Augusta, augusta
Paulo Vieira
Augusta Ferraz é uma atriz na plenitude da sua arte em Medeia ponto.
Já não há muito o que se acrescentar ao tema apresentado pela atriz. Sabemos a
história. Por isso mesmo ela pouco interessa. Mas esse pouco não é menoscabo ao
texto. É porque diante de obra tão magnífica, somente uma magnífica atriz seria
a novidade de qualquer montagem de Medeia, seja no texto grego, seja nas
diversas leituras e releituras que se tenha feito deste texto imortal,
testemunho de que a poesia dramática é capaz de superar o tempo e a história
para falar ainda hoje à nossa sensibilidade.
Augusta é Medeia. A louca. A bruxa.
A matricida. Mas não é a Medeia personagem que chama a atenção, é a atriz. Ela
é o espetáculo. A fortíssima presença de Augusta tem a força de catalisar todas
as atenções para ela, Augusta Medeia. Quando entra em cena, vem com a atriz uma
carga de energia, de experiência, de vitalidade, acumuladas nos muitos anos em
que o palco e a sua magia ficaram impregnados em seu corpo, em sua alma.
Augusta Medeia, um poema teatral que se movimenta em cadência lenta, reflexiva,
tensa, a tal ponto que a vibração em seus músculos torna-se visível em seu
rosto, a Medeia saltando em sua pele Augusta. Dá gosto. Dá gosto de ver tanto talento
vivo numa mesma atriz, que canta, que representa, que apresenta a sua
personagem para que possamos gozar momentos de pura teatralidade num palco
limpo como uma folha em branco na qual a desmedida Medeia traça o desatinado
destino de sua vingança. Sabemos a história. Mas o que interessa neste
espetáculo não é a história, mesmo que matizada por projeção de imagens, por
vozes mecânicas que fazem as personagens que faltam na cena, por pequenos
objetos cenográficos, adereços com os quais a atriz vai tramando o diálogo da
Medeia, não é a história, não é o espetáculo, é a atriz que seduz, é Augusta
Ferraz neste espetáculo solo, é Augusta que é Medeia mas é Creonte em
determinado momento, mesmo que a passagem de uma a outro fique cantada depois
do segundo movimento, encanta o homem na mulher, encanta o corpo da atriz que
se transforma numa e noutro num átimo, desmedida Medeia, na exata medida do
palco, augusto, Augusta, sinônimo de elevada, venerada, sagrada na arte de
representar, e ela o faz, apresentando a sua Medeia com a imponência que a
personagem pede, mesmo que humilhada, ainda que ofendida, Medeia é a indignada
e louca que contesta a condição em que se encontra. E tudo isso é Augusta. E
tudo é o espetáculo em sua simplicidade técnica. Mas atenção com esta palavra
perigosa, simplicidade, por que o que ela esconde não é a falta de pretensão
que lhe denota o sentido, nem limitação de conhecimentos teatrais para a
execução da cena, mas a qualidade de caráter de quem é franca e sincera com a
sua arte. E tudo isso com a direção sem arroubos nem apupos de Marcondes Lima a
partir do texto de Sofia Brás Andersen de Melo. Desmedida Augusta, apenas
precisa atentar para o ritmo da sua interpretação, que muitas vezes, por lento,
terminar por se perder e se perde igualmente a musicalidade da sua voz, sonora,
brilhante, sem gritos.
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