repetição de ações entre o garoto e sua mãe para designar a passagem dos dias em marcações ágeis, as quais contrastam com a dilatação do tempo em momentos pontuais da peça. Uns aos outros, no elenco, se ajudam na composição de personagens ativadas a partir de um adereço utilizado, pequena mudança na indumentária aciona outro figura ficcional.

A montagem é marcada por diversos momentos de soluções cênicas simples, mas encantadoras. É muito interessante a tradução do estado emocional de Taiti posto em cena, metaforicamente, pelas batidas dos tambores que intercala sua fala aflita. No trabalho, ter espaço para falar sem receios sobre a dor, encarando as dificuldades como elas de fato são, é, sem dúvida, um de seus maiores méritos. Pelo filtro da ludicidade, as crianças acessam a dicotomia entre limitação e fé, morte dos sonhos e esperança.

Não foi difícil perceber a intensa interação da plateia com o espetáculo. Crianças chamavam por Taiti, riam em uníssono, comentavam as interações das personagens. Já os adultos, se entreolhavam com expressões de encantamento e surpresa perante a delicadeza da obra. Em dado momento, houve até aplauso em cena aberta após o protagonista abraçar a mãe, acariciando, na verdade, a alma de todos que ali estavam.

“O menino e a cerejeira” é um afago, respiro em meio as intempéries da vida. Sem dúvida, merece ser visto por todos aqueles que desejam relembrar que são pássaros.

Assista ao trailer do espetáculo: https://www.youtube.com/watch?v=hyPNnwrZUpQ 

Nenhum comentário:

Postar um comentário