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A Renascer Produções Culturais organiza o Seminário Internacional de Crítica Teatral desde 2005 evento que reúne estudantes, profissionais e estudiosos de diferentes formações acadêmicas em um compartilhar de experiência, opinião e conhecimento dos mais diversos países, com o propósito maior de fazer avançar o desenvolvimento do discurso crítico sobre a criação teatral, em todo o mundo. O exercício da crítica de teatro como disciplina e a contribuição para o desenvolvimento das suas bases metodológicas constituem, assim, a prática do Seminário Internacional de Crítica Teatral, levada a cabo por críticos do teatro e uma gama de especialistas nas áreas de conhecimento que entrecruzam comunicação, história, filosofia, arte, literatura e teoria teatral, dentre outras. O Seminário Internacional de Crítica Teatral é um projeto que busca implementar no estado de Pernambuco um espaço permanente de debate sobre a estética teatral contemporânea. A edição 2011 tem como tema o Teatro fora dos Eixos. Todas as atividades desenvolvidas pelo seminário terão como base a discussão das poéticas cênicas que estão se propondo em produzir trabalhos que estão fora do cânone do teatro ocidental.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Leitura Crítica - Ophélia

Márcio Bastos

Não tem jeito: o maior termômetro para o sucesso de um espetáculo é o público. Na arte teatral, o artista tem o retorno imediato das reações dos espectadores, em um forte efeito de troca. Considerando essa lógica, pode-se afirmar que "Ophélia", da Cia. d'Improvizzo Gang, deu início a uma bem-sucedida trajetória. Apresentada na programação do Seminário de Crítica Internacional, a peça lotou o espaço da Casa Mecane e teve uma recepção das mais calorosas.

Trabalhar com um texto clássico, seja para adaptá-lo ou usar da desconstrução dele para criar uma obra nova, é sempre um desafio. Utilizar "Hamlet", de um gigante como William Shakespeare aumenta o peso do processo. Isso porque, devido à importância da obra do inglês para a dramaturgia mundial, muito já foi feito em cima de seus trabalhos, tanto para reafirmá-lo quanto para negá-lo. Assim, lançar um olhar inovador sobre os clássicos é uma tarefa na qual muitos não sucedem.

"Ophélia", portanto, já se inicia sob um véu de expectativas, principalmente porque a adaptação em questão é feita por Paulo Michelotto, uma das figuras-símbolo das artes cênicas no Recife. Para se ter uma ideia do frênesi em torno do espetáculo, para surpresa do próprio Michelotto, a Casa Mecane recebeu um público além do esperado para a capacidade do local. Para satistação geral, a dramaturgia apresentada conseguiu imprimir uma aura de originalidade, ganhando o público em pouco tempo.

O espetáculo é iniciado com a entrada em cena de Ophélia (Pollyanna Monteiro), à luz baixa e entoando uma canção que invariavelmente soa melancólica, tom que marca esse primeiro momento da peça. Essa atmosfera, no entanto, não dura muito tempo. Iniciando um diálogo com o público, ela logo se apresenta. Filha de Polonius, conselheiro real, ela é apaixonada pelo príncipe Hamlet, com quem supostamente deveria casar. Ao contrário da recatada personagem originalmente criada por Shakespeare, a Ophélia de Michelotto é muito perspicaz.

Em "Ophélia", o público, longe de um papel passivo, é também personagem. Ela logo explica a situação. A ação se passa no "dia de corte", e o público interpreta a vassalagem, que, naquela data tem a chance de emular a realeza. A partir de então, a interação com o público/vassalagem é constante, inclusive com alguns espectadores participando diretamente da ação cênica. O espetáculo adquire, então, um tom cômico, celebrado com entusiasmo pela platéia.

É visível, no espetáculo, o domínio de Michelotto sobre o texto original de Shakespeare. Estão presentes em "Ophélia" simbologias sutis, mas facilmente captadas por quem conhece o texto original. É o caso das canções que, recorrentemente, a moça entoa. A opção por uma abordagem humorística possibilita outras veredas para um texto que, essencialmente, é marcado pela tragédia.

Impossível imaginar "Ophélia" sem a interpretação de Pollyanna Monteiro. A atriz está completamente à vontade em cena, exalando um magnetismo impressionante. Sua personagem é pincelada com camadas tão variadas que parece várias ao mesmo tempo. Na maioria do tempo, ela assume uma postura juvenil que fica entre a molecagem e a infantilidade. Mas, e aí está um grande mérito do texto e da atriz, o humor está longe de ser raso, e a personagem carrega um peso dramático que só fica claramente explícito no final do espetáculo.

A Ophélia de Shakespeare é trágica pois é uma vítima do próprio destino; A de Michelotto/Pollyana não foge de uma certa melancolia inerente à personagem, mas adiciona vários outros elementos à sua composição. Em "Hamlet", Ophélia fica presa aos mandos dos homens à sua volta; na obra de Michelotto, ela usa da interpretação como uma possibilidade para outros caminhos possíveis. Afinal, o que é o "dia de corte" senão um grande teatro, uma tentativa de subjetivação nem que seja temporária?

O minimalismo que marca "Ophélia" serve para destacar ainda mais as qualidades do texto e de sua atriz principal. A honestidade com a qual é construído o espetáculo cria uma empatia honesta com o público, que recebeu a peça com um entusiasmo não facilmente encontrado. Ao fechar o espetáculo de forma subjetiva, Michelotto opta por abrir um leque de interpretações que, de certa maneira, dialoga com a donzela criada por Shakespeare. A loucura de Ophélia já estava presente desde sua entrada em cena? Quais os possíveis caminhos que aquela mulher, presa na politicagem do seu tempo poderia seguir? E aí está a beleza maior da peça: o importante aqui não são as respostas, mas as próprias perguntas.

Um comentário:

  1. Márcio, eu ia tirar teu emprego- já te disse que sou louco para escrever na Folha- mas vejo que não vou conseguir.Você já é um grande crítico. Ophelia e o Hamlet aqui agradecem comovidos o seu carinho com a peça. Nós a fizemos também com carinho para com o público e é muito bom ver um guri novo como você com essa cara de Super Man demonstrar tanto cuidado conosco. A próxima Ophelia será ainda melhor, por causa de você, creia-nos.

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