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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

sábado, 3 de dezembro de 2016

Resenha MEMÓRIAS DE UM CÃO - Por Elena Vássina

A história de loucura no contexto da atualidade.
Memórias de um Cão, direção de Márcio Marciano.

Coletivo Alfenim (João Pessoa).
Elena Vássina

 O coletivo Alfenim, sob direção de Márcio Marciano, abriu o Festival Recife 2016 no belíssimo Teatro de Santa Isabel apresentando a história de Rubião, um tragicômico personagem machadiano que, ao ter herdado uma fortuna de seu amigo Quincas, é transformado de repente de “professor em capitalista” e decide mudar para a Corte, onde ele vive na pele a principal máxima do Humanitismo: “ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”.

As peripécias da história de Rubião são narradas pelos olhos do cão – daqui vem o título da peça que mescla também o nome do outro romance de Machado. Este cão, que se chama igual ao seu dono Quincas Borba, na atuação criativa, lúdica e cheia de delicadeza de Paula Coelho, é a única voz lírica na polifonia das outras vozes dos personagens humanos (que, aliás, no desenrolar da narrativa cênica se revelam como absolutamente desumanos), dos fantoches e das máscaras. No fim das contas, é o cão que, paradoxalmente, se torna uma figura mais humanista (ao contrário do Humanitismo que reina no mundo ao redor) e sedutora do espetáculo, a única que evoca empatia da plateia.  (Peço perdão pelo aparte, mas não posso não lembrar do outro e bem diferente, mas não menos fascinante personagem-cachorro criado por Servílio Gomes em Vau da Sarapalha). E talvez essa figura cênica do cão seja no espetáculo o reflexo mais fiel da quintessência do universo machadiano, pleno de sutilezas de meio tons, de complexidade dos tipos e de um inconfundível olhar irónico.

Ao ter encontrado realmente “um achado” –  o texto maravilhoso do “Quincas Borba”, de Machado de Assis, o Coletivo Alfenim conseguiu revelar nele (e também nas referências às outras obras machadianas) uma surpreendente atualidade. Sabe-se que um dos dons fantásticos que une as obras clássicas é a capacidade de desvelar os novos sentidos assim que elas entram no contexto de atualidade. Uma experiência verdadeiramente inovadora na interpretação diretorial de obra clássica liberta-a daquilo que já nos parece óbvio e banal no texto notório, criando “um estranhamento” (se usarmos o termo do formalismo russo) que faz que nossa percepção habitual, automática, ou seja, nosso “reconhecimento” de obra transformassem em uma “visão” viva e instigante.

É exatamente isso que acontece na direção perspicaz de Márcio Marciano que, junto com o ensemble afinadíssimo dos atores e dos músicos apresenta no palco os personagens e os acontecimentos da remota época machadiana de tal jeito como se tudo passasse no Brasil de aqui e de agora. E para conseguir isso nem foi preciso vestir os personagens de roupas modernas, nem desconstruir o texto clássico.

As ultimas cenas de loucura de Rubião (na excelente atuação de Adriano Cabral) que veste o paletó as avessas, como se fosse uma camisa de força, criam uma imagem cênica forte que metaforicamente condensa toda a loucura social e política dos tempos presentes, e não apenas no Brasil. Como falou Mikhail Bakhtin, “Cada época reacentua a seu modo as obras de um passado recente. A vida histórica das obras clássicas é, em suma, um processo ininterrupto de sua reacentuação sócio-ideológica.”

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